Acórdão nº 00533/11.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05-11-2021

Data de Julgamento05 Novembro 2021
Número Acordão00533/11.3BEPRT
Ano2021
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
M., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada em 01.10.2019, que julgou improcedente a presente ação improcedente e, consequentemente, absolveu os Réus, aqui Recorridos, V. e o CENTRO HOSPITALAR (...), EPE, também com os sinais dos autos, dos pedidos formulados.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1- O M. Juiz a quo ignorou, na decisão da matéria de facto, para além da prova testemunhal carreada para o processo pelo A./recorrente, os dois relatórios periciais constantes dos autos de extrema importância.
2- Quanto aos factos não provados, entende o A./recorrente que deverão merecer resposta afirmativa os factos dados como não provados constantes das alíneas a), b), c), d) e), f) g) e h).
3- E tal alteração da matéria de facto dada como não provada para provada encontra justificação quer da análise dos dois relatórios periciais juntos aos autos, como também da prova testemunhal efetuada pelas testemunhas arroladas pelo A., como também dos RR. que acima se transcreveram;
4- Em consequência da alteração à matéria de facto dada como provada deverão ter-se por preenchidos todos os requisitos legais da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil, tais como o facto ilícito (imperícia na realização da cirurgia); a culpa na vertente da negligência pro parte do 1º R. e o nexo de causalidade entre o facto ilícito produzido pelo 1° R. e os danos que o A. apresenta e que constam dos relatórios periciais juntos;
5- Quanto aos danos patrimoniais ambos os RR. devem, solidariamente, ser condenados a pagar ao A. quer os valores patrimoniais peticionados quanto à diferença de rendimentos -lucro cessante - ocorrido em consequência da baixa médica do A. ocorrida entre fevereiro de 2007 e 06 de janeiro de 2009 (diferencial entre o valor do salário mensal e o valor mensal do subsídio de doença pago pela Segurança Social identificado nos pontos 16 e 19 da matéria de facto dada como provada) e também das alteração de funções do A. e consequentemente da ausência de pagamento do subsídio de turno que A. auferia no valor de €180,20 mensais, no valor global de €25.948,48 (atendendo à vida ativa de mais 12 anos) ou, caso tal se não entenda, o que por mera cautelar de patrocínio se concede, o valor de €13.515,00, calculada nos termos supra referidos;
6- Mais devem, solidariamente, ser os RR. condenados a pagar ao A. a quantia peticionada a título de despesas de deslocação, na quantia de €1.400,00;
7- Como também o valor de €253,00 de consultas de fisioterapia; acrescido de €120,00 de consultas de otorrinolaringologia; €27,39 de medicamentos, €8,25 de taxas moderadoras e €44,10 de consultas externas.
8- Já quanto aos danos morais, atendendo á idade do A. e às consequências gravosas no plano da autoestima e da estabilidade físico-psíquica deverá ser fixada em quantia nunca inferior a €50.000,00 o valor da indemnização por danos não patrimoniais a suportar, solidariamente, por ambos os RR.
9- Quanto à responsabilidade do 2° R. no pagamento da indemnização peticionada pelo A., atendendo à matéria de facto dada como provada no ponto 15. não restarão dúvidas que a responsabilidade civil do hospital pela conduta do 1º R., pelo que deve o mesmo ser condenado nos exatos termos dos valores peticionados quanto ao 1º R.;
10- O M. Juiz a quo, ao responder da forma como o fez, violou o disposto no art° 607°, n° 3, 4 e 5 do CPC, pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e proferir-se acórdão que, alterando a decisão da matéria de facto na decisão da parte questionada da sentença, conforme supra se refere, julgue a ação totalmente procedente e que contemple as conclusões supra mencionadas (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, apenas o Recorrido V. produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:“(…)
- Tratando a presente ação de um caso de responsabilidade civil extracontratual do Estado, o autor deveria ter apontado ao 1° réu e não o faz em nenhum momento, ao menos um facto concreto ilícito que pudesse ser a este diretamente atribuído e de onde derivasse a sua culpa. Posto que se impunha também a verificação da existência de nexo de causalidade entre o dito facto ilícito com culpa e o real dano alegadamente sofrido pelo autor.
