Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 5/2023

ELIhttps://data.dre.pt/eli/actconst/5/2023/02/03/p/dre/pt/html
Data de publicação03 Fevereiro 2023
Gazette Issue25
SectionSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional
N.º 25 3 de fevereiro de 2023 Pág. 12
Diário da República, 1.ª série
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 5/2023
Sumário: Pronuncia-se pela inconstitucionalidade, por referência ao Decreto n.º 23/XV da Assem-
bleia da República, «que regula as condições em que a morte medicamente assistida
não é punível e altera o Código Penal», da norma constante da alínea f) do artigo 2.º,
conjugada com a norma constante do n.º 1 do artigo 3.º, das normas constantes dos
artigos 5.º, 6.º e 7.º, e das normas constantes do artigo 28.º, «na parte em que alteram
os artigos 134.º, n.º 3, 135.º, n.º 3, e 139.º, n.º 2, do Código Penal»; não se pronuncia
pela inconstitucionalidade das demais normas cuja apreciação foi requerida.
Processo n.º 5/2023
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I — Relatório
1 — O Presidente da República vem, nos termos do disposto no “n.º 1 do artigo 278.º da Cons-
tituição, bem como do n.º 1 do art. 51.º e n.º 1 do art. 57.º da Lei n. 28/82, de 15 de novembro, e
“com os fundamentos a seguir indicados”, requerer a “apreciação da conformidade com a mesma
Constituição” de algumas das normas constantes do Decreto n.º 23/XV, da Assembleia da República,
“que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código
Penal” (doravante, CP). As normas identificadas pelo Presidente da República são as seguintes:
“as normas constantes das alíneas e) e f) do artigo 2.º, quando conjugadas com as normas
constantes dos n.os 1 e 3, alínea b) do artigo 3.º;
a norma constante da alínea d) do artigo 2.º, na parte em que define «doença grave e incu-
rável»”;
as normas constantes dos n.os 1 e 3, alínea b) do artigo 3.º;
consequentemente, as normas constantes dos artigos 5.º, 6.º e 7.º;
consequentemente, as normas constantes do artigo 28.º na parte em que alteram os artigos 134.º,
n.º 3, 135.º, n.º 3 e 139.º, n.º 2 do Código Penal”.
A final, o Presidente da República formula a sua pretensão nos seguintes termos:
“Ante o exposto, requer -se, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição, bem como do
n.º 1 do art. 51.º e n.º 1 do art. 57.º da Lei n. 28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva
da constitucionalidade das normas constantes da alínea d) do artigo 2.º, na parte em que define
«doença grave e incurável»”; das alíneas e) e f) do artigo 2.º, quando conjugadas com as normas
constantes dos n.os 1 e 3, alínea b) do artigo 3.º; dos n.os 1 e 3, alínea b) do artigo 3.º; consequen-
temente, as normas constantes dos artigos 5.º, 6.º e 7.º; consequentemente, as normas constantes
do artigo 28.º na parte em que alteram os artigos 134.º, n.º 3, 135.º, n.º 3 e 139.º, n.º 2 do Código
Penal, na parte em que alteram os artigos 134.º, n.º 3, 135.º, n.º 3 e 139, n.º 2 do Código Penal,
do Decreto n.º 23/XV da Assembleia da República, por violação do princípio da determinabilidade
da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei par-
lamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), por
referência à inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, todos da Constituição
da República Portuguesa”.
2 — Quanto aos parâmetros eventualmente violados, o Presidente da República identifica o
“princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito demo-
crático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e
165.º, n.º 1, alínea b), por referência à inviolabilidade da vida consagrada no artigo 24.º, n.º 1, todos
da Constituição da República Portuguesa”.
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3 — O requerente motiva o pedido pela forma que se segue:
“[...]
1.º
Pelo Acórdão n.º 123/2021, o Tribunal Constitucional decidiu pronunciar -se pela inconstitu-
cionalidade da norma constante do seu artigo 2.º, n.º 1, com fundamento na violação do princípio
de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito democrático e
da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º, e 165.º,
n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da vida
humana consagrada no artigo 24.º n.º 1, do mesmo normativo; e, em consequência, pronunciar -se
pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º, todos do Decreto
n.º 109/XIV da Assembleia da República.
2.º
Mais especificamente, o Tribunal Constitucional considerou que as aludidas inconstituciona-
lidades respeitavam a uma das situações invocáveis para a morte medicamente assistida não ser
punível — a atinente à gravidade da doença da pessoa em causa.
