Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2021

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/4/2021/11/15/p/dre/pt/html
Data de publicação15 Novembro 2021
Número da edição221
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 221 15 de novembro de 2021 Pág. 13
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2021
Sumário: Nas acções de investigação de paternidade, intentadas nos termos da alínea b) do n.º 3
do artigo 1817.º, ex vi do artigo 1873.º do CC, compete ao Réu/investigado o ónus de
provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo já se mostrava expirado
à data em que o investigante intentou a acção.
Processo n.º 2947/12.2TBVLG.P1.S2 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)
Recorrentes/Autor:
AA
Recorridos/Réus:
CC e DD.
*
Relatório1
Em 2/8/2012, AA (nascido em …/03/1947) intentou a presente acção contra BB, pedindo que
este fosse condenado a reconhecer que é o seu pai.
Para tanto, alegou que nasceu em consequência das relações de cópula havidas entre o R e
a sua mãe, que esta, apenas algum tempo antes da sua morte, ocorrida em …/02/2010, lhe confi-
denciou que o R era o seu pai e que a sua paternidade sempre lhe fora ocultada.
O R contestou, invocando a excepção da caducidade do direito do A e impugnando a matéria
de facto por este alegada.
O A replicou, pugnando pela improcedência da invocada caducidade, com fundamento na
desconformidade constitucional do estabelecimento do prazo em questão.
Foi proferida sentença, julgando improcedente a excepção de caducidade e reconhecendo
que o R., é pai do A.
O R faleceu em …/12/2016, na pendência da apelação que interpôs da sentença, tendo sido
julgados habilitados como seus herdeiros, para com eles prosseguirem os ulteriores termos do
processo, os seus filhos CC e DD.
A Relação, julgando a apelação improcedente, designadamente quanto à impugnação da
decisão proferida sobre a matéria de facto, confirmou na íntegra a sentença.
Os habilitados em lugar do R., interpuseram revista excepcional, admitida pela competente
formação, cujo objecto delimitaram à questão da caducidade e da exclusão dos efeitos patrimoniais
da procedência da acção.
Conhecendo da revista, em acórdão de 13.3.2018 — doravante, Acórdão Recorrido —, este
Supremo Tribunal de Justiça julgou procedente a excepção da caducidade do direito de acção e
absolveu os Réus -Recorrentes do pedido.
Transitado em julgado o Acórdão Recorrido, dele veio em 2.5.2018 o CC interpor recurso
extraordinário de uniformização de jurisprudência para o Pleno das Secções Cíveis.
Invocou oposição do julgado com o acórdão deste mesmo Tribunal de 3.10.2017 — Proc.
n.º 737/13.4TBMDL.G1.S1 — doravante, Acórdão Fundamento — que, em hipótese similar, julgou
tempestiva a acção e reconheceu a paternidade que aí se investigava.
Apresentados os autos ao relator, foi reconhecida a invocada oposição de julgados sobre a
mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação e consequentemente foi
admitido o recurso para uniformização de jurisprudência.
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Diário da República, 1.ª série
*
O recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes
Conclusões:
«A. O Recorrente, em sede de questão prévia, equaciona a legalidade da decisão atento o
facto de a redistribuição do ónus da prova operada ter alterado a matéria dada como provada pelo
Tribunal da Relação.
B. Nas conclusões realizadas pelo Investigado em sede de Recurso de Revista Excecional,
este indica, no ponto VII, que “A circunstância de se ter dado como provado, que a mãe do A. Só
em Fevereiro de 2010 lhe confidenciou a sua paternidade, a qual sempre lhe havia ocultado, não é
susceptível de ser integrada na hipótese contemplada na alínea b) do n.º 3 do Art.º 1017.º do CC.
C. Ora, o investigado dá como assente — como também o fazem a primeira Instância e o
Tribunal da Relação —, que a confidência ocorreu em Fevereiro de 2010.
D. No entanto, este Alto Tribunal vem colocar dúvidas sobre esse momento, afirmando existir
incongruência sobre esse ponto temporal, questão que não foi posta em causa nem pelas partes,
nem pelas Instâncias.
E. Mais afirmando ser da responsabilidade do Autor Investigante, ora Recorrente, a supressão
dessa incongruência.
F. A regra segundo a qual o Supremo Tribunal de Justiça apenas controla a decisão de di-
reito, e não reexamina a decisão de facto, está expressamente consignada no artigo 46.º, da Lei
n.º 62/2013, de 26 de agosto.
G. Alterando, como alterou, a matéria de facto dada como provada, o Supremo violou as regras
respeitantes à sua própria competência.
H. E, ao mesmo tempo, extravasou o objeto constante das conclusões de recurso de revista
excecional e, por conseguinte, os limites do litígio.
I. A questão a que o STJ respondeu e, tal como o Tribunal admite, “com fundamentos par-
cialmente diversos”, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição deste Tribunal
Superior enquanto Tribunal de Revista.
J. Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas.
K. Viola o princípio da confiança e da estabilidade jurídica do processo e das competências de
os tribunais, definidas em lei processual sobre a competência do STJ face à matéria de direito, vir
o Supremo alterar a matéria de facto dada como provada, saltando ainda os limites das conclusões
de recurso.
L. Tal decisão, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, encerra uma nulidade por excesso
de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
M. E, bem assim, a decisão, alicerçando -se em fundamentos diferentes do objeto de recurso,
é nula por extravasar o objeto do recurso, nem conter suporte para as alterações ocorridas, o que
reveste um claro excesso de pronúncia, subsumível ao artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.
N. Tendo assim proferido acórdão ferido de nulidade, quer por PRONÚNCIA INDEVIDA so-
bre questão que nunca foi levantada nos autos — a alegada incongruência sobre o momento da
confidência — quer por EXCESSO DE PRONÚNCIA sobre as razões jurídicas invocadas pelo Réu
nas suas conclusões.
O. Estão verificados todos os pressupostos, de natureza substancial e formal, exigidos para
a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, de acordo com o disposto nos
artigos 688.º e seguintes do CPC.
P. O presente Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência tem como objetivo
demonstrar que o douto Acórdão impugnado, está em oposição com o douto Acórdão fundamento,
também proferido por este Tribunal Superior, uma vez que, no modesto entendimento do Recorrente
tal despacho não contém fundamentação de facto nem de direito apta a justificar o não estabele-
cimento da filiação.
Q. Existe contradição jurisprudencial entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento no
modo como foi decidida a questão que emerge da interpretação ao artigo 1817.º, n.º 3, alínea b),
em redor do ónus da prova do momento em que o facto constitutivo ocorreu.

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