Acórdão nº 00596/11.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19-11-2021
Data de Julgamento | 19 Novembro 2021 |
Número Acordão | 00596/11.1BEBRG |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
1 - A. e cônjuge M.,
2- M. e cônjuge A.,
3- J. e cônjuge M.,
4- C. e cônjuge I.,
5- N. e cônjuge M.,
Intentaram Ação Administrativa Comum contra o MUNICÍPIO (...), e COMPANHIA DE SEGUROS (...), S.A, tendente, em síntese, a serem indemnizados dos danos verificados nos identificados prédios de que serão titulares, em decorrência de obras realizadas pelo Município nas imediações, e ainda a emergente condenação unitária de 5.000€ pelos danos não patrimoniais.
Veio o Tribunal de 1ª Instância, em 30 de abril de 2021, a decidir condenar solidariamente, o Réu MUNICÍPIO (...) e a Companhia de Seguros (...), SA, a pagar aos Autores as seguintes quantias:
a) Aos primeiros Autores, a quantia de €7.980 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais,
b) Aos segundos Autores, a quantia de €8.318 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do artigo 524.º do Código Civil.
c) Aos terceiros Autores, a quantia de €6.243 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais,
d) Aos quartos Autores, a quantia de €9.053 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais, sem prejuízo do direito de regresso
e) Aos quintos Autores, a quantia de €5.550 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais.
Inconformada com a Sentença proferida em 1ª Instância, veio a Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS (...), S.A, recorrer para esta instância, tendo concluído:
“1. Da sentença proferida resulta de forma clara e inequívoca que:
1.1. O Réu Município com recurso a meios próprios, consubstanciados num compressor a ar para perfuração de maciço rochoso e aplicação de gel amonite e consequente detonação, utilizando ainda máquina buldózer, cilindro de compactação e camiões.
1.2. Que a denotação desses explosivos ocorreu num maciço rochoso extenso e sobre o qual também se encontram construídas as habitações dos Autores, que, por efeito das vibrações produzidas com tais detonações, passaram a apresentar fissurações ou aumento de outras existentes, que se verificam também em elementos estruturais e na cobertura.
1.3. Que a aplicação de tais explosivos não obedeceu ao plano prévio, não foi devidamente registada a carga explosiva, como também não ocorreram testes prévios que permitissem apurar a adequação das cargas explosivas aplicadas, cerca de 50 Kg por detonação e durante o período compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, ou seja, durante quase 3 anos, não procedendo ainda à monitorização dos efeitos dessas detonações, nomeadamente junto às habitações dos Autores, procedimento que, além do mais resulta da experiência de vida e cuja necessidade está ao alcance de um homem médio.
1.4. Resultando ainda que tendo começado o réu Município a operar os explosivos a partir de 24/08/2009, a primeira autorização para a sua aquisição tem a data de 8 de outubro de 2009 – cfr. ponto 11 do probatório.
1.5. Isto é, o Município Réu procedeu à aplicação de explosivos em cargas que entendeu adequadas, sem se preocupar com os seus efeitos ou demonstrar que a sua atuação era adequada às circunstâncias do local onde ocorreu a aplicação de explosivos e que, efetivamente, tal atuação não foi propícia à fissuração que se verifica essas habitações.
1.6. Tal situação configura omissão ilícita do Réu dos deveres de cuidado, prudência e adequação acima discriminados, em violação de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como de regras de ordem técnica e de prudência comum.
2. Ora, estando excluídos pelo contrato de seguro, nos termos das condições gerais da apólice, os danos resultantes da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado, e tendo ficado provado que isso se verificou, deve a ora recorrente ser absolvida dos pedidos, o que aqui se requer.
3. A sentença proferida fez, assim uma incorreta apreciação da matéria de facto, provada e consequentemente do direito aplicável, nomeadamente das condições gerais da apólice.
Termos em que deve revogar-se a sentença, substituindo-se por outra que absolva a recorrente dos pedidos, Assim se fazendo Justiça!”
O MUNICÍPIO (...) não veio a Recorrer jurisdicionalmente da Sentença de 1ª Instância.