3.º
Quanto a essa situação, mas não quanto à gravidade da lesão, existiria insuficiente densifica-
ção e determinabilidade da lei, implicando a respetiva inconstitucionalidade, nomeadamente, por
tornar impercetível qual o regime concreto consagrado.
4.º
Na sequência desta decisão, e devolvido o Decreto à Assembleia da República, sem pro-
mulgação, nos termos constitucionais, a Assembleia da República entendeu aprovar o Decreto
n.º 199/XIV, o qual veio a ser submetido a promulgação.
5.º
Este Decreto continha um conjunto de contradições de natureza conceptual, suscitando proble-
mas sensíveis de interpretação e aplicação, razão pela qual veio a ser devolvido, sem promulgação,
ao Parlamento para que tais inconsistências pudessem ser ultrapassadas.
6.º
Nessa sequência, a Assembleia da República aprovou o Decreto n.º 23/XV, que agora se
submete a apreciação preventiva da inconstitucionalidade, o qual pretendeu sanar as contradições
apontadas à versão anterior, optando por um regime menos restritivo no tocante à morte medica-
mente assistida não punível, ao suprimir a existência de doença fatal e a alusão a “antecipação
da morte”.
7.º
Em conformidade com a clarificação efetuada, a situação relativa à gravidade da doença legiti-
madora da morte medicamente assistida não punível passou a ser a de “doença grave e incurável”,
definida como “doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível,
que origina sofrimento de grande intensidade” [artigos 2.º, alínea d), e 3.º, n.º 1].
8.º
A dúvida que se pode suscitar é a de saber se esta nova definição, e, em particular, a alusão
a ‘grande intensidade’ é de molde a corresponder à densificação e determinabilidade exigida pelo
antes aludido Acórdão do Tribunal Constitucional, tendo em consideração a supressão do requisito
da ‘doença fatal’ e da alusão à ‘antecipação da morte’.
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9.º
Acresce que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto, parece que a exigência
de verificação de situação de sofrimento de grande intensidade ocorre tanto quando exista lesão
definitiva de gravidade extrema como nos casos de doença grave e incurável. Já na alínea e) do
artigo 2.º, quando se define «Lesão definitiva de gravidade extrema», não se refere o sofrimento
de grande intensidade, ao contrário do que sucede na alínea d) do mesmo artigo.
10.º
É neste contexto que se afigura essencial que o Tribunal Constitucional se pronuncie quanto
à questão de saber se, no quadro da opção fundamental ora assumida, o legislador cumpriu as
obrigações de densificação e determinabilidade da lei, antes exigidas, ademais numa questão
central em matéria de direitos, liberdade e garantias.
11.º
Como se compreende, como já teve ocasião de afirmar o Tribunal Constitucional, uma inde-
finição conceptual não pode manter -se, numa matéria com esta sensibilidade, em que se exige a
maior certeza jurídica possível.
[...]”.
4 — Os preceitos do Decreto n.º 23/XV da Assembleia da República questionados pelo reque-
rente têm a seguinte redação (os segmentos objeto do pedido encontram -se realçados):
Artigo 2.º
Definições
“Para efeitos da presente lei, considera -se:
a) «Morte medicamente assistida», a morte que ocorre por decisão da própria pessoa, em
exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade,
quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde;
b) «Suicídio medicamente assistido», a autoadministração de fármacos letais pelo próprio
doente, sob supervisão médica;
c) «Eutanásia», a administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde
devidamente habilitado para o efeito;
d) «Doença grave e incurável», a doença que ameaça a vida, em fase avançada e pro-
gressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade;
e) «Lesão definitiva de gravidade extrema», a lesão grave, definitiva e amplamente
incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio
tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza
ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem
possibilidade de cura ou de melhoria significativa;
f) «Sofrimento de grande intensidade», o sofrimento físico, psicológico e espiritual,
decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com
grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela
própria pessoa;
g) «Médico orientador», o médico indicado pelo doente que tem a seu cargo coordenar toda a
informação e assistência ao doente, sendo o interlocutor principal do mesmo durante todo o processo
assistencial, sem prejuízo de outras obrigações que possam caber a outros profissionais;
h) «Médico especialista», o médico especialista na patologia que afeta o doente e que não
pertence à mesma equipa do médico orientador”.

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