Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2017

Data de publicação05 Julho 2017
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2017

Revista n.º 6592/11.1 TBALM.Ll.S1

Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

I - AEBT - Auto-Estradas do Baixo Tejo, S. A., veio requerera expropriação por utilidade pública urgente de uma parcela de terreno a destacar de um prédio rústico pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Almada, tendo em vista a execução de trabalhos de construção do Lanço IC-32, Casas Velhas/Palhais e respectiva ligação ao Funchalinho.

Tratava-se de uma parcela com a área de 13.404 m2, a destacar do prédio denominado "Brejos", sito na Quinta dos Brejos, Caparica, Almada, descrito na 1.ª CRP de Almada sob o n.º 2.990 e inscrito na matriz rústica sob o art. 43.º, secção P, da referida freguesia.

Declarada a utilidade pública dessa expropriação, com carácter de urgência, a entidade expropriante foi autorizada a tomar a posse administrativa da parcela.

Realizada a arbitragem, foi proferido acórdão arbitral que fixou em (euro) 92.879,00 o valor da indemnização devida à expropriada, subdividida entre (euro) 46.279,00 referente à parcela de 1.754 m2, classificada como "solo apto para construção", e (euro) 46.600,00 para a parcela de 11.650 m2, classificada como "solo para outros fins" e integrada na Reserva Ecológica Nacional (doravante REN).

A expropriada interpôs recurso do acórdão arbitral para o Tribunal Judicial que, após diligências de prova, proferiu sentença que fixou a indemnização em (euro) 135,892,68, actualizada, desde a data da declaração de utilidade pública até à decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação. Este valor resultou do somatório da indemnização de (euro) 58.500,00 relativa à parcela de terreno não inserida na REN (classificada como solo apto para construção), (euro) 63.003,68 para a parcela de terreno inserida na REN (classificada como solo para outros fins) e (euro) 14.639,00 pela depreciação das áreas sobrantes.

Da referida sentença interpôs recurso de apelação a expropriada no qual alegou, relativamente à parcela integrada na REN, que a avaliação deveria obedecer ao critério previsto no art. 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações de 1999, e não ao do art. 27.º para os prédios rústicos, pelo facto de ter sido destinada pelo Plano Director Municipal de Almada (doravante PDMA) a "espaço canal" para a construção de uma rodovia.

A Relação confirmou a sentença de 1.ª instância, mas a expropriada, inconformada mais uma vez com o decidido, interpôs o presente recurso de revista no qual insiste na mesma questão de direito. Fundou a admissibilidade da revista na verificação de uma contradição entre o teor do acórdão recorrido e o do acórdão de 17-12-2015, ambos do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a mesma questão essencial de direito em torno da identificação do critério adequado à avaliação expropriativa de parcelas integradas na REN.

O acórdão recorrido, relativamente à parcela de terreno de um prédio rústico incluída na REN e que pelo PDMA era destinada a "espaço canal", decidiu que a avaliação deveria efectuar-se mediante a aplicação do critério previsto no art. 27.º destinado a "solos para outros fins". Já no acórdão fundamento, relativamente a uma parcela com características semelhantes e a que foi dada a mesma utilização, defendeu-se a aplicação analógica da norma do art. 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações, por se tratar de "solo classificado para a instalação de infra-estruturas".

Em face da referida contradição jurisprudencial centrada na sujeição ou não da expropriação da aludida parcela ao critério definido pelo art. 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações, foi admitido o recurso de revista, por despacho do ora relator, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, ressalvado pelo art. 66.º, n.º 5, do Cód. das Expropriações.

Nele foram suscitadas as suscitadas as seguintes questões essenciais:

a) A parcela de 11.650 m2 está classificada pelo PDMA como "espaço canal" e também é condicionada pela REN, mas aquele Plano atribui-lhe capacidade edificativa para a construção de uma via de comunicação rodoviária.

b) Assim, deve ser classificada como solo apto para construção, nos termos do art. 25.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Cód. das Expropriaçõese, por ter sido adquirida pela expropriada em data anterior ao PDMA, deve ser avaliada de acordo com o art. 26.º, n.º 12, aplicável por analogia;

c) A qualificação dessa parcela como terreno apto a outros fins, desprovida de qualquer capacidade edificativa, determina uma indemnização inadequada e injusta, violando o princípio da justa indemnização; com efeito, o valor indemnizatório fixado ((euro) 135.892,52)é substancialmente menor do que o que teria se fosse qualificado como terreno apto a construção ((euro) 344.405,67), nos termos do art. 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações.