Os Autores vieram apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 30 de junho de 2021, tendo aí concluído:
“1. Atenta a factualidade provada nos autos, a responsabilidade do município não resulta só da violação de normas legais e regulamentares, mas também – essencialmente – da violação dos deveres de cuidado, prudência e adequação;
2. A referência do Tribunal a quo às “normas legais e regulamentares” e às “regras de ordem técnica” é de tal ordem genérica (Que normais legais? Que normas regulamentares? Que regras de ordem técnica?), que temos como certo que não se pretendeu, com tais afirmações, dizer mais do que os danos nas habitações resultaram da utilização de explosivos durante um longo período de cerca de 3 anos, compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, com as cargas que o Réu Município entendeu adequadas, sem se preocupar com os seus efeitos ou demonstrar que a sua atuação era adequada às circunstâncias do local ou insuscetível de provocar, como provocou, a fissuração que se verifica nas habitações dos AA.;
3. Outrossim, a Apelante só podia ser absolvida do pedido caso tivesse demonstrado que os danos resultaram única e exclusivamente da violação das leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis e que, se estas normas tivessem sido observadas, nenhuns danos teriam advindo para os AA.;
4. A responsabilidade do Réu Município para com os AA. é indubitavelmente emergente da responsabilidade civil daquele, pelo que a Apelante, tendo garantido tal risco, responde também para com os AA.;
5. Sem prescindir, a responsabilidade civil dos Municípios, tal como da globalidade das pessoas singulares e coletiva, emana quase sempre da violação de leis, de regulamentos ou normas técnicas ou de segurança, destinadas a proteger interesses alheios, aliás, atente-se a redação do art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil e do art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
6. Como tal, a cláusula ínsita em contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por danos causados pela atividade do Réu Município, que exclui da responsabilidade da seguradora (Apelante) os danos decorrentes “da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado”, desrespeita o princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, arredando do âmbito da cobertura da apólice as causas mais comuns dos danos produzidos pela atividade do Município;
7. A referida cláusula de exclusão sempre consubstanciaria um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vinculo contratual estabelecido, desproporcional e violadora do princípio da boa-fé e, nessa medida, proibida e, como tal, nula (art.ºs 12.º, 15.º e 18.º, al. b), do DL 446/85, de 25-10).
8. Sendo tal nulidade de conhecimento oficioso – art.º 286.º do Código Civil – e tendo os AA. legitimidade para a invocar, uma vez que é invocável por “qualquer interessado”.
Termos em que, negando provimento ao recurso, deverá ser proferido douto acórdão que confirme integralmente a douta sentença recorrida.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, a habitual, JUSTIÇA.”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 10 de outubro de 2021.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 19 de outubro de 2021, nada veio dizer requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Vem recursivamente suscitada pela Seguradora, predominantemente que a sentença proferida terá feito uma incorreta apreciação da matéria de facto, provada e consequentemente do direito aplicável, nomeadamente das condições gerais da apólice, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“1. Os 1.ºs AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano, situado no lugar da (…), da comarca de (...):
- Casa coberta de telha, composta de...
I Relatório
1 - A. e cônjuge M.,
2- M. e cônjuge A.,
3- J. e cônjuge M.,
4- C. e cônjuge I.,
5- N. e cônjuge M.,
Intentaram Ação Administrativa Comum contra o MUNICÍPIO (...), e COMPANHIA DE SEGUROS (...), S.A, tendente, em síntese, a serem indemnizados dos danos verificados nos identificados prédios de que serão titulares, em decorrência de obras realizadas pelo Município nas imediações, e ainda a emergente condenação unitária de 5.000€ pelos danos não patrimoniais.
Veio o Tribunal de 1ª Instância, em 30 de abril de 2021, a decidir condenar solidariamente, o Réu MUNICÍPIO (...) e a Companhia de Seguros (...), SA, a pagar aos Autores as seguintes quantias:
a) Aos primeiros Autores, a quantia de €7.980 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais,
b) Aos segundos Autores, a quantia de €8.318 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do artigo 524.º do Código Civil.
c) Aos terceiros Autores, a quantia de €6.243 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais,
d) Aos quartos Autores, a quantia de €9.053 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais, sem prejuízo do direito de regresso
e) Aos quintos Autores, a quantia de €5.550 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais.
Inconformada com a Sentença proferida em 1ª Instância, veio a Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS (...), S.A, recorrer para esta instância, tendo concluído:
“1. Da sentença proferida resulta de forma clara e inequívoca que:
1.1. O Réu Município com recurso a meios próprios, consubstanciados num compressor a ar para perfuração de maciço rochoso e aplicação de gel amonite e consequente detonação, utilizando ainda máquina buldózer, cilindro de compactação e camiões.
1.2. Que a denotação desses explosivos ocorreu num maciço rochoso extenso e sobre o qual também se encontram construídas as habitações dos Autores, que, por efeito das vibrações produzidas com tais detonações, passaram a apresentar fissurações ou aumento de outras existentes, que se verificam também em elementos estruturais e na cobertura.
1.3. Que a aplicação de tais explosivos não obedeceu ao plano prévio, não foi devidamente registada a carga explosiva, como também não ocorreram testes prévios que permitissem apurar a adequação das cargas explosivas aplicadas, cerca de 50 Kg por detonação e durante o período compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, ou seja, durante quase 3 anos, não procedendo ainda à monitorização dos efeitos dessas detonações, nomeadamente junto às habitações dos Autores, procedimento que, além do mais resulta da experiência de vida e cuja necessidade está ao alcance de um homem médio.
