Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2016
Data de publicação | 14 Junho 2016 |
Seção | Serie I |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2016
Proc. 1607/14.4TTLSB.L1.S1
Revista
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (1)
1 - Relatório
PATINTER - Portuguesa de Automóveis Transportadores, SA, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, ao abrigo do disposto nos arts. 183.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, a presente ação declarativa de interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, com processo especial, contra ANTRAM - Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias e FECTRANS - Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, pedindo que a cláusula 74.ª, n.º 7 do contrato coletivo de trabalho vertical do sector dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08/03/1980, com as sucessivas alterações, seja interpretada no sentido de que as alterações ao Código do Trabalho, aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que suspendeu a aplicação da cláusula 40.ª do mesmo CCTV, deverão repercutir-se no valor mensal atribuído à retribuição especial da cláusula em questão durante o período de suspensão daquela cláusula 40.ª, determinando a sua redução em função da redução do valor atribuído ao trabalho suplementar tal como previsto na lei geral.
Alegou, em síntese, que o valor referido na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCTV deve variar de acordo com as alterações legais ou contratuais definidas para o valor do trabalho suplementar pelo que se deverá ter em conta o estabelecido no artigo 286.º do CT na redação decorrente da Lei n.º 23/2012 de 25/6, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 4, alínea a) da mesma Lei.
As rés foram citadas e ambas alegaram, aderindo a ANTRAM à posição da autora PATINTER.
Já a ré FECTRANS considerou, em resumo, que a cláusula 74.ª-7 do CCT não tem a ver com a remuneração a título de trabalho suplementar pelo que a referência ao valor do trabalho suplementar se faz em relação ao estabelecido na cláusula 40.ª antes da entrada em vigor da Lei n.º 23/2012 de 25/6.
No saneador o tribunal conheceu do mérito da causa tendo proferido a seguinte decisão:
"Face ao exposto, julgamos esta acção procedente e consequentemente declaramos que cláusula 74.ª, n.º 7 do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical do sector dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08/03/1980, com as sucessivas alterações, deve ser interpretada no sentido de que as alterações ao Código do Trabalho, aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que suspendeu a aplicação da cláusula 40.ª do mesmo CCTV, deverão repercutir-se no valor mensal atribuído à retribuição especial da cláusula em questão durante o período de suspensão daquela cláusula 40.ª, determinando a sua redução em função da redução do valor atribuído ao trabalho suplementar tal como previsto na Lei geral."
Inconformada, a R. FECTRANS interpôs recurso de apelação o qual mereceu a seguinte deliberação por parte da Relação:
"Julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, declara-se que a cláusula 74.ª, n.º 7 do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical do sector dos transportes rodoviários de mercadorias, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08/03/1980, com as sucessivas alterações, deve ser interpretada no sentido de que as alterações ao Código do Trabalho, aprovadas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que suspendeu a aplicação da cláusula 40.ª do mesmo CCTV, não se repercutem no valor mensal atribuído à retribuição especial daquela cláusula durante o período de suspensão da Clª 40.ª do mesmo CCT, não determinando a sua redução em função da redução do valor atribuído ao trabalho suplementar tal como previsto no artigo 268.º da Lei geral (CT)."
Do assim decidido, recorre agora a A. PATINTER de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso (2) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
«A) A cláusula 74.ª/7 do CCTV aplicável ao sector dos transportes rodoviários de mercadorias estipula que "O trabalhador dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias tem direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia", acrescentando o n.º 8 da mesma cláusula que "A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho noturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário)."
B) Este Venerando Tribunal fixou já no douto Acórdão n.º 7/2010, o sentido e alcance da referida norma convencional, determinando que: "A retribuição mensal prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU - Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril d 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário."
C) Por via do disposto na cláusula 74.ª/7 do CCTV em apreço, as partes outorgantes conferiram aos trabalhadores deslocados no estrangeiro o direito a um acréscimo remuneratório e definiram como critério para a sua quantificação o equivalente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
D) As partes outorgantes do CCTV, podendo estipular um qualquer outro valor a atribuir à retribuição especial em causa (poderiam, desde logo, tão só, ter previsto uma percentagem da própria retribuição base), optaram expressa e deliberadamente por estabelecer a sua quantificação por referência à retribuição do trabalho extraordinário.
E) Não foi alheia a esta opção a circunstância de a compensação prevista na cláusula 74.ª/7 - não obstante ser devida independentemente de ser prestado qualquer trabalho extraordinário (ou de este ocorrer para além de duas horas diárias) - não deixar de ser tecnicamente uma retribuição por trabalho suplementar, dado que os trabalhadores TIR estão sujeitos a condições de maior penosidade, não lhe são aplicáveis as disposições contratuais relativas a trabalho noturno e trabalho extraordinário, bem como, a retribuição em apreço tem na sua génese a constatação de que a prestação de trabalho extraordinário por parte desses mesmos trabalhadores seria de difícil controlo (conforme se enfatizou no mencionado Acórdão n.º 7/2010).
F) A formulação do preceito em causa (quer numa perspetiva literal, quer numa perspetiva de unidade do sistema) não foi alheia à intenção de se vir a remunerar efetivamente os trabalhadores abrangidos segundo os critérios de quantificação definidos para o cálculo do trabalho extraordinário.
G) Não há razão para não fazer oscilar o valor da cláusula 74.ª/7 do CCTV em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração do trabalho suplementar.
H) A remissão feita na cláusula 74.ª/7 para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, há-de ser encarada, necessariamente, como uma remissão dinâmica, abstraindo da concreta retribuição existente à data da criação da norma, numa intenção clara de que a retribuição especial dos trabalhadores acompanhasse a evolução salarial dos demais trabalhadores no que concerne à prestação de trabalho suplementar, isto porque, manifestamente não seria possível sustentar que uma posterior alteração da cláusula 40.ª do CCTV - no sentido de aumentar os acréscimos ali previstos - também não tivesse o correspectivo acréscimo na cláusula 74.ª/7.
I) O legislador, deliberadamente, assumiu o propósito de ver reduzidas as retribuições por trabalho suplementar, no âmbito de aplicação do regime ínsito no artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho.
J) À oscilação do valor da cláusula 74.ª/7 do CCTV, em função das variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar, também não obstará o princípio da irredutibilidade da retribuição ínsito no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho, porquanto o que se visa proibir no referido preceito legal é a diminuição da retribuição por ato unilateral do empregador e sem qualquer fundamento legal não deixando a própria lei de ressalvar a possibilidade de diminuição da retribuição, quer por imperativo legal, quer por força de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
K) A invariabilidade do valor da cláusula 74.ª/7 do CCTV, perante as variações legal ou contratualmente definidas para a remuneração de trabalho suplementar, viola o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, dado que não parece razoável que uma mesma entidade empregadora - neste caso, uma empresa do sector dos transportes -, mantenha ao seu serviço trabalhadores cujo valor do trabalho suplementar - dado que defendemos que a cláusula 74.ª/7 é o título jurídico de atribuição, aos trabalhadores TIR, do direito ao pagamento das eventuais horas suplementares - se encontra imutável e outros trabalhadores que passaram a ver o valor do seu trabalho suplementar reduzido, por força da suspensão da cláusula 40.ª do CCTV.
L) Os motivos que levaram à aprovação da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho concretamente, no que toca à redução dos acréscimos remuneratórios devidos pela prestação de trabalho suplementar, têm inteiro cabimento na redução que, por essa via, se opera no montante da retribuição especial prevista na cláusula 74.ª/7.
M) A solução mais conforme à vontade do legislador - quer partindo da análise do texto, quer ponderando o elemento decisivo de interpretação (unidade do sistema jurídico), no confronto com o princípio da igualdade, ínsito na Constituição da República Portuguesa - será aquela que aponta no sentido da redução deliberada do valor do trabalho suplementar se vir a repercutir...
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