Acórdão nº 00096/15.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28-06-2018

Data de Julgamento28 Junho 2018
Número Acordão00096/15.0BEPRT
Ano2018
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
MLCPS, residente na Rua C…., 4450-031 Matosinhos, propôs acção administrativa especial contra o Estado Português e contra o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, com sede na Praça do Comércio, 1149-010 Lisboa, pedindo que sejam declarados nulosos atos exarados nos documentos designados por Doc. 1, Doc. 2 e Doc. 3, caso se entenda que a ‘decisão final’ referida no ato exarado no documento designado por Doc. 2 não corresponde ao ato administrativo exarado no documento designado por Doc. 3 deve declarar-se inexistente tal ato e, subsidiariamente, deve revogar-se o ato notificado à Autora por ofício remetido a 29 de setembro de 2014 – exarado no documento designado por Doc. 1 – por estar ferido do vício de violação de lei”.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido dos pedidos o 2º Réu.
Relativamente ao co-Réu Estado, em sede de despacho saneador, foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade e, em consequência, foi o mesmo absolvido da instância; na mesma sede foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de acção relativamente aos pedidos de impugnação dos actos de 28/04/2014 (Doc. 3 junto com a petição inicial) e de 27/05/2014 (Doc. 2 junto a fls. 113-118 do suporte físico) e absolvido da instância o Réu Ministério.
Da sentença vem interposto recurso.
*
Alegando, a Autora formulou estas conclusões:
1. O Tribunal Central Administrativo Sul proferiu acórdão referente ao processo n° 9849/13, 13 Secção, transitou em julgado no dia 2-6-2014 (i.e. posteriormente aos actos exarados nos documentos designados por DOC. 3 e por DOC. 2 juntos com a Petição Inicial)
2. Com a prolação deste acórdão o IPTM e consequentemente a DGRM, que lhe sucedeu, foi proibida de ordenar a reposição de quantias remuneratórias antes pagas aos autores nesse processo.
3. Ficou assim a DGRM proibida de exigir a reposição de vencimentos recebidos anteriormente, não só aos 27 trabalhadores que interpuseram a acção judicial, mas está também, impedida de o fazer relativamente a outros trabalhadores em situação igual, pois caso contrário, estaria a praticar uma discriminação intolerável e uma violação flagrante do princípio da igualdade (cfr. artigo 13° da CRP).
4. Tanto no caso decidido no referido acórdão do TCA Sul como no presente a decisão da Administração Pública de exigir a reposição de verbas remuneratórias por parte dos Autores e da aqui Recorrente resultou de o decisor ter mudado o seu entendimento jurídico sobre o concreto direito dos Autores e da aqui Recorrente àquelas verbas/subsídios/compensações.
5. Em 03/01/2007 a Recorrente passou a exercer funções no âmbito da Coordenação da Área Inspetiva dos Açores, auferindo como contrapartida o vencimento base, os subsídios e as ajudas de custo inerentes àquelas funções (alínea 3) dos factos provados).
6. Esta alteração de funções e de local de prestação do trabalho, a que a Recorrente não estava legalmente obrigada, só foi aceite mediante as contrapartidas supra referidas.
7. Só em Janeiro de 2014 a Recorrente regressou ao Continente para exercer as funções de Chefe de Divisão de Certificação de Navios em Lisboa, estando até então a exercer as funções de Coordenação da Área Inspectiva do Açores.
8. Desde o seu regresso ao Continente a Recorrente deixou de auferir o vencimento base, os subsídios e as ajudas de custo inerentes à Coordenação da Área Inspetiva dos Açores.
9. Por despacho proferido, em 08/09/2014, pelo Diretor-Geral da DGRM, foi determinada a reposição de valores recebidos pela Recorrente, no valor total de € 7.948,35, correspondentes aos montantes referentes ao acréscimo entre o que auferiria se desempenhasse as funções de inspectora de navios e o que auferiu enquanto desempenhou e por desempenhar as funções na Coordenação da Área Inspectiva dos Açores.
10. O Director-Geral da DGRM - DIRECÇÃO GERAL DE RECURSOS NATURAIS, SEGURANÇA E SERVIÇOS MARÍTIMOS e signatário dos documentos onde foram exarados os actos administrativos em crise, Armando Miguel Perez de Jesus Sequeira, foi entre 2009 e 2011 Presidente do Conselho Directivo do IPTM-Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, LP.
11. Isto é, foi a mesma pessoa que propôs e consumou a alteração de funções e de local de prestação do trabalho da Recorrente com as quais esta concordou mediante as contrapartidas de recebimento do vencimento base, os subsídios e as ajudas de custo inerentes àquelas funções.