d) Ainda que não fosse de aplicar tal preceito, deveria ser aplicado o n.º 1 do art. 26.º, pois o PDMA atribui-lhe capacidade edificativa a toda a parcela, concretamente para a construção de uma via de comunicação rodoviária, não sendo de aplicar o AUJ do STJ n.º 6/2011, uma vez que a realidade factual e jurídica é diversa da que foi apreciada em tal aresto;

e) No AUJ do STJ n.º 6/2011 estava em discussão a questão de os solos integrados em RAN ou REN poderem ser classificados como solos aptos para construção, nos termos do art. 25.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Cód. das Expropriações, não estando previsto no PDM em causa o uso para construção de infra-estrutura("espaço canal");

f) Quer o Cód. das Expropriações, quer o regime legal da REN sofreram alterações no sentido de este último deixar de consagrar a impossibilidade absoluta de construção, para passar a ser apenas uma das condicionantes a ter em conta na construção a erigir nas parcelas afectadas;

g) Ora, em relação à parcela em causa, estava prevista, à data da DUP, a construção de uma via rodoviária, não constituindo a condicionante REN uma impossibilidade absoluta de construção, pois previa-se a construção da via rodoviária;

h) A REN constitui, no caso, apenas uma condição que poderia ser afastada, como o PDMA o previu e como veio a ser, para a construção da via rodoviária, aplicando-se-lhe o índice de construção previsto no art. 54.º, n.º 4, do PDMA.

i) A decisão recorrida representa a violação do princípio da igualdade, uma vez que coloca a expropriada em situação desigual perante outros proprietários com terrenos afectados pela condicionante REN mas para os quais o PDMA prevê construção que pode ser concretizada, ao passo que a expropriada, apesar de ver concretizada na sua parcela a construção da via rodoviária, recebe um valor não consentâneo com essa construção, como se fosse uma parcela para outros fins;

j) Deve ser revogado o acórdão recorrido e proferida decisão que calcule a indemnização, classificando a parcela como terreno apto a construção, de acordo com os parâmetros que a sentença de 1.ª instância fixou para a área não incluída na REN.

Foram apresentadas contra-alegações pela expropriante que defendeu a confirmação do acórdão recorrido.

A recorrente requereu que se procedesse ao julgamento ampliado da revista, nos termos dos arts. 686.º e 687.º do CPC, pelo que os autos foram apresentados ao Exm.º Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça com a justificação concordante do ora relator, sendo deferida aquela pretensão.

Seguindo a tramitação legal, os autos foram apresentados à Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta que emitiu parecer ao abrigo do art. 687.º, n.º 1, do CPC, culminando com a seguinte proposta de uniformização:

"O art. 26.º, n.º 12, do Cód. das Expropriações, aprovado pelo art. 1.º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, não pode ser aplicado por analogia aos casos de expropriação de terrenos integrados na Reserva Ecológica Nacional".

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

III - Matéria de facto apurada pelas instâncias:

1 - Por despacho do Secretário Adjunto das Obras Públicas e Comunicações n.º 22.309/09 rectificado por declaração de rectificação n.º 2811/09, respectivamente datadas de 30-9-09 e de 6-11-09, publicado no Diário da República, 1.ª série,, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra de subconcessão Auto Estradas do Baixo Tejo, IC-32 Casas Velhas-Palhais, incluindo ligações à Trafaria e ao Funchalinho autorizando, desde logo, a expropriante, a tomar posse administrativa das referidas parcelas;

2 - Entre as parcelas acima mencionadas, encontra-se a n.º 7, com área de 13.404 m2 a destacar do prédio rústico denominado Brejos, sito no lugar de Quinta de Brejos, na freguesia de Caparica, Almada, descrita na 1.ª CRP de Almada sob o n.º 2.990e inscrito na matriz rústica sob o art. 43.º, secção P da referida freguesia, pertencente à Santa Casa de Misericórdia de Almada.

3 - A parcela referida em 2. possui as seguintes confrontações:

- Norte e Sul: restante prédio;

- Nascente: Casas de Conventos, Investimentos Imobiliário, Lda.;

- Poente: Maria Alexandra Pinheiro Lourenço.

4 - A parcela referida em 2. apresenta configuração poligonal irregular que se assemelha a um terreno de topografia irregular, com declive suave e solos profundos.

5 - A parcela em causa é servida por infra-estruturas rodoviárias, nomeadamente a R. dos Carvalhais, distando cerca de 1.100 metros do IC-20.

6 - Dista cerca de 4.500 metros da estação de comboios do Pragal, cerca de 5.000 metros da A-2 e aproximadamente cerca de 4.000 metros da praia mais próxima.

7 - Inexistem espaços verdes ou de lazer.

8 - Existem alguns estabelecimentos comerciais nas proximidades da parcela em causa, cafés, mercados e oficinas de automóveis, num raio de 500 metros.

9 - Inexistem farmácias nas proximidades.

10 - A parcela não é servida de transportes públicos.

11 - Nas proximidades da parcela existe o Pólo Universitário da Universidade Nova de Lisboa e o Convento Nacional dos Capuchos.

12 - Parte da parcela referida em 2., com uma área de...

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