Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2021

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/1/2021/06/11/p/dre
Data de publicação11 Junho 2021
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2021

Sumário: Os actos inseridos na tramitação dos processos qualificados como urgentes, cujos prazos terminem em férias judiciais, são praticados no dia do termo do prazo, não se transferindo a sua prática para o primeiro dia útil subsequente ao termo das férias judiciais.

Processo n.º 1855/13.4TBVRL-B.Gl-B.Sl-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)

Recorrente - CC - Novo Banco S. A. e outros.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis

Relatório

Ilídio Gomes & C.ª Lda. requereu nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º n.º 1, a), 3.º, 20.º e 23.º, n.º 2, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a Declaração de Insolvência de Pessoa Coletiva de Jorge Sebastião Vaz & C.a). Lda., sociedade comercial por quotas, alegando ter créditos sobre esta, decorrentes do fornecimento de materiais no valor global de 12. 743,37 (euro), que não foram pagos e deram origem a procedimento injuntivo e a providência cautelar onde, no processo que se lhe encontrava apenso, foi realizada transação da qual a requerida apenas pagou uma prestação mantendo por liquidar 10.198,44 (euro); a requerida tinha outros credores e encontrava-se impossibilitada economicamente de cumprir as suas obrigações vencidas.

Foi proferida sentença que declarou a situação de insolvência da requerida Jorge Sebastião Vaz & C.ª, Lda. e foi determinado o complemento da sentença (artigo 39.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E.), fixando-se o prazo de 30 dias para apresentação das reclamações de créditos.

Apresentada a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos - cf. artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E. e instruído o respectivo apenso veio a ser proferida sentença de graduação de créditos.

Desta sentença recorreu o credor reclamante Novo Banco S. A. por não se conformar com o privilégio imobiliário especial reconhecido aos trabalhadores AA, BB, CC e DD, sobre o prédio urbano, correspondente ao lote n.º 1 e, em consequência, graduou os créditos laborais, no que concerne ao referido imóvel, com primazia sobre o crédito hipotecário do Novo Banco, SA.

O Tribunal da Relação decidiu "Julgar improcedente o recurso interposto por EE e mulher FF, e julgar procedente o recurso interposto pelo Novo Banco, SA, e em consequência declarar que os créditos laborais de que são titulares AA, BB, CC e DD não beneficiam do referido privilégio imobiliário especial que lhes fora reconhecido, (...)"

A credora reclamante CC recorreu dessa decisão.

O recurso não foi admitido pela Relação por entender não ser a decisão recorrível.

Desta decisão reclamou a recorrente, reclamação que, por ter sido atendida, admitiu o recurso de revista interposto.

No recurso de revista foi proferido acórdão que lhe concedeu provimento e determinou a anulação do acórdão recorrido.

O Tribunal da Relação proferiu novo acórdão que julgou "improcedente o recurso interposto por EE e mulher FF, e procedente o recurso interposto pelo Novo Banco SA, e em consequência declarar que os créditos laborais de que são titulares AA, BB, CC e DD não beneficiam do referido privilégio imobiliário especial que lhes fora reconhecido, (...)".

Desta decisão interpôs recurso a credora reclamante CC.

O Tribunal da Relação proferiu a seguinte decisão:

"O art. 14.º, 1 CIRE tem vindo a ser interpretada por Jurisprudência do STJ no sentido de só coarctar o recurso para o Supremo no próprio processo de insolvência nos embargos opostos à sentença que a declarar, e já não nos incidentes processados por apenso, como é agora o caso (Acórdão do STJ de 12 de Agosto de 2016, Relator Nuno Cameira).

Isto dito, verificam-se os requisitos gerais de recorribilidade, pois a decisão é desfavorável à recorrente e revogou a decisão recorrida. Porém, o prazo para interpor recurso de revista era e é de 15 dias; e por se tratar de processo urgente (arts. 138.º,1 e 677.º CPC e art. 9.º CIRE), tal prazo corria mesmo em férias judiciais.

A recorrente considera-se notificada a 15/7/2019 (notificação enviada a 11/7/2019), pelo que o prazo terminou a 30/7/2019.

O requerimento de interposição de recurso só entrou em 2/9/2019.

O decurso deste prazo peremptório extinguiu o direito a praticar o acto (art. 139.º, 3 CPC).

Pelo exposto, não admito o recurso. "

Desta decisão reclamou a recorrente e, após decisão singular ter indeferido a reclamação, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 5 de Maio de 2020, que confirmou a decisão singular reclamada e, em consequência, não admitiu a revista.

