Acórdão nº 00500/11.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18-10-2019

Data de Julgamento18 Outubro 2019
Número Acordão00500/11.7BEVIS
Ano2019
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A. S. A., com domicílio na Rua (…), instaurou acção administrativa especial contra a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, com sede na Rua (…), para impugnação da decisão proferida pelo seu Conselho Disciplinar em 18/07/2011, que lhe aplicou a pena de multa no valor de € 10.000,00 (dez mil euros).
Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgada procedente a acção e declarado nulo e de nenhum efeito, o acórdão impugnado.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Conselho Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), concluiu:
i) Da Inverificação do vício de falta de fundamentação no acórdão disciplinar, no que se refere a: - Elemento subjetivo - Grau de culpa da conduta do arguido

1ª A doutrina de direito penal invocada na sentença que defende devem ser aplicadas ao processo disciplinar as normas do direito criminal comum, exceciona à referida regra, desde logo, no que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura especifica do respetivo ilícito, sendo que, a invocada doutrina nem sequer se refere, em nenhum momento, ao elemento subjetivo - a culpa, e, que apesar de transcrita no acórdão invocado na sentença, esta doutrina não se encontra referida ou contemplada na decisão constante do Acórdão do TCA Sul, proc.° 1268/03, de 09-06-2004.

2° O mesmo se diga do, também, invocado na sentença Ac. do TCA Norte, Proc.° 747/15.7BECBR, de 23/09/2016, o qual também não se revisita na tese do tribunal a quo de aplicação da legislação penal na fundamentação exigida especificamente quanto à culpa em processo disciplinar.

3ª Contrariamente ao defendido na sentença recorrida, importa aqui salientar o caráter residual do processo penal relativamente ao processo disciplinar, que resulta expresso no art.º 84.° do Regulamento Disciplinar da OROC, que apenas é aplicável em caso de lacuna, em tudo o que não estiver previsto no referido Regulamento e no Estatuto, a título subsidiário, e, no final da ordem estabelecida, a seguir ao Código de Procedimento Administrativo (CPA);

4ª Sendo que a própria lei das associações públicas profissionais Lei c.° 2/2013 de 10 de janeiro, estabelece no n.° 8.° do art.º 18.° com a epígrafe "poder disciplinar " que "nos casos omissos, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas procedimentais previstas no estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas"; que também afasta, assim, a aplicação do direito processual penal.

5ª No caso sub judice, e tendo em consideração a factualidade provada, enunciada de fls. 4 a fls. 20 da sentença em crise, e sobre a qual não existiu qualquer dissenso entre as Partes na ação (como ficou reconhecido na própria sentença), e que nos dispensamos aqui de reproduzir por economia do presente articulado, ficou provado que o ora Recorrido, enquanto Revisor Oficial de Contas, praticou diversas infrações disciplinares por ter incumprido os deveres estabelecidos no n.° 2 e no n.° 4 do art.º 62.° n.° 1 do art.º 64.° do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, dos deveres impostos pelo n.° 1 e 2 do art.º 5.°, pelo art.º 7.° e pelo n.° 5 do art.º 12.° Código de Ética e Deontologia Profissional e no art.º 4.°, S.°, 11.° e 12.° do Regulamento de Formação Profissional dos ROC, e por omissão do cumprimento dos parágrafos 13 e 19 das Normas de Revisão/Auditoria e em concreto nas Directrizes de Revisão/Auditoria 510, 410, 230, todos em vigor à data dos factos.

6ª Acresce que, conforme se apurou no processo disciplinar e, como se refere expressamente no ponto 22 do acórdão disciplinar, O arguido atuou livre e voluntariamente, não podendo desconhecer que a sua conduta era reprovável e punida por lei.

7ª Nos termos do art.º 2.° do Regulamento Disciplinar em vigor à data dos factos, considera-se infração disciplinar a conduta do membro da Ordem que, por ação ou omissão, violar, dolosa ou culposamente, algum dos deveres estabelecidos no respetivo Estatuto ou em outros normativos aplicáveis.

8ª Dados como provados os factos em que assenta o acórdão do Conselho Disciplinar da OROC, integradores das infrações disciplinares e que, repita-se nunca foram postos em causa pelo ora Recorrido, se considera, desde logo demonstrada a culpa do então arguido, lá que se impunha que o mesmo, enquanto Revisor Oficial de Contas, conhecesse as normas profissionais e os deveres que o regem e adotasse os comportamentos devidos para o cumprimento dessas normas.

9ª Não existe, assim, qualquer omissão quanto ao elemento subjetivo — a culpa do ora Recorrido — que resulta, desde logo, claramente da referida menção expressa no acórdão e referida na conclusão 6a do presente articulado, como lhe era imposto pelo normativo supra citado, que prevê que a infração disciplinar possa ser cometida tanto a título de negligencia como de dolo;

10ª Não sendo exigível que o acórdão disciplinar especificasse o grau de culpabilidade do então arguido, por não lhe ser diretamente aplicáveis as regras que regem o direito penal.

