Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2017

Data de publicação18 Setembro 2017
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2017

Acórdão do STA de 07-06-2017, no Processo n.º 1471/14 do Pleno da 2.ª Secção

1 - Relatório

A..., melhor identificado nos autos, dirigiu ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e o artigo 152.º n.º1 do CPTA, recurso da decisão arbitral proferida no processo n.º 453/2014-T de 20 de Novembro de 2014 que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência manteve o acto tributário.

Invoca para o efeito, a oposição dessa decisão com os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 3.12.2013 e 8.1.2014 proferidos nos processos n.os 1582/13 e 1078/12 quanto à questão de saber, se o facto tributário subjacente à tributação de mais-valias resultantes de alienação onerosa de partes sociais é um facto instantâneo ou se trata antes de um facto continuado e se as alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26/7, se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à entrada da referida lei.

Invoca, também, a oposição da decisão arbitral com os acórdãos do TCA Norte de 28/02/2013 e 1/4/2014 proferidos no processo n.º 00011/04 e 808/11, quanto à questão dos efeitos jurídicos da não notificação ao mandatário constituído do projecto de relatório e do relatório final de inspecção.

Admitido o recurso pelos despachos a fls. 227, 360, 360 verso e 417 dos autos foram as partes notificadas para apresentar alegações tendentes a demonstrar a oposição entre a decisão arbitral e os vários acórdãos fundamento, nos termos do artigo 284.º, n.º 3 e n.º 4 do CPPT.

A... apresentou alegações de recuso para demonstrar as razões que devem conduzir à oposição de julgados, articulando para o efeito, as seguintes conclusões:

«1 - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 - art. 5.º da Lei n.º 15/2010) - Ac. do STA de 4.12.2013, Processo n.º 1582/13.

2 - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC).

3 - Sendo o rendimento anual para efeitos de IRS um facto complexo de formação sucessiva, na ausência de norma expressa em sentido diverso, poderá aplicar-se, sem retroactividade própria ou autêntica, a lei nova aos factos que o integram ocorridos a partir da sua entrada em vigor (artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).

4 - No procedimento tributário, a lei releva toda e qualquer ilegalidade que ocorra anteriormente à prolação da decisão final, por força do princípio da impugnação tributária consagrado no art.º 54.º do CPPT, sendo que, no procedimento de inspecção tributária, o mesmo princípio se acha decantado no artigo 11.º do RCPIT.

5 - No procedimento tributário, a lei (CPPT e LGT), em ponto algum, se encontra consagrada a regra de que a violação de um preceito legal impositivo, traduzido na omissão de prática de um acto legalmente devido, consubstancia uma ilegalidade imputável à decisão final que se degrada em mera irregularidade: ao contrário, o CPP releva (artº 99º, alínea d) do CPPT) como fundamento de impugnação judicial "preterição de outras formalidades legais" (para além da falta de fundamentação).

6 - A circunstância de o procedimento de inspecção tributária ter uma natureza abrasiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, de carácter patrimonial do contribuinte, demanda que a ilegalidade nele cometida de falta de notificação ao advogado constituído pelo contribuinte e em nome do qual exerceu o direito de audição do relatório final da inspecção tributária não se possa degradar em mera irregularidade.

7 - Sem notificação perfeita do projecto de relatório e do relatório de inspecção tributária, não está concluído o procedimento de inspecção e, consequente e forçosamente, não se pode avançar para a prolação do acto de liquidação, por falta de verificação de um pressuposto legal de formação e conformação da vontade administrativo-tributária (art.º 62.º, n.os 1 e 2 do RCPIT).

8 - A falta de notificação do relatório final de fiscalização ao advogado constituído no procedimento de inspecção, de acordo com o Acórdão desse Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, de 28/02/2013, proferido no Proc. 00011/04.7BEBRG, disponível no site www.dgsi.pt/jtcn "retira-lhe a eficácia em relação ao acto principal da liquidação ou seja, a preterição desta formalidade inquina as liquidações em causa".

9 - A notificação prevista no n.º 2 do art.º 62.º do RCPIT cumpre não só uma função de dar conhecimento do contribuinte de qual foi o resultado final da inspecção tributária em função do qual a administração tributária tem de conformar a sua vontade no acto tributário, como a de assinalar o momento da conclusão do procedimento de inspecção, dimensão esta com efectivo relevo material, nomeadamente, para efeitos de caducidade do direito à liquidação (cf. art.º 46.º da LGT).

10 - As notificações legalmente devidas (exceptuadas as que tivessem em vista a prática pelo interessado de acto pessoal) só podem ser efectuadas legalmente na pessoa do advogado do contribuinte no caso de estar constituído, de acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 40.º do CPPT.

11 - A posição de admitir que, em caso de o contribuinte haver constituído advogado no procedimento de inspecção tributária, a administração possa escolher a notificação ao contribuinte em vez da notificação ao advogado interfere, de forma gravemente atentatória do direito fundamental da autodeterminação e liberdade de decisão decorrentes do direito de personalidade e capacidade jurídicas, nas relações de confiança e de boa-fé que o exercício do mandato pressupõe existir entre o advogado e o seu constituinte, e viola o direito e garantia constitucional dos administrados a uma tutela efectiva e eficaz dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, consagrados nos artigos 268.º e 20.º da CRP.

12 - A notificação de um acto ou procedimento tributário tanto pode ser encarada como acto formal a integrar a formação da vontade de um acto ou órgão como também pode ser encarada como condição de eficácia do acto notificando.

13 - No primeiro caso, a sua omissão ou falta constitui preterição de formalidade legal não passível de impugnação autónoma mas sim no acto definitivo ou principal in casu nos termos aliás do disposto no artigo 11.º do RCPIT.

14 - Quando a notificação é condição de eficácia do acto notificando a sua falta não contende com a perfeição do acto notificando mas determina a sua inexigibilidade e uma ineficácia interna superveniente desse mesmo acto.

15 - A interpretação do art.º 40.º, n.os 1 e 2, do CPPT, no sentido de irrelevar a ilegalidade positivamente cometida pela administração de notificação do contribuinte em vez do seu advogado constituído e de irrelevar a ilegalidade negativamente cometida pela mesma administração de omissão do advogado constituído pelo contribuinte), viola o direito e garantia constitucional dos administrados a uma tutela efectiva e eficaz dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, consagrados nos artigos 268.º e 20.º da CRP.

16 - Foram violadas as seguintes normas: art. 5.º da Lei n.º 15/2010; artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS; artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC; artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária; art.º 54.º do CPPT; art.º 11.º do RCPIT; art.º 99.º, alínea d) do CPPT; art.º 62.º, n.os 1 e 2 do RCPIT; nos n.os 1 e 2 do artigo 40.º do CPPT; artigos 268º e 20.º da CRP.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provido e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, anulando-se a liquidação impugnada, com todas as legais consequências.»

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou as suas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:

«I. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, tem por base a alegada oposição entre decisão proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 453/2014-T (adiante designada por Decisão arbitral) e um manancial de Acórdãos proferidos quer por esse colendo Supremo Tribunal no âmbito do processo n.º 1582/13 de 03.12.2013 e 1078/12 de 08.01.2014 relativamente à questão de saber se o facto tributário subjacente à tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais é um facto instantâneo ou um facto continuado; quer relativamente à questão dos efeitos jurídicos da não notificação ao mandatário constituído no projecto de relatório e do relatório final, o que no entendimento do Recorrente, a decisão arbitral se encontra em confronto com os Acórdãos proferidos no TCAN no âmbito do Proc. n.º 00011/041BEBRG de 28.02.2013 e 808/11.1BECBR de 01.04.2014;

II. A referida decisão arbitral foi proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral, formulado pela ora Recorrente, tendente à declaração de ilegalidade e consequentemente, à anulação do acto de liquidação de IRS referente ao ano 2010 no montante global de (euro) 155.588,20, na qual entendeu que o facto tributário decorrente da alienação de participações sociais, com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, é um facto de formação sucessiva, entendendo ainda que o regime do IRS, constitui um regime especial em relação à LGT, sendo de afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT, entendendo ainda o Tribunal Arbitral, quanto à alegada preterição...

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