Acórdão nº 00306/11.3BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 15-12-2022

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão00306/11.3BEMDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial prosseguida pelos herdeiros habilitados de AA NIF ... relativamente as liquidações oficiosas de IVA dos anos de 2006 a 2008, no montante total de € 53 430,57 €.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«(…)
CONCLUSÕES:
1. Por via da douta sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu anular as liquidações de IVA relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, por considerar que a AT não logrou demonstrar a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável;
2. A decisão de apurar indirectamente a matéria tributável do sujeito passivo assentou na constatação da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, ambos da LGT, tendo por base os fundamentos explanados nos itens 2 e 3 do ponto 2.1. do Capítulo II, no capítulo III e no Capítulo IV, todos do Relatório da Inspecção Tributária elaborado no âmbito de procedimento inspectivo realizado à contabilidade do Impugnante;
3. A razão da impossibilidade de determinação directa da matéria tributável estribou-se na existência de fluxos financeiros (depósitos em numerário, cheques e transferências), registados em contas bancárias tituladas pelo Impugnante, evidenciados nos elementos documentais remetidos aos serviços de inspecção por parte de diversas entidades bancárias, precedendo autorização expressa do sujeito passivo;
4. O Impugnante, pese embora instado para o efeito, não justificou a origem da totalidade dos movimentos financeiros, depositados ou transferidos para as contas bancárias abertas em seu nome, sendo certo que da sua contabilidade não constavam quaisquer elementos que permitissem identificar os factos tributáveis, ou não, relacionados com aqueles movimentos;
5. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (cf. n.º 1 do artigo 85.º da LGT), só podendo a administração tributária lançar mão da primeira quando se encontrem reunidos os pressupostos legalmente consagrados (cf. artigo 87.º da LGT);
6. Cabe à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da determinação da matéria colectável por recurso a métodos indirectos e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso da respectiva quantificação.
7. No caso em apreço, atentos os factos tributáveis relevados em prova documental, entende a Recorrente que ficou cabalmente demonstrada a impossibilidade de determinação da matéria colectável do Impugnante por avaliação directa;
8. Efectivamente, face à identificação, por parte dos serviços de inspecção, de uma miríade de movimentos financeiros, não correlacionáveis com quaisquer factos ou operações tributáveis, praticados no exercício da actividade desenvolvida pelo Impugnante, impunha-se que este justificasse, de forma cabal, a origem dos referidos fluxos; o que não foi feito.
9. Nem demonstrou qualquer excesso na quantificação da referida matéria;
10. Na douta sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo considerou, erroneamente, que a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável do Impugnante se tinha ficado a dever ao facto “do Impugnante não possuir pelo menos uma conta bancária, pela qual deveriam ser exclusivamente movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial, porque, precisamente, esta irregularidade não impediu o apuramento do rendimento real e efectivo do Impugnante”.
11. Abstendo-se de valorar a factualidade – constante dos itens 2 e 3 do ponto 2.1. do Capítulo II, Capítulo III e Capítulo IV, todos do RIT – que, efectivamente, esteve na origem da impossibilidade da avaliação directa e exacta da matéria colectável do Impugnante;
12. Isto é, o facto de a proveniência dos fluxos financeiros a crédito (depósitos em numerário, cheques e transferências), evidenciados nos extractos bancários, tenha permanecido sem qualquer justificação por parte do Impugnante.
13. O recurso à avaliação indirecta mostrou-se, assim, adequadamente fundamentado, de facto e de direito, considerando, nomeadamente: (i) a existência de depósitos e transferências bancárias em montantes reveladores de uma capacidade contributiva manifestamente superior à revelada na contabilidade; (ii) a falta de demonstração da origem e natureza da totalidade daqueles montantes e (iii) o facto de a contabilidade do sujeito passivo não reflectir a totalidade das operações realizadas pelo mesmo;
14. Teve o Impugnante, quer no âmbito do procedimento inspectivo, quer em sede do procedimento de revisão da matéria colectável, oportunidade para colmatar, com prova objectiva e não por meras alegações, as insuficiências de que enfermava a sua contabilidade as quais determinaram, como supra exposto, a imperiosa necessidade de recurso à avaliação indirecta da matéria colectável;
15. A decisão de recorrer à avaliação indirecta da matéria colectável do Impugnante observou, pois, integralmente os comandos legais vertidos nas disposições conjugadas dos artigos 74.º n.º 3, 77.º n.º 4, 85.º, 87.º, alínea b) e 88.º, n.º 1 alínea a), todos da Lei Geral Tributária, mostrando-se por isso adequadamente fundamentada;
16. Pelo que a douta sentença que declarou anuladas as liquidações impugnadas por considerar verificada a existência de um inexistente deficit quanto à demonstração dos pressupostos da avaliação indirecta violou as supra-referidas disposições legais (vide conclusão 15), não podendo os seus efeitos manterem-se na ordem jurídica;
17. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, e a substituição por outra que, reafirmando a legalidade das liquidações impugnadas, venha a julgar a presente impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo a já acostumada e sã Justiça.»

Notificada, a Recorrida contra-alegou em termos redutíveis à seguinte transcrição:
«(…)
CONCLUSÕES:
1 - Veio a Fazenda Pública apresentar recurso jurisdicional da Douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, notificada a 08 de Maio de 2018, que julgou procedente a impugnação apresentada pelos Recorridos, e decidiu anular as liquidações de IVA, relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos da avaliação indirecta da matéria colectável.
2 - A Recorrente assenta o seu recurso, alegando que a decisão dos serviços de inspecção tributária de recorrerem à avaliação indirecta resultou, na verdade, da constatação da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 87.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), tendo por base os fundamentos explanados no Capítulo IV e itens 2 e 3 do ponto 2.1. do Capítulo II e Capítulo III, todos do RIT.
3 - O recurso apresentado pela Recorrente não pode proceder, porquanto a impugnação dos Recorridos demonstrou, indubitavelmente, que o recurso à avaliação indirecta se mostrou injustificado, pois teria sido possível à Autoridade Tributária apurar a matéria colectável dos Recorridos através da sua quantificação directa.
4 - Não assiste razão à Recorrente pois atentos os fundamentos alegados e os factos apurados nos autos, esta não logrou provar, como lhe competia, que o recurso aos métodos indirectos se considerava justificado.
5 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
6 - Tal impossibilidade poderá resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou por erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, desde que essas anomalias ou incorrecções inviabilizem o apuramento da matéria tributável por comprovação e quantificação directa, conforme resulta dos artigos 87.º, al. b) e 88.º al. a) da LGT.
7 - Só constituem impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, quando inviabilizem
o apuramento da matéria tributável.
8 - Incumbe à Recorrente demonstrar, fundamentadamente, que a contabilidade do contribuinte, in casu, dos Recorridos, não merece confiança, para que lhe seja possível recorrer a métodos indirectos de determinação da matéria tributável.
9 - O apuramento da matéria tributável através daqueles métodos visa, tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo, e a sua determinação deve basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo da Recorrente os verificar e recolher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade.
10 - A Recorrente não logrou concretizar tal demonstração, como lhe competida.
11 - O preenchimento dos pressupostos legais prevê que a Recorrente se depare perante factos concretos, que preencham a previsão abstracta legalmente estatuída.
12 - Compulsados os autos verifica-se que, a Recorrente se limitou a remeter para os artigos 87º a 89º da LGT, argumentando unicamente que a contabilidade não reflecte a realidade tributária, nem possibilita o apuramento da mesma através da quantificação directa.
13 - Da leitura conjugada dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT resulta, inequivocamente, que os...

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