1.4. Resultando ainda que tendo começado o réu Município a operar os explosivos a partir de 24/08/2009, a primeira autorização para a sua aquisição tem a data de 8 de outubro de 2009 – cfr. ponto 11 do probatório.
1.5. Isto é, o Município Réu procedeu à aplicação de explosivos em cargas que entendeu adequadas, sem se preocupar com os seus efeitos ou demonstrar que a sua atuação era adequada às circunstâncias do local onde ocorreu a aplicação de explosivos e que, efetivamente, tal atuação não foi propícia à fissuração que se verifica essas habitações.
1.6. Tal situação configura omissão ilícita do Réu dos deveres de cuidado, prudência e adequação acima discriminados, em violação de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como de regras de ordem técnica e de prudência comum.
2. Ora, estando excluídos pelo contrato de seguro, nos termos das condições gerais da apólice, os danos resultantes da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado, e tendo ficado provado que isso se verificou, deve a ora recorrente ser absolvida dos pedidos, o que aqui se requer.
3. A sentença proferida fez, assim uma incorreta apreciação da matéria de facto, provada e consequentemente do direito aplicável, nomeadamente das condições gerais da apólice.
Termos em que deve revogar-se a sentença, substituindo-se por outra que absolva a recorrente dos pedidos, Assim se fazendo Justiça!”
O MUNICÍPIO (...) não veio a Recorrer jurisdicionalmente da Sentença de 1ª Instância.
Os Autores vieram apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 30 de junho de 2021, tendo aí concluído:
“1. Atenta a factualidade provada nos autos, a responsabilidade do município não resulta só da violação de normas legais e regulamentares, mas também – essencialmente – da violação dos deveres de cuidado, prudência e adequação;
2. A referência do Tribunal a quo às “normas legais e regulamentares” e às “regras de ordem técnica” é de tal ordem genérica (Que normais legais? Que normas regulamentares? Que regras de ordem técnica?), que temos como certo que não se pretendeu, com tais afirmações, dizer mais do que os danos nas habitações resultaram da utilização de explosivos durante um longo período de cerca de 3 anos, compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, com as cargas que o Réu Município entendeu adequadas, sem se preocupar com os seus efeitos ou demonstrar que a sua atuação era adequada às circunstâncias do local ou insuscetível de provocar, como provocou, a fissuração que se verifica nas habitações dos AA.;
3. Outrossim, a Apelante só podia ser absolvida do pedido caso tivesse demonstrado que os danos resultaram única e exclusivamente da violação das leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis e que, se estas normas tivessem sido observadas, nenhuns danos teriam advindo para os AA.;
4. A responsabilidade do Réu Município para com os AA. é indubitavelmente emergente da responsabilidade civil daquele, pelo que a Apelante, tendo garantido tal risco, responde também para com os AA.;
5. Sem prescindir, a responsabilidade civil dos Municípios, tal como da globalidade das pessoas singulares e coletiva, emana quase sempre da violação de leis, de regulamentos ou normas técnicas ou de segurança, destinadas a proteger interesses alheios, aliás, atente-se a redação do art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil e do art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
6. Como tal, a cláusula ínsita em contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por danos causados pela atividade do Réu Município, que exclui da responsabilidade da seguradora (Apelante) os danos decorrentes “da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado”, desrespeita o princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, arredando do âmbito da cobertura da apólice as causas mais comuns dos danos produzidos pela atividade do Município;
7. A referida cláusula de exclusão sempre consubstanciaria um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vinculo contratual estabelecido, desproporcional e violadora do princípio da boa-fé e, nessa medida, proibida e, como tal, nula (art.ºs 12.º, 15.º e 18.º, al. b), do DL 446/85, de 25-10).
8. Sendo tal nulidade de conhecimento oficioso – art.º 286.º do Código Civil – e tendo os AA. legitimidade para a invocar, uma vez que é invocável por “qualquer interessado”.
Termos em que, negando provimento ao recurso, deverá ser proferido douto acórdão que confirme integralmente a douta sentença recorrida.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, a habitual, JUSTIÇA.”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 10 de outubro de 2021.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 19 de outubro de 2021, nada veio dizer requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Vem recursivamente suscitada pela Seguradora, predominantemente que a sentença proferida terá feito uma incorreta apreciação da matéria de facto, provada e consequentemente do direito aplicável, nomeadamente das condições gerais da apólice, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“1. Os 1.ºs AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano, situado no lugar da (…), da comarca de (...):
- Casa coberta de telha, composta de...
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