Acórdão nº 00034/16.3BEBRG-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 13-11-2020

Data de Julgamento13 Novembro 2020
Número Acordão00034/16.3BEBRG-S1
Ano2020
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

M., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do douto despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datado de 02 de dezembro de 2019, pelo qual foi indeferido um meio de prova que a mesma havia requerido nos autos, mais concretamente, a comparência em Audiência final, na qualidade de perito, do relator de parecer do Conselho Médico-Legal, órgão do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP.

No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 26 e seguintes dos autos – SITAF], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

- CONCLUSÕES -
1. Com o recurso interposto pretendem a Recorrente ver revogado o despacho datado de 2/12/2019 proferido pelo Mma juiz do Tribunal a quo, que indeferiu um meio de prova por aquela requerido a fls 567 destes autos, mais concretamente, a comparência do relator de parecer do Conselho Médico Legal como perito em audiência de julgamento
2. Com efeito, ao contrário do Tribunal a quo, a Recorrente entende que o parecer do Conselho Médico-legal não corresponde a uma prova por “parecer” (artigo 426º do CPC), mas outrossim a “prova pericial” (artigo 467 e seguintes do CPC), o que estriba quer na legislação em vigor, quer na jurisprudência que é absolutamente unânime a este respeito.
3. Conforme refere o artigo 1º do D.L. nº 166/2012, de 31/7, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P. (ora em diante INML) é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e prossegue atribuições do Ministério da Justiça, sendo que e um dos seus órgãos é, precisamente, o conselho médico-legal – art. 4º.
4. Por conseguinte, os peritos do INML não intervêm nos processos a título particular, no sentido de terem sido indicados por uma das partes, mas enquanto entidades ao serviço da justiça, ou seja, de interesse público, emitindo pareceres imparciais e independentes a nível técnico-científico, entendidos por isso, como perícias.
5. Com efeito, os técnicos do INML gozam de autonomia técnicocientífica, de isenção e imparcialidade, designadamente, no que respeita à sua designação, atuando assim como peritos.
6. De facto, o INML tem por missão assegurar a formação e coordenação científicas da actividade no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses, superintendendo e orientando a actividade dos seus serviços médico-legais e dos peritos contratados para o exercício de funções periciais.
7. O Instituto Nacional de Medicina Legal é, pois, a Instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias e judiciais no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos.
8. Neste contexto, fácil está de ver que sendo o Conselho Médico-Legal, órgão superior e colegial do INML, não subsistem dúvidas que os seus pareceres sobre questões técnicas e científicas no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses são puras peritagens, seguras e confiáveis, e não mera “opiniões” apresentadas em pareceres, a “pedido” das partes.
9. Tanto mais que, in casu, tal parecer não foi apenas requerido pela Autora, tendo sido o próprio Gabinete Médico-legal na perícia médico-legal realizada ao menor M., que em resposta aos quesitos formulados quanto ao cumprimento das legis artis nos atos médicos, referiu o seguinte “quesito a remeter ao Conselho Médico-Legal”.
10. Pois que, atentas as distribuições de competências entre os órgãos do INML, as referentes à análise do cumprimento das legis artis nos actos médicos foram atribuídas o Conselho Médico-Legal.
11. O que aliás é reconhecido de forma unânime pela jurisprudência, nomeadamente, no Ac. do TRC no processo nº 191/07.0TAACB.B1, e no Ac. do TRG no processo nº 629/10.9TAVRL.G2, ambos publicados in www.dgsi.pt.
12. Neste contexto, na nossa modesta opinião não pode o Tribunal a quo entender que o parecer do Conselho Médico-Legal não é prova pericial e consequentemente indeferir o pedido comparência do relator do parecer do Conselho Médico-Legal como perito, com o fundamento que o mesmo não age nessa qualidade.
13. Na verdade, o facto de a perícia do Conselho Médico-Legal se intitular como “parecer” a verdade é que tal nomenclatura apenas é adotada para conformar com a formulação acolhida no artigo 163º nº 2 (correspondente ao antigo parágrafo 3 do artigo 200º) do Código de Processo Penal., como resulta do Ac. do STJ no processo nº 041147 publicado in www.dgsi.pt.
14. Não sendo por isso, por acaso, que apesar de o mesmo se chamar parecer, se intitula como relatório pericial/médico.
15. Face ao exposto, a douta decisão recorrida viola, por erro de interpretação e de aplicação, o preceituado no artigo 467 e ss do Código de Processo Civil e o artigo 1º, 3º, 4º e 7º D.L. nº 166/2012, de 31/7.
NESTES TERMOS
e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se o douto despacho datado de 02/12/2019 proferido pela Mma juiz do tribunal a quo na parte em que indeferiu a comparência do relator do parecer do Conselho Médico-Legal como perito em audiência de julgamento, substituindo-o por um outro que admita tal diligência probatória.
[…]”

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A Recorrida não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente].

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se com a prolação do despacho recorrido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em torno da interpretação e aplicação do disposto no artigo 467.º e seguintes do CPC, e dos artigos 1.º, 3.º, 4.º, e 7.º, todos do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31 de julho, e mais concretamente, se o autor/subscritor de um parecer que foi votado no seio do Conselho Médico-legal [um dos 4 órgãos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP, doravante INMLCF], pode ser ouvido em Audiência final, em sede de pedido de prestação de esclarecimentos.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Para conhecimento do mérito do recurso, cumpre fixar a factualidade que segue:

1 – A Autora, ora Recorrente, foi notificada pelo Tribunal recorrido, com remessa de cópia, do documento subscrito pelo Professor Doutor J., datado de 23 de outubro de 2019, que se reporta a quesitos não respondidos em sede da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, realizada em 15 de maio de 2019 no Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, no âmbito do processo a que se reportam estes autos – Cfr. fls. dos autos – SITAF;

2 - Aquele...

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