Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2022

Data de publicação10 Maio 2022
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/4/2022/05/10/p/dre/pt/html
Número da edição90
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 90 10 de maio de 2022 Pág. 8
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2022
Sumário: No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa
fracção se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permi-
tida a realização de alojamento local.
Acordam, no Pleno das Secções Cíveis, do Supremo Tribunal de Justiça
I — Relatório
1 — AA (A.) intentou, em 13/12/2016, acção declarativa, sob a forma de processo comum,
contra BB e CC (R.R.), alegando, no essencial, o seguinte:
a) O prédio urbano composto de cave, rés -do -chão e quatro andares, sito na freguesia da …do
…, foi constituído em regime de propriedade horizontal mediante escritura pública outorgada em
11/03/2008, compreendendo 16 fracções autónomas designadas pelas letras A a Q;
b) Nos termos dessa escritura e do documento complementar a ela anexo, as fracções autó-
nomas designadas pelas letras A e B, localizadas no rés -do -chão, estão destinadas a comércio e
as restantes, localizadas nos 1.º a 4.º andares, destinam -se a habitação;
c) A fracção C, localizada no 1.º andar, é propriedade do R. BB e a fracção E é propriedade
do ora A.;
d) Em Março de 2016, começaram a ser prestados, na referida fracção C, serviços de aloja-
mento temporário a turistas, mediante remuneração, sendo que o R. BB, sob a designação comercial
P…H…, tem publicitado na Internet e disponibilizado aquela fracção mobilada e equipada para
alojamento a turistas e como alojamento temporário, inferior a 30 dias, prestando ainda serviços
remunerados de limpeza;
e) Para tanto, o mesmo R. cedeu essa fracção à R. CC, sua mãe, que procedeu ao registo da
actividade de alojamento local na Câmara Municipal d…e no Turismo de Portugal, I. P.;
f) Porém, não foi solicitado aos demais condóminos qualquer consentimento para a referida
exploração da fracção C, nem estes concordam com a utilização que lhe tem vindo a ser dada,
diversa do destino para habitação indicado no título constitutivo da propriedade horizontal;
g) Sucede que a rotatividade e a aleatoriedade dos utentes aumentam inevitavelmente o risco
de perturbação ao descanso, a insegurança, o desgaste e a sujidade das partes comuns, sempre
em prejuízo dos demais condóminos, que vêem o seu imóvel desvalorizado e com despesas adi-
cionais, sem retirar qualquer proveito;
h) A par disso, os utentes alojados passam a ter acesso e a usar o espaço de garagem, reser-
vado e exclusivo para o estacionamento de veículos dos condóminos moradores.
i) Assim, o sobredito uso da fracção C infringe o disposto nos artigos 1419.º e 1422.º, n.º 2,
alínea c), do CC.
Concluiu a pedir que:
1) — Fosse declarada ilegal a utilização da fracção autónoma designada pela letra C dada
pelos R.R. para estabelecimento de alojamento local;
2) — Fossem os R.R. condenados a cessar imediatamente essa utilização e a reintegrar a
fracção no seu destino específico para habitação;
3) — Fossem ainda os R.R. condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compul-
sória, no valor de € 150,00/dia, a contar da data do trânsito em julgado até efetiva cessação do
alojamento.
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Diário da República, 1.ª série
2 — Os R.R. apresentaram contestação em que, aceitando serem prestados serviços de alo-
jamento temporário a turistas na fracção em referência, sustentaram, em resumo, que:
a) A utilização dada à fracção em causa se enquadra no regime jurídico de alojamento local
previsto no Decreto -Lei n.º 128/2014, de 29/08, alterado pelo Decreto -Lei n.º 63/2015, de 23/04;
b) O 1.º R. adquiriu essa fracção para a sua habitação, mas, por razões profissionais, passou
a residir também no estrangeiro, sendo -lhe legítimo destiná -la a alojamento local, o que não des-
caracteriza o destino para habitação que lhe é dado no título constitutivo;
c) Como utilizadores do edifício, as pessoas a quem cede a habitação tem o direito a aparcar
o veículo na garagem.
d) A vingar a tese do A., estariam a ser coartados os poderes que assistem ao R. como pro-
prietário da fracção C, tanto mais que nem todas as fracções do prédio se destinam a habitação.
Concluíram pela improcedência da acção e consequente absolvição dos R.R. de todos os
pedidos.
3 — Por despacho proferido a fls. 68, foi o A. convidado a fazer intervir os demais condóminos,
por se afigurar ser de evitar a preterição de litisconsórcio necessário, o que foi requerido e ordenado,
não tendo os chamados deduzido qualquer articulado.
4 — Por fim, foi proferido saneador -sentença a julgar a acção totalmente procedente, conforme
fls. 125 -130, decidindo -se:
a) Declarar “ilegal” a utilização para estabelecimento de alojamento local que é dada pelos
R.R. à fracção autónoma designada pela letra C;
b) Condenar os Réus a cessar imediatamente a utilização que fazem da fracção C e reintegrá-
-la no seu destino específico de habitação;
c) Condenar os Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário
de € 150,00, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetiva cessação da
actividade de alojamento local.”
5Inconformados com essa decisão, os R.R. interpuseram recurso para o Tribunal da Re-
lação d…, que julgou improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença recorrida,
conforme o acórdão de fls. 184 -192.
6 — Novamente inconformados, os R.R. interpuseram revista excepcional, ao abrigo dos pres-
supostos previstos no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPC, convocando, nomeadamente,
como acórdão -fundamento o aresto proferido pela Relação do Porto, de 15/09/2016, no processo
n.º 4910/16.5T8PRT -A.P1, reproduzido a fls. 214 -224.
A revista excepcional foi admitida pela formação dos três Juízes deste Supremo a que se refere
o n.º 3 do artigo 672.º do CPC, considerando -se, para tanto, bastar a verificação do pressuposto
previsto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, dada a sua abrangência.
7 — O Supremo Tribunal, por acórdão de 23 -01 -2020, negou provimento à revista e confirmou
o acórdão da Relação.
8 — Os réus, BB e CC, vieram interpor, a 03 de Março de 2020, RECURSO PARA UNIFOR-
MIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, alegando o seguinte (transcrição):
1.1 — No acórdão recorrido, foi entendido que:
— a actividade de alojamento local não integra o conceito de habitação como fim dado às
fracções autónomas no título constitutivo da propriedade horizontal;
— o conceito de habitação, como destino da fracção autónoma, mostra -se qualitativamente
distinto do conceito de utilização da mesma para alojamento local;
— a actividade de exploração de alojamento local, tal como se encontra regulada no Decreto-
-Lei n.º 128/2014, de 29/08, reveste natureza comercial.
1.2 — No acórdão -fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 28 -03 -2017,
no processo n.º 12579/16.0T8LSB.L1.SI, transitado em julgado, foi entendido que:
— o arrendamento da fracção a turistas por curtos períodos, designado por alojamento local,
não é um acto de comércio;

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