Acórdão nº 00258/22.4BEBRG-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 05-04-2024

Data de Julgamento05 Abril 2024
Número Acordão00258/22.4BEBRG-S1
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...], S.A., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Réu o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho do T.A.F. do Porto, datado de 10.1.2023, que indeferiu o pedido de desentranhamento do requerimento apresentado pelo Réu em 27.06.2023.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

A) A ora Recorrente intentou no TAF Braga uma ação administrativa contra o ora Recorrido, tendo este sido citado por ofício datado de 02.02.2022, não tendo apresentado contestação.

B) Por ofício datado de 11.03.2023 os autos foram remetidos aos TAF Porto, distribuídos ao juízo de contratos públicos e onde veio o Recorrido requerer que fosse ordenada a sua citação para contestar a ação.

C) Todavia, entendeu o tribunal a quo - e bem - que o direito do Recorrido a apresentar a sua contestação encontrava-se já precludido, nos termos e com os fundamentos do seu despacho datado de 07.10.2020.

D) Entretanto, o tribunal a quo convidou a Recorrente, por despacho datado de 31.05.2023, a aperfeiçoar em termos temporais eventos que condicionaram a execução dos trabalhos, bem como juntar documentação, que a Recorrente respondeu por requerimento datado de 06.06.2023.

E) Acontece que, a pronúncia do Recorrido ao referido Requerimento da Recorrente, datada de 27.07.2023, vai muito para além de uma mera resposta, consubstanciando uma verdadeira contestação.

F) A pronúncia do Recorrido apresenta um rol de testemunhas, junta documentos, requerer a gravação da prova e outros meios de prova, e sem pudores responde e tenta contraditar a Petição Inicial da Recorrente, como se constata, a título de exemplo pelo seu art.2° que se inicia por “Ora, analisando a PI...”, o art.3° refere “Mas que consta da PI...”, e no art.5° afirma-se que “ Os eventos alegados no artigo 19° da PI são isso mesmo, puras conclusões” etc.

G) Com efeito, não pôde a Recorrente senão apresentar um requerimento, datado de 06.07.2023, requerendo que fosse ordenado o desentranhamento do articulado do ora Recorrido, datado de 27.06.2023, e que fossem considerados confessados os factos alegados pela ora Recorrente na sua petição inicial, condenando-se o ora Recorrido, por conseguinte, no pedido formulado.

H) O Tribunal a quo, no despacho recorrido, datado de 10.10.2023, veio indeferir o pedido de desentranhamento do requerimento apresentado pelo Recorrido em 27.06.2023.

I) O que, com o devido respeito, não se pode aceitar, uma vez que a consequência do não cumprimento do ónus de contestação, como ensina Mário Aroso de Almeida, “é, portanto, a de que, em processo administrativo, a falta de contestação tem como efeito a revelia do demandado, com a consequência de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor ( n.° 1 do art.567°do CPC)”

J) A falta de contestação por parte do Recorrido importou, assim, a confissão dos factos alegados pelo Recorrente na petição inicial, não lhe sendo agora permitido proceder à impugnação desses factos.

K) E também nesse sentido afirma o n. “5 do art.83° do CPTA prevê que, depois da contestação, só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

L) Mais, quer o previsto no n. °4 do artigo 83° do CPTA, quer a exceção que a primeira parte do artigo contempla, não são aqui aplicáveis, como, aliás, refere Mário Aroso de Almeida:

«O n. °4 expressamente afasta, ao excluir que a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas importe a confissão dos factos articulados pelo autor. Não afasta o ónus de contestar, mas o ónus de impugnação especificada. Neste sentido é referido na exposição de motivos do Decreto-Lei n. °24-G/2012que o artigo 83°, n. °4, preserva “a solução tradicional da não imposição da impugnação especificada, mas impõe o ónus de contestar”.»6

M) Ora, este não é, com certeza, o caso dos factos alegados pelo Recorrido no requerimento que apresenta, uma vez que se debruça e impugna factos há muito ocorridos, sobre os quais se deveria ter pronunciado na contestação.

N) E quanto à expressa inadmissibilidade da apresentação de testemunhas, à junção de documentos e ao requerimento de outros meios de prova, a jurisprudência é clara:

«“Uma coisa é entender que as impugnações de factos pelos corréus entretanto absolvidos da instância, poderão ser aproveitadas pelo Réu não Contestante e outra, bem diferente, é assegurar-lhe a possibilidade de em momento ulterior vir apresentar meios de prova, à revelia da letra da lei, sem que tenha contestado a Ação.

(...)

Por outro lado, mas no mesmo sentido, refere Isabel Alexandre (in Aspetos do Novo Processo Civil, 1997, pág. 285), que “o disposto no n.°2 do artigo 598.°do CPC só pode ser usado desde que já se tenha apresentado rol de testemunhas anteriormente, pois o normativo fala em alterar ou aditar, o que pressupõe a sua anterior apresentação."»

