Acórdão nº 00477/14.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11-02-2022
Data de Julgamento | 11 Fevereiro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 00477/14.7BEAVR |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
RELATÓRIO
O., residente no Lugar (…), instaurou ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil contra o Município (...), com sede na Avenida (…), R., residente na Rua (…), C., residente na Rua (…), J., residente na Rua (…), e M., residente na Rua (…), pedindo, em síntese, a respetiva condenação no pagamento da quantia de € 38.446,95, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Para tanto, alegou que no dia 23.03.2012 ocorreu um acidente com um pau que suportava a tenda onde os 2º a 5ª Réus expunham os seus produtos na Feira quinzenal de (...), que se desprendeu, batendo na sua face, em resultado da deficiente colocação do mesmo por parte daqueles e da omissão de vigilância e fiscalização por parte do 1º Réu, do qual resultaram diversos danos de natureza patrimonial e não patrimonial. Subsidiariamente pediu a condenação do 1º Réu a título de indemnização pelo sacrifício.
Os 2º, 3º, 4º, e 5ª, Réus, contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção, alegaram a ilegitimidade do Réu R., porquanto, a tenda armada em causa nos autos pertence à sociedade E., Lda., da qual aquele é gerente e sócio minoritário, que foi quem contratualizou com o Município (...) a cedência do espaço na referida feira e é quem aí exerce a atividade de comércio. Por impugnação, sustentaram que a tenda foi montada em cumprimento de todas as regras e que a Autora não foi atingida pelo pau, não obstante as rajadas de vento que se fizeram sentir naquele dia.
O Município (...) contestou, sustentando, em síntese, que não é da sua responsabilidade garantir e fiscalizar as instalações e equipamentos utilizados pelos feirantes, por o Regulamento do Mercado Municipal de (...) não se aplicar à Feira Quinzenal, na qual ocorreu o acidente, mas sim o Regulamento da Feira Quinzenal de (...), sendo certo que se limita a ceder a utilização do espaço da feira, regulando as normas de acesso e funcionamento e cobrando a respetiva taxa, mas que, não obstante, fez deslocar ao recinto, naquele dia, duas fiscais municipais.
Por despacho de 6.05.2015 foram admitidas as intervenções da Companhia de Seguros (...), SA, a título acessório, e da sociedade E., Lda., a título principal.
A E., Lda. fez sua a contestação apresentada pelos 2º, 3º, 4º e 5ª Réus.
A interveniente G. Seguros, SA contestou, fazendo sua, em síntese, a alegação aduzida na contestação do 1º Réu, acrescentando que nenhuma responsabilidade poderá ser assacada à sua segurada e ainda que sendo causa do acidente a ocorrência de ventos fortes, tal configura uma exclusão contratual.
Por despacho de 2.10.2019, foi admitida a ampliação do pedido formulada pela Autora, em mais € 2.880,00, após correção do lapso de escrita.
Foi realizada a audiência prévia, e proferido despacho saneador, no qual foi o 2º Réu julgado parte legítima, e proferido despacho de fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada totalmente procedente a ação e condenados os réus, Município (...), R., C., J. e M., e a interveniente principal E., Lda., a, solidariamente, pagarem à Autora a quantia de € 41.326,95, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até ao pagamento.
Desta vêm interpostos recursos pelos Réus R., C., J. e esposa M., e pelo MUNICÍPIO.
Alegando, aqueles concluíram:
1. Os factos dados como provados nos pontos 7, 8 e 13 não têm a devida sustentação nos elementos de prova constantes do processo;
2. O facto constante do ponto 31 para além de não ter sustentação nos elementos de prova constantes do processo, fisicamente, é de impossível a sua verificação.
3. Os factos constantes dos pontos 7, 8 e 31 estão em contradição com os factos dados como provados nos pontos 19, 23, 25, 27, 29, 30.
4. Devem serem retirados do elenco dos factos provados os factos constantes dos pontos 7, 8, 13 e 31.
5. Os factos alegados nos artigos da 240 250 260 e 270 da contestação dos Recorrentes, porque com interesse para a decisão de mérito, devem ser integrados no elenco dos factos provados.
6. Na procedência do recurso quanto aos pontos 7, 8, 13 e 31, a condenação dos Recorrentes carece de fundamento de facto e de direito.
Sem prescindir;
7. Ocorrendo um dano causado por uma coisa móvel ou imóvel, não decorre automaticamente a responsabilidade da pessoa obrigada ao dever de vigilância.
8. A aplicação do disposto no artigo 4930 do C. Civil não prescinde da verificação de uma situação que traduza a violação de normas ou regras destinadas a tutelar direitos e interesses alheios, exigindo por isso de uma avaliação da contribuição da conduta do agente para a efectiva produção dos danos, ainda que o lesado beneficie de uma presunção de culpa que pende sobre obrigado aos deveres de vigilância.
