Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2022

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/5/2022/06/21/p/dre/pt/html
Data de publicação21 Junho 2022
Gazette Issue118
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 118 21 de junho de 2022 Pág. 3
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2022
Sumário: Compete à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de contrato
de mandato forense celebrado entre um advogado e um contraente público.
Processo n.º 51012/18.6YIPRT -A.P1.S1
Acordam os juízes, em pleno das secções cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça
I — Relatório
«Z... e Associados, Sociedade de Advogados, R.I.», apresentou requerimento de injunção con-
tra «Águas do Norte, S. A.», reclamando desta o pagamento da quantia de 118.454,40 €, mais juros,
relativa aos serviços de advocacia prestados na sequência da outorga de quatro mandatos judiciais.
A R. deduziu oposição, invocando a exceção dilatória de erro no meio processual usado e a
exceção perentória da prescrição do crédito da A., tendo também impugnado os factos por esta
alegados.
A Autora respondeu à matéria da defesa por exceção.
No despacho saneador, o Exmo. Juiz deixou exarado o seguinte:
«Colocou este tribunal oficiosamente a questão de saber se o contrato de avença celebrado
entre as partes constituiu um contrato administrativo ou um contrato meramente civil.
Apenas o autor se apresentou a responder a essa questão conforme fls. 85 e seguintes.
Assim, apesar de resultar dos autos que a ré é uma sociedade anónima de capitais exclusi-
vamente públicos (cf. estatutos a fls. 42 e seguintes publicados no DR de 29.5), e a mesma estar
obrigada a seguir as normas infra expostas na contratação de serviços, ainda que forenses, não
está configurada de forma segura a competência da jurisdição administrativa, tendo em conta que
a ré nenhum facto alegou (e demonstrou) que permita enquadrar esse acordo no art. 200.º, do CPA
ou no DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
Pelo exposto, declara -se o Tribunal competente.»
Desta decisão recorreu a R., tendo a Relação do Porto confirmado o decidido na 1.ª instância,
reiterando a competência da jurisdição comum.
Continuando inconformada, apresentou a R. recurso de revista, admitida como «normal»,
nos termos dos artigos 671.º/2/a) e 629.º/2/a) do CPC, sustentando que a competência deve ser
atribuída à jurisdição administrativa.
Tendo este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30/06/2020, negado a revista.
Ainda e mais uma vez inconformado, veio a R. interpor recurso para o Pleno das Secções
Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos
dos artigos 688.º e ss. do CPC, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão
recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2020 proferido no processo
n.º 45.639/18.3YIPRT.G1.S1, tendo formulado conclusões em que identifica a questão funda-
mental de direito decidida de forma contraditória nos acórdãos em confronto — saber se são os
Tribunais Comuns ou os Tribunais Administrativos os Tribunais competentes para dirimir um litígio
emergente de um contrato de mandato forense celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, sendo
a Recorrente uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e a Recorrida uma
sociedade de Advogados — e em que conclui a pedir que «seja revogado o Acórdão -Recorrido,
decidindo -se pela Incompetência Absoluta dos Tribunais Comuns para julgar os presentes autos
e pela Competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos em que tal foi decidido no
Acórdão -Fundamento.»
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem por objeto o douto Acórdão
proferido pela 6.ª Secção Cível do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30/06/2020,
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notificado às partes por notificação eletrónica elaborada e certificada em 02/07/2020 e transitado em
julgado em 01/09/2020 (conforme certidão de trânsito em julgado emitida por este douto Tribunal
e junta aos presentes autos a ref.ª ... — do CITIUS).
2Veio o douto Acórdão -Recorrido proferir decisão em sentido diametralmente oposto à
decisão já proferida pela 1.ª Secção Cível do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão
datado de 02/06/2020, no Proc. n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1, e em que à data da prolação da presente
decisão já havia transitado em julgado (pois que transitou em julgado no dia 18/06/2020) — Acór-
dão cuja cópia se junta às presentes alegações de Recurso, doravante designado de «Acórdão-
-Fundamento», para efeitos do disposto no artigo 688.º, n.º 2 e para cumprimento do ónus previsto
no artigo 690.º, n.º 2, ambos do CPC.