O) É inaceitável, e constituiu um desrespeito pelo Tribunal a quo e pelas suas anteriores decisões neste processo vir o Recorrido “aproveitar-se” do requerimento apresentado pela Recorrente, em cumprimento de um pedido do Tribunal a quo, para deduzir uma verdadeira contestação-defesa, constituindo uma tentativa “fazer entrar pela janela o que expressamente lhe foi vedado fazer entrar pela porta".

P) Tudo visto e ponderado, é evidente que o dito articulado excede amplamente o âmbito de pronúncia ao qual tinha direito, sendo vedada ao Recorrido a apresentação do dito articulado com o teor como o apresentado.

Q) Em suma, deve considerar-se que o dito articulado constitui um ato que, em vista da lei, é inadmissível e que interfere com a tramitação do processo e com os efeitos legalmente previstos, importando pois, declarar o seu desentranhamento ou, se assim não se entender, a respetiva nulidade parcial, nos termos dos n.° 1 e 3 do art.195” do Código de Processo Civil. (…)”.


*
3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…)

1. A Recorrente interpôs o presente recurso tendo por objeto o douto despacho proferido, pelo Tribunal a quo, a 10 de outubro de 2023, que indeferiu o pedido de desentranhamento do requerimento apresentado pelo Recorrido a 27 de junho de 2023.

2. O articulado em causa refere-se à pronúncia do Recorrido, na sequência da resposta dada pela Recorrente ao despacho/convite ao aperfeiçoamento proferido pelo Tribunal a quo em 31 de maio de 2023.

3. Com efeito, através de despacho datado de 31 de maio de 2023, veio o douto Tribunal a quo convidar a Recorrente a “concretizar em termos temporais os mencionados eventos que terão condicionado a execução dos trabalhos e bem assim como juntar a documentação supramencionada.”

4. Em resposta ao referido despacho, veio a Recorrente pronunciar-se através de requerimento datado de 15 de junho de 2023, concretizando os factos alegados na petição inicial.

5. Em consequência, veio o Recorrido, ao abrigo do contraditório pronunciar-se sobre o requerimento apresentado pela Recorrente.

6. Na sequência da pronúncia do Recorrido, veio a Recorrente peticionar o desentranhamento daquele articulado e, ainda, que se considerassem confessados os factos alegados na petição inicial.

7. Por despacho datado de 10 de outubro de 2023, o douto Tribunal a quo indeferiu o desentranhamento do requerimento apresentado pelo Réu.

8. É deste despacho que a Recorrente interpõe o presente recurso.

9. Não lhe assiste, porém, qualquer razão.

10. O Recorrido limitou-se a exercer o contraditório apenas e tão somente quanto à parte aperfeiçoada pela Recorrente, sendo, como é lógico, inevitável que na sua pronúncia interligasse as suas alegações com os articulados inicialmente apresentados.

11. O disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 87.° do CPTA aplica-se independentemente de o Réu ter ou não contestado a petição inicial pois, em momento algum, se menciona que o exercício do contraditório referente a tais factos se encontra dependente da apresentação de contestação.

12. O facto de o Recorrido não ter contestado a petição inicial, não o impedia de exercer o contraditório sobre a matéria objeto de esclarecimento, aditamento ou correção, como se verificou in casu.

13. Constituindo a versão fáctica da Recorrente um todo, determinado pela conjugação das duas peças por si apresentadas - a petição inicial e o requerimento subsequente ao despacho de 31 de maio de 2023 - resulta inevitável que o Recorrido faça menção ao primeiro articulado em sede de resposta à última peça apresentada, em virtude de esta última se tratar de uma concretização da primeira.

14. O n.° 5 do artigo 83.° do CPTA menciona não só “as exceções” mas também os “meios de defesa”, resultando claro que o Réu revel, in casu, o Recorrido, podia apresentar articulado superveniente nos termos efetuados.

15. De salientar igualmente que o requerimento da Recorrente elenca factos que não constam de modo algum da PI e, como tal, não podem deixar de escapar ao efeito de preclusão da falta de contestação inicial, abrindo à Recorrida o direito ao contraditório.

16. Pelo exposto, é manifesto que o despacho proferido pelo Tribunal a quo não merece censura, devendo o presente recurso ser julgado improcedente.

17. Entende ainda a Recorrente que não tendo o Recorrido contestado a ação, não podia, em momento ulterior, vir apresentar meios de prova.

18. Não pode também este argumento proceder.

19. Se à Recorrente foi dada a possibilidade de concretizar os factos alegados na petição inicial e, bem assim, juntar documentação comprovativa dos factos alegados naquele...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT