Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2012, de 20 de Julho de 2012

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2012 Processo n.º 40/12 Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional: Relatório Um grupo de deputados à Assembleia da República veio requerer, ao abrigo do disposto na alínea

  1. do n.º 1 e na alínea

  2. do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 dos artigos 51.º e 62.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a declaração de incons- titucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64 -B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), com os seguintes fundamentos: «I — Introdução Tendo em conta as questões recentemente tratadas pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 396/2011 (Acórdão), que incidiu sobre várias normas da Lei n.º 55 -A/2010, de 15 de novembro (LOE 2011), vão neste requerimento ser tomados em consideração, em especial, os seguintes aspetos novos, presentes na LOE 2012, ora em causa:

  3. São adotadas medidas de “suspensão do paga- mento” de “subsídios de férias e de Natal” (não paga- mento, à partida de âmbito plurianual, sem perspetiva de reposição), mantendo -se as medidas de “redução remuneratória” consagradas na LOE 2011, que o TC considerou representarem “reduções significativas” (Acórdão);

  4. O universo pessoal abrangido pelas medidas de “suspensão” abrange agora, diferentemente do que acon- tecia com a “redução”, aposentados e reformados;

  5. No âmbito dos reformados e aposentados agora abrangidos, incluem -se também os do setor privado, deixando de se estar, portanto, perante medidas ape- nas direcionadas para pessoas ligadas ao setor público, muito menos para “servidores públicos”;

  6. Passam a ser abrangidas pela “suspensão de paga- mento” de subsídios a todas as pessoas com remunera- ções iguais ou superiores a € 600 mensais e não apenas as que tenham remunerações iguais ou superiores a € 1500, como acontecia nas “reduções” previstas na LOE 2011;

  7. A cumulação das medidas da Lei do OE 2011, que são mantidas, com aquelas que são objeto das normas a que se reporta o presente requerimento, leva a que uma parte das pessoas atingidas possa perder até cerca de 1/4 dos montantes anuais das suas retribuições e das pensões ou reformas, e isto pelo menos em dois anos consecutivos, em contraste com o máximo de 10 % que o Tribunal Constitu- cional estimou no Acórdão; em todos os casos, o valor total agora retirado a cada um dos atingidos representa, no mínimo, um múltiplo do que acontecia no OE anterior;

  8. As normas da LOE 2012 aqui impugnadas têm o seu prazo de vigência referido ao que for o período de vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), por sua natureza extensível, e na lei aqui em causa não foi assumido o pressu- posto da vigência e renovação anual das medidas de “redução” das remunerações previstas na Lei do OE de 2011, pressuposto de que o TC assumidamente partiu.

    II — Inconstitucionalidade das normas do artigo 21.º São inconstitucionais as normas do artigo 21.º da LOE 2012, em primeira linha as que se extraem dos n. os 1, 2 e, consequentemente, todas as demais daquele preceito, n.º 3 a n.º 9, por violação dos princípios do Estado de direito democrático (vertente da proteção da confiança), da proporcionalidade e da igualdade.

