Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2021

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/5/2021/11/25/p/dre/pt/html
Data de publicação25 Novembro 2021
Gazette Issue229
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 229 25 de novembro de 2021 Pág. 12
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2021
Sumário: O acórdão da Relação que, incidindo sobre a decisão de 1.ª instância proferida ao
abrigo do n.º 3 do artigo 942.º do CPC, aprecia a existência ou inexistência da obriga-
ção de prestar contas, admite recurso de revista, nos termos gerais.
Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência n.º 1132/18.4T8LRA -C1.
S1 -A
I — AA instaurou contra CARLOS MANUEL da SILVA SANTOS — CONTABILIDADE, AU-
DITORIA e GESTÃO, L.
da
, ação declarativa com processo especial para prestação de contas
sustentada num contrato de prestação de serviços de contabilidade que vigorou entre as partes
até 31 -12 -2016.
Alegou que da execução desse contrato resultará a seu favor o saldo correspondente ao
diferencial entre as quantias que entregou à Ré, entre 1986 e 2003, acrescidas da quantia de
€ 68.770,07, e o custo dos serviços de contabilidade que a Ré lhe prestou.
A Ré contestou e, entre diversos aspetos, impugnou a existência da alegada obrigação de
prestação de contas.
O Autor respondeu.
Na 1.ª instância foi proferida decisão determinando que no prazo de 20 dias a Ré deve apre-
sentar as contas relativas à execução do contrato de prestação de serviços de contabilidade que
foi executado no ano de 2016, sob pena de não lhe ser permitido contestar as que forem apresen-
tadas pelo Autor.
Desta decisão o Autor interpôs recurso de apelação pretendendo que se declare que a obriga-
ção de prestação de contas abarca todo o período de duração do contrato de prestação de serviços
e não apenas o ano de 2016.
A Relação julgou procedente o recurso de apelação e determinou que a Ré está obrigada a
prestar contas nos termos pretendidos pelo Autor.
Inconformada com o acórdão da Relação, a Ré interpôs recurso de revista o qual foi rejeitado
neste Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na sua inadmissibilidade, tendo em conta o
disposto no n.º 4 do art. 942.º do CPC. Tendo sido requerida a intervenção da conferência, foi pro-
ferido o acórdão de 12 -1 -2021, 1132/16 — Rel. Ana Paula Boularot, em www.dgsi.pt, que confirmou
aquela decisão singular.
Transitado em julgado este acórdão do Supremo, veio a Ré interpor o presente recurso
extraordinário para uniformização de jurisprudência fundado na existência de contradição com
outro acórdão do Supremo — o Ac. do STJ, de 13 -11 -2003, 03B2826 (Rel. Santos Bernardino),
em www.dgsi.pt — que, em semelhante contexto normativo, considerou admissível o recurso de
revista.
Quanto ao mérito do recurso a recorrente concluiu, no essencial, que:
IV. Nem na letra da lei, nem no seu espírito, clarificado pela história da norma, encontramos
apoio para o entendimento de que, no contexto do processo especial de prestação de contas, as
decisões de 1.ª instância, que se debruçam sobre a obrigação de prestar contas, só admitem um
grau de recurso.
V. Podendo existir diferenças interpretativas a respeito da razão pela qual no n.º 4 do art. 942.º
do CPC se encontra uma referência à apelação, verifica -se absoluta convergência, na doutrina e
jurisprudência no que respeita àquilo que está aqui em causa, ou seja, os resultados da interpre-
tação: admissão do recurso de revista, de acordo com as regras gerais.
VI. Com a Reforma levada a cabo pelo Decreto -Lei n.º 329 -A/95, de 12 -12, a fórmula adotada
no n.º 4 do art. 1014.º -A do CPC (com total correspondência, hoje, no n.º 4 do art. 942.º do CPC
de 2013) visou tomar posição sobre um problema que atormentava a doutrina e a jurisprudência,
desde tempos recuados, sobre a espécie de recurso adequado (agravo ou apelação?) a interpor
da decisão de 1.ª instância.
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VII. No processo de prestação de contas, a última alteração legislativa do preceito em causa
(por força do Decreto -Lei n.º 329 -A/95), revogando a opção pela espécie “agravo” (na redação dada
pelo Decreto -Lei n.º 47.960, de 11 -5 -1967), quis apenas dispor que é de apelação o recurso próprio
para impugnar decisão — de mérito — proferida sobre a existência ou inexistência de obrigação
de prestar contas.
