Acórdão nº 00294/17.2BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 21-03-2024

Judgment Date21 March 2024
Acordao Number00294/17.2BEPNF
Year2024
CourtTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13.06.2023, que julgando improcedente a impugnação judicial por si intentada contra as liquidações de IVA e, respectivas, liquidações de juros compensatórios, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A. O presente recurso tem como objecto a impugnação da matéria de facto e de Direito.
B. A sentença recorrida padece de nulidade insanável por força da violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.
C. A inquirição de testemunhas do dia 02/10/2019, pelas 10 horas (fls. 272-274 SITAF) foi presidida por juiz diferente daquele que proferiu sentença.
D. O juiz da audiência deveria ser o mesmo que proferiu a sentença recorrida, de acordo com os artigos 605.º CPC e 114.º do CPPT, salvo raras excepções, mas nenhuma delas aplicável aos presentes autos.
E. O juiz que julgou a matéria de facto não foi o mesmo que presidiu e interveio na produção da prova testemunhal, mas ainda assim conseguiu considerar determinado depoimento como “não isento e descomprometido, antes pelo contrário”, “um depoimento claramente comprometido com a versão dos factos apresentada pela impugnante na petição inicial, prestado por alguém com evidente interesse no desfecho da causa e que não foi corroborado por mais ninguém”.
F. “O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art.605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e fixa” – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acórdão processo n.º 2723/04.6TBBRR.L1.S1., datado de 08/03/2018, disponível em www.dgsi.pt
G. A sentença recorrida é nula por violação dos artigos 605.º e 114.º do CPPT, devendo a mesma ser declarada.
Da matéria de facto
H. A sentença recorrida errou ao considerar provados as alíneas D) e E) da matéria de facto provada, na sua concreta redacção, bem assim como não provados os pontos 1 a 4 da matéria de facto não provada.
I. A testemunha «AA», em depoimento gravado em audiência do dia 02/10/2019, pelas 10 horas, contido no ficheiro disponível no SITAF, minuto 0:00 ao minuto 20:17, concretamente aos minutos 02:00 a 04:00, 05:25 a 08:00 e 11:50 a 14:10, referiu ter sido ele a negociar as cessões de posição contratual, bem como nunca ter sido definido nem fixado qualquer valor a pagar à Impugnante pelas cessionárias, por força daqueles negócios e que os mesmos tiveram tão-só o objectivo de reduzir os encargos da empresa mantendo a sua viabilidade e solvência.
J. O depoimento da testemunha «AA» conciliado com os documentos dos autos, concretamente os docs. 8, 9 e 10 juntos com a P.I. demonstram que as cessões de posição contratual operadas pela Impugnante não envolveram o pagamento de qualquer preço.
K. Não foram pagos quaisquer valores à Impugnante/Recorrente por parte das cessionárias porque aqueles não eram devidos e, por isso, celebraram os aditamentos dos docs. 9 e 10 juntos com a P.I.
L. O não pagamento e a não estipulação de preço constituem factos negativos, que face à dificuldade da sua prova deve-se “admitir uma menor exigência relativamente à sua demonstração”. – Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 380/13.8BELLE, de 14/01/2021, disponível para consulta em www.dgsi.pt
M. Veja-se ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 11/04/2019, processo n.º 9477/16.1BCLSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde ficou sumariado, para o que aqui interessa, o seguinte:
“II. Fundando a Administração Tributária a correção no teor de contrato assinado entre o sujeito passivo e uma sociedade e na declaração de retenções (não pagas) dessa mesma sociedade, cabe ao sujeito o ónus da prova de que o rendimento não lhe foi pago ou colocado à disposição.
III. A apreciação da prova de um facto negativo, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito.
IV. Demonstrado que o valor declarado como tendo sido pago em 1990 respeita a cheque emitido em 1991 que nunca foi movimentado nas contas bancárias do sujeito passivo, está provado facto suscetível de gerar fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, com a consequente anulação do ato impugnado.”
