Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2023

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/2/2023/02/01/p/dre/pt/html
Data de publicação01 Fevereiro 2023
Data15 Julho 2021
Gazette Issue23
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 23 1 de fevereiro de 2023 Pág. 22
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2023
Sumário: «O perdão de penas de prisão previsto no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril,
verificados que sejam os demais requisitos legais, só pode ser aplicado a condenados
que sejam reclusos à data da sua entrada em vigor».
Processo n.º 132/15.0TXEVR -F.E1 -A.S1
Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça
I
RELATÓRIO
1 — O recorrente, AA, veio, em 15 de julho de 2021, interpor recurso extraordinário para fixação
de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 8 de junho de 2021,
no processo n.º 132/15.0TXEVR -F.E1, transitado em julgado em 12 de julho de 2021, alegando
encontrar -se em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 30 de
Setembro de 2020, no processo n.º 744/13.7TXCBR -P.C1 (acórdão fundamento), cuja publicação
se encontra em www.dgsi.pt.
Alegou, em síntese, que naqueles dois arestos foi julgada a mesma questão fundamental de
direito, interpretada a mesma norma jurídica, sobre a mesma questão de facto no âmbito da mesma
legislação, tendo os dois acórdãos decidido em sentido diferente.
2 — Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a conferência da 3.ª secção, por
acórdão proferido em 10 de novembro de 2021, julgou verificada a oposição de julgados e deter-
minou o seu prosseguimento.
3 — Foram notificados os interessados, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 1, do Código
de Processo Penal, tendo o recorrente apresentado as seguintes conclusões:
«1A jurisprudência não é unânime na interpretação dada ao artigo 2.º da Lei n.º 9/2020,
de 10 -04.
2 — Sobre esta temática, surgiram três posições, sendo que o recorrente perfilha a posição
intermédia.
3 — Defende, por isso, que devem beneficiar do perdão aqueles que se encontrem na situação
de reclusos, sendo que esta condição não se restringe aos que a tinham à data da entrada em vigor
da Lei n.º 9/2020, de 10 -04, mas também aos que a vieram a adquirir durante a vigência da mesma.
4 — Um dos motivos prende -se com as razões que motivaram a elaboração da Lei n.º 9/2020,
de 10 de Abril, plasmadas na exposição de motivos da proposta de Lei n.º 23/XIV, que esteve na
sua génese.
5 — A Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, teve como objetivo a proteção da população prisional, atra-
vés da libertação de reclusos e da flexibilização das saídas, a fim de evitar o surgimento de focos de
infeção da doença COVID -19 nos estabelecimentos prisionais e prevenir o risco do seu alastramento.
6 — O legislador visou a proteção da população prisional (elemento lógico, correspondente
ao espírito da lei), estabelecendo a condição de recluso como pressuposto para a aplicação do
perdão (elemento gramatical correspondente à letra da lei) e condicionando a sua concessão à
existência de uma condenação transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor da Lei.
7 — O legislador não disse que para além da condição de recluso também era necessário que
a mesma se verificasse à data da entrada em vigor da Lei (interpretação restritiva).
8 — Na verdade, conforme tem vindo a ser destacado pela doutrina e jurisprudência, “As medi-
das de graça, como providências de exceção, constam de normas que devem ser interpretadas e apli-
cadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas.”
N.º 23 1 de fevereiro de 2023 Pág. 23
Diário da República, 1.ª série
9 — Neste sentido, não vislumbramos na letra da Lei a exigência de que o condenado tem de
reunir a condição de recluso à data da sua entrada em vigor, conforme defende o acórdão recorrido,
sendo, no nosso entender, indiferente a aquisição posterior do estatuto de recluso na pendência
da vigência da Lei.
10 — Por outro lado, o facto de a Lei prever, no seu artigo 10.º, um período de vigência, e não
apenas um marco temporal para as situações merecedoras do direito de graça, à semelhança de
anteriores leis de amnistia, corrobora a interpretação de que, enquanto durar a Lei, o condenado
que reunir os requisitos nela previstos, designadamente aquele que vier a adquirir a condição de
recluso, pode beneficiar do perdão.
11 — A Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, deve ser interpretada em conjugação com os diplomas
que o legislador criou dentro do mesmo propósito de combate à pandemia e com as finalidades
de cada um.
12 — A aplicação conjugada da Lei 1 -A/2020, de 19 -03, com a suspensão dos prazos, e da
Lei n.º 9/2020, de 10 -04, com o perdão de quem fosse recluso à data da entrada em vigor desta
Lei, permitiria manter protegida a população prisional, libertando alguns reclusos e impedindo a
entrada de novos reclusos, não se justificando, nessa perspetiva, alargar a aplicação do perdão a
quem não fosse recluso em 11 -04 -2020.
13 — Acontece que, a suspensão da emissão de mandados de detenção não é assim tão
certa e evidente, uma vez que sempre ficaria à consideração do julgador entender se o ato seria
ou não urgente, decidindo, a final, pela emissão ou não dos mandados.
14 — Essa análise a levar a cabo pelo julgador retira, a nosso ver, força ao argumento avan-
çado pela posição mais restrita, dado que, dependendo do entendimento, sempre haveria detidos
a entrar no estabelecimento prisional.
15 — Foi, aliás, o que sucedeu no caso do acórdão fundamento, em que o recluso em causa
terá sido detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional em pleno período pandémico, altura em
que, o que se pretendia, era retardar a execução das penas e, por isso, a entrada de condenados
em estabelecimento prisional.
16 — Sendo este um elemento inconstante, dificilmente se compreenderia que o legislador o
tivesse perspetivado, de forma implícita, como fator de eficácia da solução legislativa apresentada
através da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril.
17 — Não cremos, pois, que aqueles dois diplomas se complementavam com a finalidade
proposta, sendo certo que as posteriores alterações legislativas vieram acabar com um argumento
de peso dos defensores da posição mais restrita.
18 — Com efeito, a suspensão generalizada dos prazos e de atos, mesmo em alguns processos
de natureza urgente, introduzida pela Lei n.º 1 -A/2020, de 19 -03, cessou com a entrada em vigor
da Lei n.º 16/2020, 29 -05, diploma que revogou o mencionado artigo 7.º daquela Lei.
19 — Simultaneamente, esta Lei n.º 16/2020, 29 -05, alterou o artigo 10.º da Lei n.º 9/2020, de
10 -04, definindo que esta cessa a sua vigência em data a fixar em lei que declare o final do regime
excecional de medidas de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça no âmbito
da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e
da doença Covid -19.
20 — A Lei n.º 16/2020, 29 -05, veio clarificar que o diploma que concede o perdão de penas
continuava em vigor até ser declarada, por lei, a cessação do regime excecional de medidas
de flexibilização e medidas de graça de combate à pandemia, apesar de os prazos e, salvo
algumas exceções, os atos e procedimentos a praticar nos tribunais judiciais retomarem a sua
marcha normal.
21 — A suprarreferida evolução legislativa, a par da ausência de criação de qualquer norma
que expressamente continuasse a acautelar a entrada de condenados no estabelecimento prisional,
quebra a argumentação da tese mais restrita e consolida a posição intermédia.
22 — Com o inevitável crescimento da população prisional — pois, com a entrada em vigor
da Lei n.º 16/2020, 29 -05, nada impedia ou limitava a emissão e execução de mandados de
detenção — não se estaria a acautelar o surgimento de novos focos de infeção junto da população
prisional, objetivo fulcral da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT