Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2020

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/4/2020/05/18/p/dre
Data de publicação18 Maio 2020
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2020

Sumário: «O n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, no qual se estabelece a possibilidade excepcional da redução ou dispensa da multa pela prática de acto processual fora do prazo, é aplicável em processo penal.»

Processo n.º 2613/16.0T8MAI-A.P1-A.S1

(Fixação de jurisprudência)

Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - AA, na qualidade de arguido, veio, em 13 de Abril de 2018 e em tempo, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação do Porto proferido no Proc. n.º 2613/16.0T8MAI-A.P1 em 31 de Maio de 2017 e transitado em julgado em 8 de Março de 2018, com fundamento em que se encontra em oposição relativamente à mesma questão de direito, de dispensa do pagamento da multa devida pela interposição de recurso ao 3.º dia após termo do prazo, de acordo com o disposto no n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil na actual redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (anterior n.º 8 do art.º 145.º) e no domínio da mesma legislação, com o acórdão da mesma Relação proferido em 23 de Outubro de 2013 no Proc. n.º 401/07.3GBBAO-B.P1 (acórdão fundamento), publicado em www.dgsi.pt e transitado em julgado em 25 de Novembro de 2013.

Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a conferência da 5.ª secção julgou em acórdão verificada a oposição de julgados e determinou o seu prosseguimento.

Notificados os interessados, o Ministério Público apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

"1. O aditamento do art.º 107.º-A do CPP não altera a solução anteriormente plasmada na lei.

2. Na tarefa interpretativa deve atender-se ao elemento literal, averiguar-se quais os valores subjacentes à criação do preceito legal, qual o contexto histórico geral em que surgiu e qual a integração que o preceito tem no conjunto das normas onde se insere (elementos teleológico, histórico e sistemático).

3. Não está demonstrada uma intenção em diferenciar o regime do CPP e do CPC já que, embora o preâmbulo do DL 34/2008, de 26.02 nada adiante quanto ao sentido e alcance da norma, a Lei nº 26/2007, de 23.07, no art.º 2.º, n.º 3, refere que o sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à alteração do Código de Processo Penal, é, entre outros, o de "estabelecer um regime de multas processuais para a prática extemporânea de actos processuais, possibilitando a aplicação das regras constantes sobre a matéria do Código de Processo Civil".

4. O art.º 107.º-A não deve ser lido isoladamente mas, antes, integrado no quadro normativo em que se insere.

5. O legislador pretendeu, pela prática extemporânea de actos processuais, estabelecer sanções pecuniárias inferiores ao CPC e, na parte em que remete para os números 5 a 7 do art.º 145.º do CPC, quis evidenciar que se manteria o regime da validade do acto, dos procedimentos de notificações e ainda dos prazos para pagamento.

6. O art.º 107.º-A ressalva que o regime nele estabelecido é aplicado "sem prejuízo no disposto do artigo anterior", pelo que o n.º 5 continua a ter um campo de aplicação, neste particular, o número 8 do art.º 145.º do CPC [actual art.º 139.º, n.º 8].

7. Se o legislador pretendeu estabelecer valores inferiores para as sanções em processo penal, não faria sentido considerar que o mesmo pudesse ser insensível a situações em que, por manifesta insuficiência económica ou quando o respectivo montante se revelasse manifestamente desproporcionado, se justificasse que o juiz excepcionalmente determinasse a redução ou, até mesmo, a dispensa da multa.

8. Embora a questão se venha colocando desde o aditamento do art.º 107.º-A, tanto este preceito como o art.º 107.º nº 5, mantiveram-se intactos não obstante as alterações ulteriormente introduzidas ao Código de Processo Penal.

9. Uma correcta interpretação da lei leva a que se conclua que continua a estar expressamente plasmada a solução de que o n.º 8 do actual art.º 139.º do CPC se aplica ao Processo Penal

10. Em conclusão, se um acto processual é praticado fora do prazo, independentemente de justo impedimento, nos termos do art.º 107.º n.º 5 do CPP, é aplicável o disposto no art.º 145.º n.º 8 do CPC Velho [actual n.º 8 do art.º 139.º do CPC].

Propõe-se, pois, que o conflito de jurisprudência existente entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo nº 2613/16.0 T8MAI-A.P1-A.S1 e o acórdão proferido por esse mesmo tribunal no processo 401/07.3 GBBAO-B.P1 seja resolvido nos seguintes termos:

No processo penal, o juiz pode, excepcionalmente, determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, nos termos do artigo 139.º n.º 8 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 107.º n.º 5 do CPP".

Também o recorrente alegou, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

"1. A oposição de julgados centra-se na questão da aplicabilidade do art.º 139.º n.º 8 do Código de Processo Civil ao domínio do direito processual penal.

2. Não há qualquer dúvida de que o legislador estabeleceu diferentes penalidades para a prática de actos processuais, de forma extemporânea, nos Códigos de Processo Civil (art.º 139.º n.º 5) e Processo Penal (art.º107.º-A).

3. Assumiu de forma expressa a possibilidade de dispensa da multa na legislação processual civil (art.º139.º n.º 8).

4. Resta saber se não o pretendeu fazer no domínio da legislação processual penal ou se, pelo contrário, considerou que a legislação existente já consagra essa possibilidade.

5. Conforme se antevê, optamos pela última hipótese, por uma dupla razão.

6. Logo em primeira linha, pelo estabelecido no art.º 4.º do Código de Processo Penal, que manda aplicar as normas do processo civil que sejam harmonizáveis com o processo penal.

7. Depois, e de forma mais expressa, o disposto no n.º 5 do art.º 107.º do mesmo diploma, que estatui que «independentemente do justo impedimento pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.»

8. Ora, se uma das consequências da prática do acto processual num dos três dias subsequentes à verificação do prazo normal, no âmbito do processo civil, é o pagamento de multa, mas também o poder reduzir ou dispensar o seu pagamento a quem o praticou, não vemos como conciliar a sua não aplicação ao processo penal com o teor daquele normativo, tendo o art.º 139.º n.º 8 do Código de Processo Civil aplicação no processo penal.

9. Seria insustentável, no quadro constitucional vigente, que só em processo civil pudessem os interessados ver reduzido ou dispensado o pagamento de multa, por apresentação tardia em juízo de peças processuais.

10. Nessa medida, com o devido respeito, somos a considerar que o sentido em que se deverá fixar jurisprudência será o seguinte: "O art.º 139.º n.º 8 do Código de Processo Civil tem aplicação no domínio do direito processual penal, em virtude do disposto nos art.os 4.º e 107.º n.º 5 do Código de Processo Penal".

2 - Colhidos os vistos, o processo foi à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.

3 - Antes, porém, porque o pleno pode decidir em sentido contrário ao da conferência da secção (art.os 692.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP), importa reapreciar a questão da oposição de julgados.

O circunstancialismo factual retratado nos autos é o seguinte:

a) - No Proc. n.º 2613/16.0T8MAI-A.P1, de natureza contra-ordenacional, onde foi proferido o acórdão...

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