VIII. Após o Decreto -Lei n.º 303/07, de 24 -8, ter adotado o regime monista de recursos (elimi-
nando o agravo), o n.º 4 do art. 942.º continuou a ser um preceito útil ao fixar o modo de subida (no
caso em apreço, subida imediata) e o efeito do recurso (efeito suspensivo) da apelação, desviando-
-se (apenas) nesse ponto das regras gerais dos artigos 645.º e 647.º do CPC.
IX. Incorrendo em inexatidão o acórdão quando afirma que o n.º 4 do art. 942.º se revela hoje
despiciendo, face às regras gerais de admissibilidade de recurso de apelação, apelando à letra da
alínea a) do n.º 1 do art. 644.º do CPC, o qual, todavia, pressupõe que a decisão em 1.ª instância
“ponha termo à causa”, ou seja, “determine a extinção total da instância”, o que aqui se não verifica.
X. O n.º 4 do art. 942.º do CPC não trata — nem nunca tratou nas correspondentes normas
que o antecederam — da recorribilidade do acórdão que venha a ser proferido pelo Tribunal da
Relação, como assim foi decidido no acórdão fundamento, em manifesta divergência com o pro-
pugnado no acórdão recorrido.
XI. Em matéria de recursos, em tudo aquilo que no processo especial não estiver regulado,
aplicar -se -ão as disposições gerais. Tal diretriz prática decorre expressamente do n.º 1 do art. 549.º
do CPC.
XII. Ou seja, em tudo o que não estiver especialmente regulado, vigoram as regras gerais do
recurso. Por isso, no que diz respeito à admissibilidade do recurso de revista, como corretamente
se sufraga no acórdão fundamento, aplicar -se -ão as regras gerais atinentes ao processo comum
declarativo (ao tempo processo com forma ordinária).
XIII. O n.º 4 do art. 942.º do CPC nasceu historicamente para eliminar dúvidas sobre a espécie
de recurso a interpor da decisão proferida pela 1.ª instância, sem contender com os critérios gerais
de admissibilidade de recurso.
XIV. Ao optar pelo recurso de apelação, desde a reforma processual de 1995, o legislador
quis fixar o modo de subida e o efeito específico para aquela espécie de recurso no contexto do
processo especial em apreço. A respeito do recurso do acórdão da 2.ª instância para o Supremo
nada diz, nem tinha de dizer. Por isso, nesta matéria, aplicar -se -ão as regras gerais do recurso
de revista, como muito bem foi sufragado no acórdão fundamento, em frontal divergência com o
acórdão recorrido.
XV. Em termos de técnica legislativa, invoque -se ainda um outro argumento: quando o legis-
lador processual quer excluir a admissibilidade do recurso de revista, a fórmula é categórica, não
deixando margem a quaisquer dúvidas. Tome -se em consideração, a título exemplificativo, a redação
de duas hipóteses legais: a do n.º 2 do art. 370.º e a do n.º 4 do art. 662.º do CPC.
XVI. No acórdão recorrido, é também com alguma inexatidão que se invoca a 1.ª parte do
n.º 3 do art. 942.º do CPC, somente aplicável em casos de apreciação sumária do objeto da causa,
omitindo (ou desprezando) a ressalva do regime a adotar nos demais litígios (2.ª parte do n.º 3). Tal
afirmação só seria, em teoria, aceitável, se o Supremo se tivesse debruçado sobre o caso em apreço
para aferir se a questão foi sumariamente decidida. Ora, no caso em discussão, a complexidade
factual e de direito inerente ao litígio obstaram a qualquer decisão sumária, tendo -se seguido os
termos do processo comum declarativo, o que passou despercebido.
XVII. Ao rejeitar o recurso de revista (não obstante estarem verificados os pressupostos gerais
de admissibilidade), o acórdão recorrido fez uma errada interpretação da lei, descurando os diversos
fatores hermenêuticos dos quais deve lançar mão o intérprete para desvendar o verdadeiro sentido
e alcance dos textos legais, violando, entre mais, os artigos 629.º, n.º 1, e 671.º do CPC.
O Autor contra -alegou e concluiu nos termos seguintes:
1.ª - O recurso para uniformização de jurisprudência que antecede e apresentado pela recor-
rente é, na modesta opinião do ora recorrido, inadmissível, por não se verificar, pelo menos, um
dos pressupostos previstos pelo n.º 1 do art. 688.º do CPC.

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