Acórdão nº 00688/10.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14-07-2014

Data de Julgamento14 Julho 2014
Número Acordão00688/10.4BEPRT
Ano2014
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
L…, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22-11-2012, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de IVA, nº 06356427, no valor de € 8.401,85.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 147-161), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I - Da violação do art. 74º, 1 da Lei Geral Tributária e art. 100º, 1 CPPT.
1 - Constando do relatório de inspeção junto aos autos as razões de facto e de direito que estiveram na base da decisão da AT, o Douto Tribunal a quo não poderia deixar de formular um juízo sobre a validade do ato em causa à luz da fundamentação contextual integrante do mesmo.
2 - Face ao circunstancialismo descrito, verifica-se que a AT não observou o ónus da prova dos pressupostos da sua atuação: a existência de indícios sérios e credíveis da existência de transação comercial.
3 - Aliás, o ónus de prova dos factos constitutivos do direito às correções em sede de IVA e à subsequente liquidação recai sobre a administração tributária - artigo 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, enquanto princípio geral e garantia basilar dos contribuintes.
4 - Como se pode depreender do relatório de inspeção tributário nos autos, subsiste uma dúvida ou contradição não sanada sobre a existência de simulação do negócio que a venda a dinheiro n.º 2 retrata.
5 - Dúvida insanável patente no seguinte trecho do supra referido relatório:
“Face ao exposto, o sujeito passivo emitiu uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, relativamente a uma transação, cujo objetivo seria o de comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda.” (sublinhado nosso).
6 - Em virtude do disposto no art. 74º, 1, LGT, deveria o Douto Acórdão recorrido ter sopesado o facto de incumbir à AT o ónus de provar a existência de efetiva transação, enquanto pressuposto da incidência tributária e necessidade de aplicação de correcção meramente aritmética.
7 - E deveria o douto Acórdão a quo ter decidido em sentido contrário, contra quem incumbia o onus probandi, pois não logrou a AT demonstrar os pressupostos do facto tributário de liquidação adicional,
8 - Porquanto é a própria AT a admitir, no último trecho citado, que a emissão da venda a dinheiro referido apenas serviu o propósito de “comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda.
9 - Sendo também certo que o Impugnante cumpriu integralmente, em sede impugnatória, os requisitos previstos na jurisprudência do TCAN, no Processo nº 01203/09.8BEBRG, de 08-11-2012.
10 - Visto que, perante indicadores suficientes de que os custos titulados por faturas de suporte à escrita do sujeito passivo não titulam verdadeiras transações, o Impugnante cumpriu o ónus de rebater tais indicadores, demonstrando que não ocorreram os factos que os suportam ou que não têm o significado que lhes é atribuído.
11 - Pelo exposto a decisão do douto Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação de prova e, consequentemente, em vício de ilegalidade por violação do disposto no art. 74.º 1 da Lei Geral Tributária.
12 - Como também não deu cabal cumprimento ao comando imperativo do art. 100º, 1 do CPPT, dispondo no sentido da anulação do acto impugnado, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
Sem prescindir,
II - Da violação do art. 103º, 2 e 3 CRP
13 - Verificou-se, de facto, uma operação comprovadamente simulada, como se provou em sede de aresto de que faz parte o recurso de apelação nº 5304/08 e respetivo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com sentença transitada em julgado, no processo 3752/05.8TBPVZ.
14 - Inexistem os pressupostos de incidência tributária pelo facto da transação subjacente à liquidação adicional sub judice, não ter tido como objeto a transmissão de bens, mas apenas a simulação de negócio quoad effectum com o objetivo de evitar a apreensão por parte das autoridades fiscais dos bens em causa.
15 - Não pode a AT, perante o relatório de inspeção junto dos autos e após pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação, devidamente fundamentado pelo ora recorrente, ignorar a verdadeira natureza da suposta venda a dinheiro como acordo simulatório.
16 - Conhecimento efetivo que demandaria uma solução diversa do pedido de revisão oficiosa de facto tributário em causa, compelindo a AT, enquanto sujeito processual-tributário agindo pelos ditames da boa-fé, a rejeitar o processo de correção aritmética.
17 - Segundo o art. 2.º, 1, CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
18 - Ora, dita a subsunção silogística que, na ausência de qualquer transmissão, não poderá haver tributação, pois falece ato-efeito sobre o qual incide objetivamente o imposto.
