Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018
Data de publicação | 14 Novembro 2018 |
Seção | Serie I |
Órgão | Tribunal Constitucional |
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018
Processo n.º 418/18
Plenário
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, em conformidade com o disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro («LTC»), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 100.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março («CIRE»), interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
De forma a legitimar o seu pedido, alega o requerente que tal norma já foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.os 362/2015 e 270/2017 (acessíveis, assim como os demais adiante referidos, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), já transitados em julgado, e, bem assim, pela Decisão Sumária n.º 162/2018 (acessível a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/), igualmente já transitada em julgado.
2 - Notificado para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos.
3 - Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.
II - Fundamentação
4 - De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional em três casos concretos. Este preceito é reproduzido, no essencial, pelo artigo 82.º da LTC, que determina pertencer a iniciativa a qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou ao Ministério Público, devendo promover-se a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, previsto nesta mesma Lei.
5 - O pedido de generalização do juízo de inconstitucionalidade tem por base três decisões em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade que incidiram sobre a seguinte norma extraída do artigo 100.º do CIRE: «a declaração de insolvência prevista nesse preceito suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário». É este o teor do preceito em causa:
«Artigo 100.º
Suspensão da prescrição e caducidade
A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.»
A regra consagrada neste preceito visa estabilizar o leque de créditos imputados ao devedor, cristalizando a sua exigibilidade com referência ao momento da declaração de insolvência. Não obstante regra idêntica não existir no direito falimentar anterior, similar efeito era determinado pelo despacho de prosseguimento da ação (cf. o n.º 1 do artigo 29.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência; v. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª ed., Quid Iuris, 2015, p. 456, e id., Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência Anotado, 3.ª ed., Quid Iuris, 1999, p. 131).
Na verdade, tal regra é modeladora do processo insolvencial, não se ligando de forma específica aos créditos tributários: aquela disposição conforma o «processo de insolvência, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade)» (v. o Acórdão n.º 362/2015). O seu escopo é «uniformizar a situação dos credores no decurso do processo de insolvência. Na verdade, se não houvesse suspensão, alguns credores veriam os seus direitos postos em causa, por não poderem exercê-los senão no quadro do processo de insolvência.» (cf. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, p. 288). Trata-se de assegurar a concentração do processo falimentar - enquanto processo de execução universal -, tendo em conta o princípio par conditio creditorum (assente nas ideias de partilha do risco e de igualdade dos credores) e a impossibilidade de exercício dos direitos dos credores fora do processo de insolvência, prevenindo que certo credor obtenha, após a declaração de insolvência, uma satisfação mais célere do seu crédito (cf. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª ed., 2014, p. 174; Catarina Serra, O regime português da insolvência, 5.ª ed., 2012, p. 56; Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 6.ª ed., 2015, p. 165; Márcia Antunes Gomes, «Efeitos da declaração de insolvência sobre a prescrição tributária», Cadernos de Justiça Tributária, n.º 17, 2017, p. 12). Procede-se, portanto, a uma estabilização do passivo, permitindo avaliar a situação do devedor e tomar decisões (cf. Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Almedina, 2016, pp. 162 e 170).
Já a norma em crise, que é extraída do citado artigo 100.º do CIRE, assume este último preceito como lex specialis com uma função complementar relativamente às causas de suspensão da prescrição previstas no artigo 49.º da lei geral tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro («LGT»), e, como tal, sujeita ao regime do artigo 48.º, n.º 2, da mesma Lei: «As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.»
Com efeito, nos três julgamentos de inconstitucionalidade que deram origem aos presentes autos apenas esteve em causa um específico sentido do citado preceito: somente foi julgada inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual a declaração de insolvência determina a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário (e não ao devedor insolvente) no âmbito do processo tributário. Quer isto dizer que não se questionou a suspensão da prescrição das dívidas tributárias exigidas ao insolvente, mas apenas a interpretação segundo a qual a mesma regra é também aplicável a quem não é o insolvente - e, por isso, não intervindo no respetivo processo -, exigindo-se-lhe o tributo como responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
Por conseguinte, os presentes autos (de generalização dos julgamentos de inconstitucionalidade) apenas podem incidir sobre a interpretação do artigo 100.º do CIRE, nos termos da qual, quando no processo tributário são exigidas dívidas tributárias ao responsável subsidiário, este não pode invocar a prescrição de tais dívidas, se, por força da declaração da insolvência do devedor principal, o decurso do respetivo prazo prescricional tiver sido suspenso. Por outras palavras, está em causa a possibilidade, fundada numa interpretação normativa do citado artigo 100.º do CIRE, de, no âmbito do processo tributário, opor ao responsável subsidiário uma causa de suspensão da prescrição - a declaração de insolvência do devedor principal - adicional relativamente às previstas na LGT. É somente com este sentido interpretativo - o da aplicação da regra de suspensão prescricional a dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário, no âmbito do processo tributário - que se coloca o problema da eventual invasão, pelo Governo, da competência da Assembleia da República em matéria de legalidade fiscal [alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição], e não nas demais vertentes normativas daquela disposição.
6 - As qualidades de contribuinte e de devedor do imposto não têm de coincidir sempre na mesma pessoa: o «contribuinte é a pessoa relativamente à qual se verifica o facto tributário, o pressuposto de facto ou o facto gerador do imposto», ao passo que o «devedor do imposto é um sujeito passivo qualificado ou o sujeito passivo que deve satisfazer perante o credor fiscal a obrigação de imposto» (cf. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 10.ª ed., Almedina, 2017, p. 248; no mesmo sentido, v. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, 1974, p. 353). O conceito de devedor é por isso mais amplo do que o de contribuinte, uma vez que a lei prevê situações em que sujeitos diferentes do contribuinte (substitutos, responsáveis, etc.) podem ser chamados a pagar o imposto.
É justamente o que sucede na responsabilidade (tributária) subsidiária, instituto pelo qual a lei faz impender sobre certos sujeitos a obrigação de imposto que recaia sobre o contribuinte (e devedor principal). Tal figura é habitualmente considerada uma fiança legal, porquanto o obrigado responde...
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