    A) Violação do subprincípio da proteção da confiança 1 — As reduções da LO 2011 foram pelo Tribunal Constitucional (TC ou Tribunal) consideradas “reduções significativas” e geradoras de “frustração de expecta- tivas fundadas”, “capazes de criarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos pelos cida- dãos” (Acórdão), tendo o Tribunal referido expressa- mente “a intensidade do sacrifício causado às esferas particulares atingidas pela redução de vencimentos”. Entendeu, no entanto, nesse caso, o TC que, apesar de tudo, se continham dentro de “limites do sacrifício”, salvaguardados pelos montantes e pela transitoriedade (“medidas de caráter orçamental, ou seja, anualmente caducando no termo do ano em curso”, como se assumiu no Acórdão). 2 — As “suspensões de pagamento” dos subsídios, nas modalidades previstas, quer pelo forte agravamento, acrescentado e global, dos montantes retirados, quer pelo alargamento do universo abrangido — que é esten- dido até aos que auferem 600 euros de remuneração, já não muito longe do salário mínimo nacional — quer ainda por expressamente se aplicarem, desde já, a todo o período (repete -se, extensível) por que vier a aplicar- -se o Programa de Assistência Económica e Financeira, ultrapassam aqueles “limites de sacrifício” cuja admis- são o TC considerou fazer sentido no nosso ordenamento constitucional. 3 — Se trabalhadores com vencimentos a partir de 600 ou 1100 euros, incluindo trabalhadores a termo e meros prestadores de serviços (artigo 21.º, n.º 3), expostos já plenamente às exigências, entretanto tam- bém agravadas, do sistema fiscal, não tivessem as suas expectativas protegidas da imposição de exigên- cias e sacrifícios adicionais desta amplitude e com este horizonte, a introdução do critério promissor dos “limites de sacrifício” não teria afinal desempenhado papel útil. 4 — Se mais não fora, por aplicação de tal critério devem as normas agora em causa ser consideradas viola- doras do princípio constitucional da confiança (artigo 2.º da CRP). B) A violação do princípio da igualdade 5 — As normas dos n. os 1 e 2 do artigo 21.º da Lei do OE 2012 violam o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. 6 — Esse princípio é violado na sua dimensão de “igualdade perante a repartição de encargos públi- cos”. 7 — Não pode admitir -se uma dualidade de trata- mento, agora nítida, entre cidadãos a quem os sacrifí- cios são exigidos pelo Estado essencialmente através dos impostos e outros cidadãos a quem os sacrifí- cios são exigidos não só por essa via, mas também, e cumulativamente, de forma continuada, em escalada de montante e extensão temporal, através da ampu- tação definitiva de partes significativas e de direitos relevantes que integram, como acontece com outros, a sua retribuição. 8 — Tal não pode em especial ser admitido quando o diferencial de sacrifício entre ambas as categorias se amplia (quer no escalão que se inicia nos 600 euros quer no que se inicia nos 1100 euros), as medidas se desvinculam da anualidade orçamental e o universo sujeito ao sacrifício adicional agora criado inclui toda a gama de vínculos, até os meros prestadores de serviços (artigo 21.º, n. 4). 9 — Este âmbito pessoal, tão diversificado, faz com que nos situemos fora da esfera tida em vista, para efei- tos legitimadores, no anterior Acórdão (“Há um esforço adicional em benefício de todos, em prol da comu- nidade, que é pedido exclusivamente aos servidores públicos”). 10 — Em qualquer caso, a aplicação da medida de “suspensão do pagamento” a quem aufira entre 600 e 1100 mensais (n.º 2 do artigo 21.º), à luz da decisão anterior do TC, deve ser declarada inconstitucional, porque a tão grande distância das referências quantita- tivas julgadas cruciais pelo Tribunal, não se depara com uma diferença de tratamento em linha com a enorme diferença na condição económica e social que nesse caso se regista — diferenciação que é reclamada pelo princípio constitucional da igualdade. 11 — De facto, se uma redução até 10 %, sempre acima dos 1500 euros de vencimento, foi considerada pelo TC, em atenção a precisos parâmetros, ainda nos “limites do sacrifício”, no segmento que vai dos 600 aos 1100 o princípio da igualdade imporia uma diferença de tratamento que excluiria sempre o recurso ao não paga- mento de um dos subsídios, sem perspetiva de retorno, pelo menos por dois anos consecutivos. 12 — Como disse o Tribunal, “o princípio da igual- dade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença.

    Ora a situação das pessoas que auferem remunerações mais baixas é diferente da situação das pessoas que auferem remunerações mais altas.

    E é dife- rente muito em especial para efeitos de redução salarial.

    De facto, os efeitos negativos de uma redução salarial sentem -se de forma mais intensa naqueles que auferem remunerações mais baixas do que naqueles que perce- bem remunerações mais elevadas”. 13 — Adicionalmente, não pode deixar também de se suscitar perante o Tribunal o tratamento diferente de situações que são iguais, como é o caso de alguns trabalhadores de organismos públicos que, mercê do seu estatuto de independência, ficarão, por opção do OE 2012 imunes à “suspensão de pagamento”. C) A violação do princípio da proporcionalidade 14 — As normas dos n. os 1 e 2 do artigo 21.º da LOE 2012 violam o princípio da proporcionalidade — um dos princípios que segundo a nossa Constituição devem ser observados nas operações de ponderação de bens, interesses e valores constitucionalmente tutelados (v. artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 19.º, n. os 4 e 8, 266.º, n.º 2, 272.º, n.º 2, da CRP). 15 — Há violação do princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, uma vez que o legislador dispunha de meios ou soluções alternativas globalmente menos drásticas. 16 — Através de uma simples opção de caráter quan- titativo, podemos comparar entre a medida escolhida que concentra um certo sacrifício num número restrito, com a consequência de algumas pessoas poderem sofrer um sacrifício dos seus rendimentos que pode atingir uma percentagem próxima dos 25 %, e medidas alter- nativas que poderiam alargar o universo abrangido, em termos de destinatários, fontes de rendimentos, ou, em particular, outras proveniências, com destaque para as reduções de despesa a obter, em termos passíveis de especificação quantificada no OE, por específicas reformas nas estruturas do setor público e reengenharia do procedimento público. 17 — Se fossem tidos em conta os valores da Cons- tituição Portuguesa, não poderia ter -se optado por uma medida que sacrifica intoleravelmente um...

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