Deixou-se expresso nessa decisão que:

"A questão a decidir é, assim, a de saber se o acto processual de interposição, respeitante a processo urgente, pode ocorrer fora do respetivo prazo contínuo, a correr em férias judiciais, incluindo o prazo para interposição de recurso, uma vez aplicado o art. 137 n.º 1 e 2, que afastaria a aplicação dos arts. 138 n.º 1, 638 n.º 1 e 677 do CPC.

O processo em causa, uma vez não incluído no âmbito especial recursivo do art. 14 n.º 1, do CIRE, tem a sua disciplina processual resultante da remissão feita pelo art. 17.º, 1, do CIRE, salvaguardada pela estatuição do art. 9.º, 1, do CIRE («O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.»), em referência ao art. 148.º do mesmo CIRE.

Regem assim, nesta matéria de aferição do prazo recursivo, os arts. 638.º, 1 («O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.»), e 677.º do CPC, em conjugação com os arts. 138.º, 1, 139.º, 3, e salvaguardadas as situações de tempestividade anómala previstas nos arts. 139.º, 4, e 140.º ("justo impedimento"), e 139.º, 5 e ss (prorrogação em prazo adicional de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, condicionada ao pagamento de multa pelo beneficiário desta dilação), do CPC.

Sendo o processo qualificável como urgente, o prazo-regra de prática dos actos é 15 dias. É um prazo contínuo que não se suspende em férias judiciais, tendo em conta que a lei considera o processo urgente - art. 138.º, 1, do CPC. E é um prazo peremptório, que demanda o art. 139, 3, do CPC («o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato ").

Não foram invocadas situações de "justo impedimento" nem a prática do acto no "prazo de complacência" com pagamento de multa.

Antes a Reclamante invoca que a sanção letal do art. 139, 3, em conjugação com a continuidade do prazo e a sua não suspensão de contagem durante o período de férias judiciais, deve ser paralisada pela aplicação do art. 137, 1 e 2, do CPC: «1 - Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.

Excetuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável.»

Tais disposições pretendem impedir que a circunstância de não haver actividade processual durante um certo lapso de tempo possa fazer perigar interesses merecedores de tutela incompatível com delongas. Neste caso, devem ser praticados nos dias de encerramento dos tribunais e em férias judiciais os actos previstos no n.º 2 do art. 137, assim como os actos destinados a evitar dano irreparável. Entre estes encontram-se justamente os actos a praticar em processos que é a própria lei a qualificar como urgentes, como ocorre com o processo de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos. Interpretar de outra forma o art. 137.º, 2, em conjugação com o seu n.º 1, no sentido de que as regras cogentes sobre os prazos pudessem ser ultrapassadas nas situações particulares e merecedoras de previsão legal diferenciada, desde que o interessado invocasse a falta de dano apreciável, seria abrir a porta a factores de intolerável imprevisibilidade na fluidez dessas tramitações processuais com consideração especial, como é o caso dos autos, e uma caução para dispensar o princípio da auto-responsabilidade das partes, decisivo e estruturante no processo civil, nomeadamente quanto à consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da inobservância de prazos peremptórios ou preclusivos (como no caso sucede). Sendo certo que a fixação de prazos peremptórios serve de compulsão à prática do acto, estimulando o conhecimento e o cumprimento legal com diligência pela parte onerada. 11. Destarte, o art. 137.º, 2, não excepciona, antes confirma a aplicação dos arts. 138.º, 1, 2.ª parte, CPC, 9.º, 1, CIRE, 638.º, 1, 677.º, CPC, de modo que o recurso foi interposto manifestamente fora de prazo, pois continuou a correr em férias judiciais de Verão (16 de Julho a 31 de Agosto: art. 28.º da LOSJ - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).

Não existem motivos para afastar a fundamentação do despacho nem vício ou motivação que motive o seu falecimento.

Na verdade, o estabelecimento de prazos para a prática dos actos processuais serve não apenas os interesses das partes em que o processo seja célere, mas serve também um interesse geral de fluidez na administração da justiça. E tais interesses ainda mais se acentuam quando a lei indica prazos mais curtos para os processos qualificados como urgentes e, sendo urgentes os processos, a lei determina que não se suspende a contagem dos prazos dos seus actos em período de férias judiciais. Interpretar o art. 137.º, 1 e 2, no sentido de permitir - a coberto de uma interpretação casuística de que determinados actos processuais não são "actos que se destinem a evitar dano irreparável" - que os arts. 138.º, 1 («O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei...

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