Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/2022
ELI | https://data.dre.pt/eli/actconst/180/2022/04/12/p/dre/pt/html |
Data de publicação | 12 Abril 2022 |
Data | 11 Janeiro 2022 |
Gazette Issue | 72 |
Section | Serie I |
Órgão | Tribunal Constitucional |
N.º 72 12 de abril de 2022 Pág. 4
Diário da República, 1.ª série
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/2022
Sumário: Pronuncia -se pela inconstitucionalidade das normas do artigo 4.º, n.º 2, alíneas b) e f),
e das normas do artigo 13.º do «Regime Jurídico da Atividade de Transportes Individual
e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a partir de Plataforma
Eletrónica para a Região Autónoma dos Açores», aprovado pelo Decreto n.º 1/2022, da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
Processo n.º 227/2022
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I — Relatório
1 — O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores requereu, ao abrigo
do disposto no artigo 278.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e dos artigos 57.º
e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), ao Tribunal Constitucional a fiscalização
preventiva, e a consequente pronúncia pela inconstitucionalidade, das normas constantes das
alíneas b) e f) do n.º 2 do artigo 4.º e do artigo 13.º do Decreto n.º 1/2022 da Assembleia Legislativa,
da Região Autónoma dos Açores, que estabelece o Regime Jurídico da Atividade de Transporte
Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a Partir de Plataforma
Eletrónica na Região Autónoma dos Açores (TVDERAA), aprovado pela Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores em 11 de janeiro de 2022 e recebido, no seu Gabinete, no dia 11 de
fevereiro de 2022.
2 — Parâmetros da constitucionalidade invocados
O requerente alega que as normas objeto do pedido violam o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa que consagra a liberdade de escolha de profissão (direito, liberdade e
garantia) — ao estabelecerem inovatoriamente determinados requisitos para o acesso à profissão de
motorista de TVDE — e o artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra
a liberdade de iniciativa económica privada (“direito económico [...] e direito de natureza análoga
a direito, liberdade e garantia, por força do artigo 17.º da Lei Fundamental.”) — ao estabelecer um
regime de contingentação do número de averbamentos ou licenças a emitir pelo serviço público
competente — e consequentemente tais normas são:
i) Organicamente inconstitucionais, por violação conjugada da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º
e da parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, por manifesta invasão da re-
serva relativa de competência legislativa da Assembleia da República;
ii) Materialmente inconstitucionais porque violam o princípio da proporcionalidade na restrição
dos direitos aludidos, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
3 — O pedido assenta nos seguintes fundamentos
Os fundamentos apresentados no pedido para sustentarem as inconstitucionalidades das
normas impugnadas são os seguintes:
“II
2 — O regime jurídico constante do Decreto ora em apreciação — abreviadamente TVDE — visa
disciplinar o exercício na Região Autónoma dos Açores de uma atividade económica e profissional
que se encontra regulada, no plano nacional, pela Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, introduzindo
aí algumas adaptações — algumas de natureza orgânica e procedimental, mas outras de natureza
substantiva — destinadas a acautelar um conjunto de interesses regionais, que são sumariamente
identificados no preâmbulo do próprio diploma e dos quais se destaca a sustentabilidade ambiental.
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Diário da República, 1.ª série
No essencial, o regime regional aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos
Açores não só não afasta a aplicação ao território insular da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto — cujo
regime, aliás, o n.º 5 do artigo 1.º do Decreto n.º 1/2022 declara de aplicação supletiva —, como
preserva o modelo regulador básico de exercício da atividade em causa. Isto é, um modelo tripar-
tido de licenciamento:
a) Dos operadores de TVDE, que são as empresas detentoras (e que registam) as viaturas
utilizadas no exercício da atividade;
b) Dos motoristas de TVDE, que conduzem os utilizadores do serviço de transporte do ponto A
para o ponto B e se encontram vinculados contratualmente a um dos operadores;
c) Das plataformas eletrónicas, que são as empresas titulares ou que exploram as infraes-
truturas eletrónicas que prestam o serviço de intermediação entre os utilizadores aderentes e os
operadores de TVDE.
Antes de mais, do ponto de vista jurídico -constitucional, relevante é assinalar que as regras
legais de acesso e exercício da atividade de motorista de TVDE devem ser equacionadas à luz da
liberdade de escolha de profissão — direito, liberdade e garantia consagrado no n.º 1 do artigo 47.º
da Constituição — , ao passo que o regime legal regulador do acesso e exercício da atividade
das operadoras de TVDE e das plataformas eletrónicas constitui precipuamente um problema de
liberdade de iniciativa económica privada — direito económico previsto no n.º 1 do artigo 61.º da
Constituição e direito de natureza análoga a direito, liberdade e garantia, por força do artigo 17.º
da Lei Fundamental.
Não se ignora que os dois direitos não são propriamente isentos de relação: com efeito,
“a liberdade de empresa [...] apresenta importantes afinidades com a liberdade profissional stricto
sensu [...]. Nos dois casos, o seu exercício constitui um modo de vida, ou um modo de ganhar a
vida, e de realização pessoal e profissional; e, nessa medida, ambas representam a projeção no
domínio económico do valor do livre desenvolvimento da personalidade (Evaristo Mendes, in Jorge
Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Lisboa, 2017, p. 856, e também
pp. 876 -877). Desde logo, uma regulamentação muito restritiva da liberdade de iniciativa económica
num determinado setor de atividade — v.g., limitando o acesso ao mercado de novos operadores,
mais inovadores ou com um diferente modelo e negócio — redunda, naturalmente, em menores
oportunidades de acesso e exercício das profissões correspondentes.
Não obstante, considerando a diversidade dos regimes constitucionais de proteção das
duas liberdades em causa, julga -se que uma análise separada das questões tornará mais clara
a discrepância entre as novas exigências regulatórias especificamente aduzidas pelo Decreto
n.º 1/2022 — no confronto com o regime definido pela Assembleia da República — e os parâmetros
orgânicos e materiais decorrentes da Constituição.
III
3 — Estabelece o artigo 47.º da Lei Fundamental que “todos têm o direito de escolher livremente
a profissão e o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou
inerentes à sua própria capacidade”.
Neste quadro, o legislador nacional regulou de forma particularmente detalhada e exigente — ao
longo dos extensos artigos 10.º e 11.º da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto — as condições de
acesso e exercício da profissão de motorista de TVDE. Os eventuais candidatos a motoristas de
TVDE que não preencham a totalidade dos requisitos elencados pela lei — ou que, porventura,
deixem de os preencher supervenientemente — não podem pura e simplesmente exercer essa
profissão. Por outras palavras, terão de encontrar outro modo de vida e de procurar assegurar
a sua subsistência num outro setor do mercado de trabalho. Não estão em causa, aqui, apenas
normas conformadoras de uma atividade económica, mas sim verdadeiras e próprias restrições
legais a um direito, liberdade e garantia — um direito que, sublinhe -se, é crucial para a realização
profissional e pessoal dos indivíduos. Em última análise, um direito através do qual cada um projeta
o livre desenvolvimento da sua personalidade.
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