11ª Efetivamente, o processo disciplinar constitui uni minus relativamente ao direito penal, não lhe são impostas as regras deste ramo de direito, sem a respetiva adaptação, o foi acolhido pela legislação específica aplicável às Ordens Profissionais e no caso concreto à OROC.

12ª o ora Recorrido um Revisor Oficial de Contas, não podia ignorar os deveres profissionais que sobre ele impendem, pelo que nunca tendo posto em causa os factos provados, assumiu, desde logo, por um lado a culpa do cometimento das infrações disciplinares;

13ª Devendo, considerar-se demonstrada a culpa do ora Recorrido no cometimento das infrações pela prova dos factos integradores das infrações disciplinares, a qual não foi objeto de qualquer dissenso.

14ª È que ao contrário do que defende a sentença em apreciação, a Jurisprudência do STA, proc.° 0658, de 30-05-2013, é clara ao afirmar que Os processos disciplinares não estão sujeitos às férreas exigências de rigor técnico-jurídico dos processos criminais, não só devido à distinta natureza dos interesses em presença, mas também porque seria excessivo impor aos instrutores daqueles processos uma proficiência pensada para a magistratura.

15ª E mais, o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão proferido no proc.° n.c. 10383/13, de 10-07-2014, a respeito de uma sanção disciplinar aplicada pela Ordem dos Advogados, vem referir expressamente o seguinte:
II. Encontrando-se provados os factos de que o arguido foi acusado e que fundaram a aplicação da pena disciplinar, o que tem por base a prova documental produzida, que não logrou ser posta em causa, seja por que meio for, nem de algum modo abalada a veracidade dos factos em que sustenta a acusação e deliberação punitiva.
III. Comprovando-se os factos em que assenta a deliberação punitiva, integradores da infração disciplinar, está igualmente demonstrada a culpa do agente, já que se impunha que o arguido adotasse comportamento diferente, em respeito das normas legais que disciplinam o núcleo dos deveres dos advogados. (sublinhado nosso).

16ª Neste mesmo sentido e, portanto, em tese contrária ao entendimento constante da sentença recorrida, vide, ainda, o que refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc.° n.° 2122/11.3TBPVZ.P1 relativamente a sentença que declarou nula a decisão de autoridade administrativa, por falta de fundamentação referente aos elementos subjetivos das infrações imputadas a decisão da autoridade administrativa:
- Na decisão da autoridade administrativa, o elemento subjetivo da conduta pode presumir-se da descrição do elemento objetivo.

17ª Em suma, o acórdão disciplinar em apreciação contém evidenciada a culpa do então arguido, não existido qualquer falta de pronúncia quanto a este elemento.

18ª Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o acórdão disciplinar sub judice não padece do vício de falta de fundamentação quanto ao elemento subjetivo - a culpa, por conter todos os fundamentos necessários e não lhe ser imposta outra especificação à luz das normas disciplinares específicas que se lhe aplicam.

19ª Não estando, assim, o acórdão disciplinar ferido de nulidade, não se lhe aplicando as normas de direito penal indicadas na sentença.

20ª Não tendo a questão da nulidade, invocada peio A. na ação e prevista no n.º 2 do art.º 374.° e 410.° do Código de Processo Penal, por alegada falta de pronúncia no acórdão disciplinar quanto à culpa do mesmo, sido julgada corretamente pelo Tribunal a quo.

ii) Da Inverificacão do vício de falta de fundamentação no acórdão disciplinar, no que se refere a: - Determinação da medida da pena

21ª Mais incorreu em erro de julgamento o Tribunal a quo quanto à questão da falta de fundamentação da escolha da pena disciplinar e sua concreta medida - iter quantitativo, invocado pelo A. na ação com apelo ao disposto no art.º 71.° do Código Penal, e que determinou a declaração de nulidade igualmente com recurso a normas direito penal .

22ª Tanto o EOROC (artigo 81.°) como o RD (artigo 13.°) graduam da seguinte forma as penas disciplinares (da menos gravosa, para a mais gravosa): advertência, advertência registada; multa de € 1.000 a €10.000; censura; suspensão de 30 dias até cinco anos; expulsão.

23ª Nesta conformidade, a aplicação de uma pena de multa ao ora Recorrente, constitui das penas menos gravosas na escala do EOROC e do RD e, cumpre os princípios de proporcionalidade e justiça exigidos ao uso do poder discricionário da Recorrente.

24ª Tanto mais que, o n.º 5 do art.º 81.° prevê que a violação do n.º 4 do art.º 62.º (ambos do EOROC) tem que ser sancionado com pena não inferior à de multa - i.e. a multa para a violação deste preceito é a menor das sanções a aplicar.

25ª Sendo que, o ora Recorrido violou, para...

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