19 - É certo que o art. 243.º, 1, CC, protege a confiança de terceiro no tráfego, mas esta tutela civilística não pode vencer o princípio básico-constitucional da legalidade tributária, art. 103º, 2, 3, no sentido em que um contribuinte-sujeito passivo não pode ver o seu património lesado pelo pagamento de um imposto cuja incidência, verdadeira e efetivamente, não existe.
Sem prescindir,
III - Inadmissibilidade da aplicação analógica do art. 243.º, 1 CC
20 - Acresce que a relação jurídico-tributária não se cristaliza no momento da liquidação, devendo revelar todos os atos subsequentes e factos de conhecimento superveniente que possam afetar as garantias dos contribuintes.
21 - Após pedido de revisão oficiosa, impugnação e Acórdão do TRP no sentido da existência de acordo simulatório, a decisão de prossecução de cobrança coerciva apenas pode qualificar a AT como sujeito de má-fé, logo excluído da exceção constante do art. 243º, 1, CC, proibindo a arguição de nulidade proveniente da simulação contra terceiro de boa-fé.
22 - Aliás, não se pode considerar a interpretação analógica, como faz o douto acórdão recorrido, do disposto no art. 243º, 1, CC, à situação em apreço, porquanto este preceito, no que respeita à inoponibilidade da nulidade da simulação a terceiros de boa-fé, consubstancia norma excecional, logo insuscetível de aplicação analógica, ex vi art. 11º, CC.
23 - Sendo aplicável, sem restrições, a regra geral da oponibilidade erga omnes da nulidade do negócio jurídico, conforme disposto no art. 286.º, pelo que poderia o Recorrente ter arguido a nulidade do acordo simulatório contra a AT.
Sem prescindir,
IV - Do desrespeito pela autoridade do caso julgado.
24 - Aventa o Acórdão recorrido que “as conclusões no âmbito do processo civil em causa [por referência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto junto aos autos] não são aplicáveis à relação jurídico-tributária existente entre a Administração Fiscal e o impugnante”.
25 - Admitindo ainda como pressuposto decisório que “o referido Acórdão não declara expressamente a nulidade da venda a dinheiro dos equipamentos informáticos em causa nos presentes autos”.
Contudo,
26 - O Recorrente emitiu uma venda a dinheiro em 4/01/2003, na qual mencionou IVA no montante de 8.127,44 euros, sendo todavia certo, provado e demonstrado que o mesmo nunca recebeu esse montante, dado tratar-se de um negócio simulado, conforme consta de sentença de ação cível, que correu termos no Tribunal judicial da Póvoa de Varzim, Processo n.º 3752/05.STBPVZ.
27 - Em Sentença transitada em julgado após Acórdão do tribunal da Relação do Porto, em Apelação n.° 5304/08, junto aos autos.
28 - Dentre os factos dados como provados com interesse determinante para a decisão deste Recurso, resultam os constantes das alíneas a), b), d), g), 1), m), e pp. 8-10 do supra referido Acórdão, que aqui se dão por reproduzidas por razões de economia.
29 - Resultou à evidência, conforme consta do aresto cível mencionado, que a emissão da venda a dinheiro n.º 2, de 4/1/2003, não se destinava a efetuar a transmissão dos equipamentos para a sociedade designada na mesma,
30 - Mas tão só pretendia simular um negócio com o objectivo de evitar a apreensão dos ditos equipamentos, como supra expusemos.
31 - Ficou depositada nesses autos, com transito em julgado de sentença, que tal nota de venda não teria qualquer validade, ficando o material afetado à sociedade que a Autor e Réu estavam a constituir.
32 - Aliás, é a própria Administração Tributária, que tal facto reconhece no ofício nº 001010, de 07-01-2009, junto dos presentes autos.
Ora,
33 - É entendimento que percorre a jurisprudência o de que a exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e que esta se distingue da autoridade do caso julgado, em que último se manifesta na sua vertente ou face positiva. (Vide Acórdão TRC de 28-09-2010, no Processo 392/09.6TBCVL.C1).
34 - Enquanto que pela excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior,
35 - Sendo que para a autoridade do caso julgado não se exige a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC, o que permite transpor a questão da simulação de negócio para o processo jurídico-tributário em apreço.
36 - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra...

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