- A cirurgia a que o autor foi submetido, para além de ter sido realizada no estrito cumprimento das boas práticas médicas, decorreu sem eventos anómalos humanamente percetíveis. E pese embora a gravidade do estado do paciente no pré-operatório, o mesmo recuperou dos seus défices neurológicos, motores e sensoriais. Vide registos clínicos da cirurgia e do pós-operatório imediato e prova testemunhal, incluindo depoimento da Dra A., do Dr. M. e da Dr.a M..
- Além de que não foi detetada rouquidão ao paciente, a não ser na sua primeira consulta de rotina com o 1° réu, em 8 de março de 2017, o que deixou em aberto a questão de saber se houve alguma causa para a disfonia que nada tivesse que ver com a intervenção cirúrgica ou que fosse uma lesão indireta da mesma, como consta da douta sentença recorrida.
- Conforme se concluiu nos autos e foi levado ao probatório, pode não se ter tratado de uma lesão direta no nervo. Para o sucedido poderão ter contribuído inúmeros fatores como o facto de o autor ter sido fumador, o facto de trabalhar em ambientes onde se registavam elevadas temperaturas e secura do ar, entre outros possíveis, como sejam uma afeção respiratória contraída, em ambiente pré ou pós-operatório (motivação da douta sentença a quo).
- Mais a mais, neste caso, apesar de haver alteração ao nível da corda vocal, havia possibilidade de reenervação e portanto de recuperação espontânea natural. Nesta situação, como a terapia da fala não teve melhorias, a médica M., otorrinolaringologista que faz consulta de voz e, à data, consultou o autor, recorda-se que ao fim dos 12 meses dessa terapia, com ausência de melhorias significativas, propôs-lhe por duas vezes intervenções cirúrgicas corretivas.
- O autor não quis fazer nenhuma porque não lhe davam certezas de melhoras e havia riscos associados às intervenções. Sendo que nenhum médico assegura um resultado e existem riscos inerentes a qualquer intervenção cirúrgica, embora esta médica tenha sublinhado que todos os que se submeteram a este procedimento cirúrgico recuperaram a fala (motivação da douta sentença a quo).
- Em relação ao procedimento cirúrgico levado a cabo, conforme se concluiu acima, em sede de motivação da matéria de facto, por referência aos depoimentos dos vários médicos inquiridos (inclusive o próprio 1° Réu, que explicou de forma convicta e credível o procedimento encetado e as prováveis causas para a rouquidão do Autor), devidamente compaginados com os relatórios periciais juntos aos autos, não se conclui que o 1° réu tenha incorrido em qualquer má prática, muito menos que a técnica cirúrgica empregue tenha sido errada. (motivação da douta sentença a quo).
- O autor estava ciente dos riscos associados à cirurgia a que se submeteu, bem como dos riscos do procedimento anestésico, embora refira em declarações de parte com acareação, não se recordar de lhe terem sido transmitidos riscos de disfonia e disfagia. Lembrando-se do risco que implicava poder ficar numa cadeira de rodas.
- Mas admite ter sido informado por anestesia, que tem entre outras complicações, a que se reporta a problemas das cordas vocais.
- O procedimento anestésico é indissociável do cirúrgico.
- Quer a prova documental nos autos, quer a prova testemunhal em audiência, nada provam quanto a alegada má pratica médica causadora de lesão da corda vocal do autor.
- Os danos patrimoniais e os não patrimoniais que sustentam o pedido indemnizatório, além de excessivos, assentam em parte em matéria não provada, sendo ainda certo que não se vislumbra que exista nexo causal adequado a que tal pedido proceda.
- O direito aplicado foi o correta, nada existindo na douta sentença quanto a tal questão que mereça reparo (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, e considerando a respetiva ordem de invocação, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: erro de julgamento de (i) facto e (ii) de direito da sentença recorrida.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo, negativa e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
1. A conselho médico, por sofrer de uma hérnia discal, foi o A. consultado no estabelecimento de saúde do 2° R., tendo os seus clínicos aconselhado uma intervenção cirúrgica,
2. Advertindo previamente o A. que havia uma possibilidade remota de a intervenção cirúrgica poder acarretar uma sequela, podendo da mesma intervenção, resultar uma tetraplegia.
3. Consciente desse risco, mesmo assim o A. decidiu que seria operado, a disccolotnia e artrodese C5/C6.
4. O que veio a acontecer em 05 de fevereiro de 2007 no CENTRO HOSPITALAR (...).
5. E assim foi o autor submetido a uma intervenção...

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