3Salvo o devido respeito, que sempre lhe é merecido, a ora Recorrente não pode deixar
de considerar que o Acórdão -Recorrido, proferido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça,
em clara contradição com o Acórdão -Fundamento, viola o disposto:
Na lei processual, concretamente a que fixa a competência dos Tribunais Administrativos em
razão da matéria e, por conseguinte, a competência residual dos Tribunais Comuns, concretamente
os artigos 1.º e 4.º, n.º 1, alínea e) do ETAF; o artigo 37.º/1/ l) do CPTA; os artigos n.os 64.º e ss.
do CPC;
Sendo que, a violação e a errada aplicação da lei processual, decorre de erro de aplicação e
de interpretação da lei substantiva, concretamente do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a); artigo 4.º;
artigo 5.º; artigo 280.º e artigo 450.º, todos do Código dos Contratos Públicos.
4Pelo que, a interposição do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência
sempre será admissível, nos termos do disposto nos artigos 688.º e 689.º, n.º 1, do CPC e para
os efeitos previstos no disposto no n.º 2, do artigo 695.º do CPC, pois que a presente decisão
encontra -se em clara contradição com o Acórdão -Fundamento, no domínio da mesma legislação
e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo certo que ambos os acórdãos têm por
base a mesma factualidade e realidade jurídica.
5Pois que, em primeiro lugar, sempre se diga que o litígio do qual emerge o Acórdão-
-Fundamento partilha da mesma identidade factual e jurídica do litígio do qual emerge o Acórdão-
-Recorrido, pois que ambos resultaram de um requerimento de injunção que opõem a aqui Recor-
rente e a aqui Recorrida, pelo facto de esta última se considerar credora de montantes devidos
pela Recorrente, por alegado incumprimento de prestações pecuniárias decorrentes de um contrato
de mandato forense, outorgado pelas partes — ou seja, verifica -se uma perfeita coincidência das
partes e da causa de pedir de ambos os Acórdãos em divergência — Cfr. Relatórios do Acórdão-
-Fundamento, pág. 1 a 4 e do Acórdão -Recorrido, pág. 1 e 2;
6Acresce que, em segundo lugar, a questão jurídica subjacente aos recursos de revista
interpostos (e que originaram o Acórdão -Fundamento e o Acórdão -Recorrido) é, também, a mesma,
concretamente: saber se os Tribunais Comuns são os Tribunais competentes para dirimir um litigio
emergente de um contrato de mandato forense celebrado entre Recorrente e Recorrida, sendo
que a Recorrente é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e a Recorrida
uma sociedade de Advogados — Cfr. Relatórios do Acórdão -Fundamento, pág. 1 a 4 e do Acórdão-
-Recorrido, pág. 1 e 2.
7Questão jurídica decida por este douto Supremo Tribunal de Justiça em sentido dia-
metralmente oposto: ao passo que o Acórdão -Fundamento conclui pela competência dos Tribu-
nais da jurisdição Administrativa, o Acórdão -Recorrido conclui pela competência dos Tribunais
Comuns — pelo que a mesma questão de facto e de direito tem, na presente data, duas decisões
em manifesta contradição.
8Em terceiro lugar, cumpre também referir que ambos os Acórdãos partem da mesma
fundamentação legal para decidir a mesma questão jurídica, pois que ambas as secções deste
douto Supremo Tribunal de Justiça fazem a interpretação da mesma legislação, mas em sentido
oposto, pois que:
8.1A decisão proferida no âmbito do Acórdão -Fundamento, considerou que o contrato de
mandato forense é subsumível no âmbito de aplicação do artigo 450.º do CCP (considerando que
o regime previsto nos EOA não se opõe à subsunção do mandato forense ao direito da contratação

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