N. A prova produzida (testemunhal e documental suprareferida) devidamente conjugada, deve determinar que os factos não provados 1 a 4 da sentença recorrida passem a integrar a matéria de facto provada e as alíneas D) e E) da matéria de facto provada deve passar a ter a seguinte redacção:
“D) Em 20-08-2013 foi celebrado, entre a impugnante, a “[SCom02...], LDA.” (doravante apenas “[SCom02...]”) e o “Banco 1..., S.A.”, um contrato de cessão parcial de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, através do qual a impugnante cedeu à “[SCom02...]”, a título gratuito, a sua posição no contrato referido na alínea B), quanto à fracção “L”;
E) Em 24-10-2013 foi celebrado, entre a impugnante, a “[SCom03...], LDA.” (doravante apenas “[SCom03...]”) e o “Banco 1..., S.A.”, um contrato de cessão de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, através do qual a impugnante cedeu à “[SCom03...]”, a título gratuito, a sua posição no contrato referido na alínea B);”
O. Tendo as cessões de posição contratual sido realizadas a título gratuito, não estavam sujeitas a IVA de acordo com os artigos 4.º, n.º 1 e 16º, n.º 1 do CIVA.
P. Mesmo que se entendesse que as operações em causa estavam sujeitas a IVA, sempre resultaria numa liquidação de imposto de zero euros.
Q. Tenha-se em atenção o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 12/09/2018, processo n.º 0570/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt e onde ficou sumariado que:
“I - Nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1, do CIVA, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro» (redacção aplicável).
II - Na cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira, o valor tributável para efeitos de IVA é, em princípio, o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, é o preço estipulado para a cessão e que a cessionária terá de pagar à cedente.”
R. Não se pode considerar ainda que as operações de cessão apesar de gratuitas estariam sujeitas a IVA de acordo com o artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do CIVA, uma vez que não se destinava a fins alheios à empresa.
S. A celebração de negócios indispensáveis e necessários à actividade e subsistência da empresa não podem ser considerados como tendo fins alheios à mesma, sendo jurisprudência do TJUE que “não se considera serem “fins alheios à empresa", o caso de serviços prestados de forma gratuita que visam satisfazer ou dar resposta a necessidades diretas da empresa, ainda que tais serviços possam, de forma acessória trazer algum benefício pessoal aos trabalhadores da empresa ou a terceiros”.
T. O Tribunal a quo fez errada interpretação das normas contidas nos artigos 4.º, n.º 1 e 2, alínea b) e 16.º, n.º 1 do CIVA, pelo que a impugnação deveria ser julgada totalmente procedente, por provada, anulando as liquidações de IVA.
U. Ao longo do processo de fiscalização da Impugnante foi violado o seu direito de audição e o princípio da cooperação, cujo cumprimento não se limita ao mero cumprimento de uma formalidade pela AT.
V. A fundamentação do RIT (transcrito parcialmente no ponto G) da matéria de facto provada) demonstra que a AT não atendeu à defesa apresentada e aos elementos levados aos autos pela Impugnante, ainda mais quando a isso estava obrigada nos termos do artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.
W. A audiência prévia tem carácter obrigatório e essencial pelo que, a sua falta, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que nele vier a ser tomada (cfr.artº.163 do CPA).
X. “O principio do aproveitamento não atua em sede direito de audição do potencial revertido, face aos elementos que, mesmo comprovadamente, lhe sejam dados a conhecer no âmbito da citação deste na execução fiscal, já que a participação do interessado, enquanto potencial revertido, na fase anterior à reversão, é susceptível de contribuir para a alteração do projeto de decisão, através da junção de elementos de prova e/ou requerendo a produção de diligências instrutórias” – Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 22-05-2019, processo n.º 1393/11.0BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt .
Y. A não atendibilidade da audição prévia, apesar da Impugnante ter sido notificada para o efeito, equivale à ausência da mesma, devendo ser declarado nulo o procedimento de inspecção, por violação do direito de audição, bem como do princípio da cooperação, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 60.º da LGT e artº.163 do CPA.
Z. A sentença recorrida, padece de erro de julgamento, bem como violou por erro de interpretação, os artigos 605.º do CPC e 114.º do CPPT, 4.º, n.º 1 e 2 e 16º, n.º 1 CIVA e ainda 60.º LGT e 163.º CPA.
TERMOS EM QUE, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída...

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