12. Ao ordenar a reposição dos acréscimos de remuneração inerentes às funções que efectivamente desempenhou de Coordenação da Área Inspectiva do Açores, correspondentes aos meses em que efectivamente desempenhou essas funções, resulta assim evidente que o que foi o entendimento legal do órgão, e da própria pessoa, modificou-se pelo que estamos, salvo melhor opinião, perante uma mudança de entendimento do (mesmo) decisor
13. Ante a factualidade acima exposta, conclui-se que a exigência de reposição das verbas remuneratórias por parte da Recorrente se ficou a dever a uma "alteração do entendimento do Estado sobre se o abono pago era ou não devido, tendo o mesmo sido pago pelo Estado na convicção então havida da sua correcção legal', situação directamente tratada no acórdão em causa.
14. Em conformidade, deveria o tribunal recorrido ter considerado que a DGRM também está proibida de exigir a reposição de vencimentos recebidos anteriormente a outros trabalhadores em situação igual, como a própria Recorrente, sob pena de estar a praticar uma discriminação intolerável e uma violação flagrante do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP.
15. Ordenar à Recorrente a reposição dos montantes referentes ao acréscimo entre o que auferiria se desempenhasse as funções de inspectora de navios e o que auferiu por desempenhar as funções na Coordenação da Área Inspectiva dos Açores representa que a Recorrente desempenharia as funções de Coordenação da Área Inspectiva dos Açores auferindo, contra a sua vontade, valor inferior ao devido pelo exercício dessas funções.
16. Deste modo, a consumação da reposição, por parte da Recorrente, dos montantes referentes ao acréscimo entre o que auferiria se desempenhasse as funções de inspectora de navios e o que auferiu por desempenhar as funções na Coordenação da Área Inspectiva dos Açores, salvo melhor opinião, viola o «princípio de que para trabalho igual salário igual» consagrado na CRP.
17. A Recorrente nunca pretendeu, nem pretende, a manutenção da remuneração correspondente às funções no âmbito da Coordenação da Área Inspectiva dos Açores, após ter cessado o exercício dessas funções.
18. O que a Recorrente legitimamente pretende é que o diferencial dos montantes referentes ao acréscimo entre o que auferiria se desempenhasse as funções de inspectora de navios e o que auferiu por desempenhar efectivamente as funções na Coordenação da Área Inspectiva dos Açores não lhe seja retirado.
19. A novel conclusão, que resulta numa exigência de reposição dos valores montantes referentes ao acréscimo entre o que auferiria se desempenhasse as funções de inspectora de navios e o que auferiu por desempenhar as funções na Coordenação da Área Inspectiva dos Açores, constitui uma efectiva mudança de entendimento jurídico, do decisor, sobre o concreto direito da Requerente aos valores cuja reposição agora vem exigir.
20. Ainda que não fosse uma mudança de entendimento mas um erro por parte da administração pública, citando o supra referido acórdão do TCA Sul, «com motivo em erro de direito do Estado pagador ora réu (caso em que prevalece o art. 140º do CPA sobre os arts. 36º ss do DL 155/92), o réu» – leia-se o decisor – «não pode revogar os actos (administrativos) anteriores de processamento de vencimentos, ordenando a reposição das quantias antes pagas aos AA, » – leia-se a Recorrente – « que as receberam de boa-fé. A não ser, claro, que fossem actos nulos (cf. art. 133º do CPA) e sem prejuízo, note-se, do nº 3 do art. 134º do CPA.».
21. Revisitando os termos do disposto no nº 3 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo lemos que a nulidade dos actos – neste caso a nulidade que o decisor invoca para os actos que ele próprio praticou – «não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.»
22. Pelo exposto, entende a Recorrente que resulta claramente que o acto em crise viola o princípio da confiança.
23. No caso presente a Recorrente desempenhou efectivamente as funções de Coordenação da Área Inspectiva do Açores a que correspondia a retribuição que auferiu.
24. Ao ordenar a reposição dos montantes referentes ao acréscimo entre o que auferiria se desempenhasse as funções de Inspectora de Navios e o que auferiu por desemprenhar as funções de Coordenação da Área Inspectiva do Açores há inequivocamente um enriquecimento indevido do Estado à custa do trabalhador, o que repugna ao bom senso comum e aos princípios gerais que enformam o sistema jurídico-constitucional
25. Estamos assim, salvo melhor opinião, perante um caso típico em que o decisor viola flagrantemente o princípio da justiça subjacente ao princípio Constitucional em questão.
26. A Recorrente pretende, que o acréscimo de remuneração inerente às funções que efectivamente desempenhou de Coordenação da Área Inspectiva do Açores em relação ao que auferiria se desempenhasse as funções de inspectora de navios, respeitante exclusivamente ao período em que efectivamente desempenhou as funções na Coordenação da Área Inspectiva dos Açores não lhe seja retirado, através do acto em crise que ordena a reposição desse acréscimo.
27. Ora, a...

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