9. O modo como foram montadas as suas tendas, devidamente comprovado no processo, não permite imputar aos Recorrentes a violação de qualquer norma ou regra técnica de segurança.
10. Assim, mesmo concedendo no acerto da sentença quanto à decisão da matéria de facto, a condenação dos Recorrentes carece do devido fundamento de direito.
11. Continuando a admitir que o objeto que feriu a Autora foi um dos paus utilizado na montagem das tendas, os factos provados apontam no sentido do afastamento da culpa dos Recorrentes.
12. Foi violado o disposto no artigo 607º no 4 do C.P.Civil e no artigo 493º no 1 do C.Civil.
TERMOS POR QUE, NA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO, DEVEM OS RECORRENTES SEREM ABSOLVIDOS, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.
O Réu Município concluiu assim:
A. O Tribunal a quo não andou bem, ao considerar provados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual de entidade pública e, consequentemente, ao condenar o Recorrente em indemnizar a Recorrida.
B. O Tribunal a quo considerou que o Recorrente tinha um dever de fiscalização da segurança na montagem das tendas dos feirantes.
C. Para fundamentar essa conclusão e decisão alegou que a feira é “promovida pelo município, realizada em propriedade municipal onde, mediante a contrapartida do pagamento das respectivas taxas, é concedido aos feirantes um espaço para aí desenvolverem a sua actividade de comércio”.
D. Isto decorre do facto que compete às câmaras municipais “os
deveres de criar, construir e gerir instalações e equipamentos integrados no património do município, nos termos dos art.ºs 23º, n.º 2, al. a), e 33.º, n.º 1, al. ee), da Lei n.º 75/2013, de 12.09 – Regime Jurídico das
Autarquias Locais.”
E. Destas considerações, o Tribunal a quo retira a obrigação sobre os municípios do “dever de zelar pela manutenção, em condições de segurança, dos recintos e equipamentos afetos ao património municipal onde promovam eventos abertos ao público em geral”.
F. Concretizando esse dever de gestão da Feira como deveres de
“manutenção, conservação, fiscalização e vigilância, de modo a zelar pela manutenção do recinto que salvaguarde e permita o acesso à população em condições de segurança”.
G. Para suporte deste entendimento, traz à liça a al. b) do n.º 1 do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 42/2008 de 10/03, retirando desta disposição a obrigação do Recorrente de determinar e verificar as regras necessárias à segurança de montagem das tendas.
H. E deste modo, também a obrigação do Recorrente de realizar
“uma vistoria a cada uma das tendas antes do início de cada feira, de modo a detetar alguma situação de risco mais evidente”.
I. Assim, considera que, não tendo feito essa vistoria das tendas de cada um dos feirantes, o Recorrente cometeu um acto ilícito por omissão.
J. Ora, o Recorrente não pode concordar com esta argumentação e aplicação das normas para determinação da ilicitude por omissão.
K. Em primeiro lugar, no que toca às referências ao Regime Jurídico das Autarquias Locais, estamos perante normas de determinação de gestão do seu equipamento.
L. Ora, sendo certo que o recinto da feira é de facto um equipamento municipal, não se pode retirar deste facto, a extensão da obrigação de gestão às tendas dos feirantes que são, de forma temporária e provisória, colocadas sobre esse seu equipamento municipal.
M. O mesmo há a dizer quanto à obrigação de manutenção, conservação e fiscalização do recinto, que não resulta desta Lei, a extensão para as tendas dos feirantes.
N. Quanto à referência à al. b) do n.º 1 do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 42/2008, de 10/03, não se entende como dele se possa retirar a obrigação dos Municípios estipularem as regras de segurança na montagem das tendas.
O. O artigo 21.º, referido pelo Tribunal a quo, rege o regulamento das feiras, determinando que este deve conter as condições de admissão dos feirantes, adjudicação do espaço, regras de funcionamento e normas de limpeza do espaço.
P. Não existe qualquer referência à forma como podem ser ou devem ser colocados e instalados os equipamentos de exposição dos produtos dos feirantes, da propriedade destes.
Q. Desta forma, não se vislumbra como pode ser atribuído ao Recorrente a obrigação de colocar regras regulamentares quanto à forma de montagem das tendas, com base neste Decreto-Lei.
R. Aliás, este Decreto-Lei n.º 42/2008, no seu artigo 25.º, atribui à ASAE a competência para a fiscalização da actividade económica dos feirantes, pelo que, a fiscalização das tendas, está na alçada desta entidade.
S. E a competência dos Municípios está estabelecida no art.º 22º que atribui somente a competência de controlo e verificação do espaço da feira, quanto à sua delimitação, acessos, organização, regras de funcionamento e infra-estruturas próprias desse equipamento público, que não inclui, claro está, as tendas da propriedade dos feirantes.
T. Deste modo, não se encontra fundamento legal para o Tribunal a quo entender ser dever do Recorrente “a imposição aos feirantes da...
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