Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2022
ELI | https://data.dre.pt/eli/acstj/10/2022/11/24/p/dre/pt/html |
Data de publicação | 24 Novembro 2022 |
Data | 08 Janeiro 2020 |
Gazette Issue | 227 |
Section | Serie I |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
N.º 227 24 de novembro de 2022 Pág. 42
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2022
Sumário: A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma
decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que
não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos
dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil.
PROCESSO N.º 151/21.8YRPRT.S1 -A
(RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA)
ACORDAM NO PLENO DAS SECÇÕES CÍVEIS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: Ministério Público
I. — RELATÓRIO
1 — AA e BB, residentes na Rua...,...,...,..., Brasil, instauraram a presente acção de revisão
de sentença estrangeira, pedindo que seja “revista e confirmada a escritura pública de união de
facto em questão, com todas as consequências legais, designadamente, as de confirmar a união
de facto de mais de 30 anos existente entre os requerentes, para que a mesma passe a produzir
todos os seus efeitos em Portugal.”
2 — Cumprido o disposto no art. 982.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Digno Agente do
Ministério Público não deduziu oposição ao requerido.
3 — O Tribunal da Relação do Porto julgou a acção improcedente.
4 — Inconformados, os Requerentes AA e BB, interpuseram recurso de revista.
5 — O Digno Agente do Ministério Público apresentou resposta às alegações pugnando pela
revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
6 — O Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente o recurso, negando a revista.
7 — O Digno Agente do Ministério Público interpôs recurso extraordinário para o Pleno das
Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, para uniformização de jurisprudência, nos termos
dos arts. 688.º ss. do Código de Processo Civil.
8 — Invocou a contradição do acórdão recorrido com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
em 8 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 1884/19.4YRLSB.S1.
9 — Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 — Os acórdãos citados neste requerimento como recorrido e fundamento são completamente
contraditórios entre si.
2 — Foram proferidos no domínio da mesma legislação — Código de Processo Civil, na redac-
ção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/6.
3 — Versando sobre a mesma questão de direito: saber se uma escritura pública de declara-
ção de união estável celebrada no Brasil é, ou não, susceptível de ser revista e confirmada pelos
tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e ss do citado CPC.
4 — A orientação perfilhada no acórdão recorrido não está de acordo com jurisprudência uni-
formizada do Supremo Tribunal de Justiça.
5 — Atenta a data do trânsito do acórdão recorrido, a interposição do presente recurso extraor-
dinário é tempestiva, tendo em conta o disposto no artigo 689.º, n.º 1, do CPC.
6 — O Ministério Público tem legitimidade para interpor o presente recurso, apesar de não
ser parte na causa.
7 — Sobre esta temática, a Jurisprudência dos nossos Tribunais encontra -se completamente
dividida.
8 — Por isso, impõe -se admitir o presente recurso.
9 — Lavrando -se acórdão de uniformização de jurisprudência no seguinte sentido:
N.º 227 24 de novembro de 2022 Pág. 43
Diário da República, 1.ª série
“Uma escritura pública de declaração de união estável celebrada no Brasil é susceptível de ser
revista e confirmada pelos tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e ss do atual Código
de Processo Civil”.
10 — Os Requerentes AA e BB pronunciaram -se, pedindo que fosse proferido acórdão com
a seguinte resposta uniformizadora:
“Uma escritura pública de declaração de união estável celebrada no Brasil é susceptível de ser
revista e confirmada pelos tribunais portugueses, nos termos do artigo 978.º e ss do atual Código
de Processo Civil”.
11 — O recurso para uniformização de jurisprudência foi liminarmente admitido em 24 de
Março de 2022.
12 — Estando em causa um recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelo
Ministério Público de acordo com o art. 691.º do Código de Processo Civil, é desnecessário que o
processo vá com vista ao Ministério Público, para emissão de parecer sobre a questão (1).
II. — FUNDAMENTAÇÃO
II.1. — DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
1 — O Ministério Público tem legitimidade para a interposição do recurso para uniformização de
jurisprudência ainda que não seja parte, de acordo com o art. 691.º do Código de Processo Civil:
O recurso de uniformização de jurisprudência deve ser interposto pelo Ministério Público,
mesmo quando não seja parte na causa, mas, neste caso, não tem qualquer influência na deci-
são desta, destinando -se unicamente à emissão de acórdão de uniformização sobre o conflito de
jurisprudência (2).
O art. 691.º do Código de Processo Civil derroga os princípios e as regras gerais (
3
), atribuindo
ao Ministério Público uma legitimidade extraordinária (4) para a interposição do recurso para uni-
formização de jurisprudência no interesse da lei (5), no “puro interesse da lei” (6), ou seja: — “no
interesse exclusivo da clarificação na interpretação e aplicação da lei para futuro” (7).
2 — Esclarecida a questão da legitimidade do Ministério Público para a interposição do recurso
para uniformização de jurisprudência, deve averiguar -se se há uma contradição entre o acórdão
de 20 de Janeiro de 2022, agora recorrido, e o acórdão de 8 de Setembro de 2020 — processo
n.º 1884/19.4YRLSB.S1 -, deduzido como acórdão -fundamento.
2.1 — O art. 688.º do Código de Processo Civil determina:
1 — As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tri-
bunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo
mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2 — Como fundamento do recurso só pode invocar -se acórdão anterior com trânsito em jul-
gado, presumindo -se o trânsito.
3 — O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo
com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (8).
e o art. 692.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe apreciação liminar, esclarece que
Recebidas as contra -alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo
concluso ao relator para exame preliminar, sendo o recurso rejeitado, além dos casos previstos
no n.º 2 do artigo 641.º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no
artigo 690.º, não exista a oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no
n.º 3 do artigo 688.º
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO