Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2013, de 24 de Abril de 2013

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2013 Pº 691/07.1 TAOAZ.P1-A.S1 * Recurso para fixação de jurisprudência Relator: Souto de Moura Joaquim José Amorim Teixeira da Silva veio interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao abrigo do art. 437.° n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), com o fundamento que sintetica- mente se passa a referir: O recorrente foi julgado nos presentes autos, em pro- cesso comum e por tribunal singular, no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, tendo sido proferida sentença, a 15.4.2011, de que consta, entre o mais, a sua condenação em pena de multa, pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma conti- nuada, p. e p. pelo art. 30.º, n.º 2, e art. 256.°, n.° 1, al.

  1. (atualmente a alínea

  2. do mesmo preceito legal), ambos do Código Penal (CP). Interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, foi negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, por acórdão de 11/1/2012, transitado em julgado a 30/1/2012. Nesta decisão estava em causa a emissão e entrega de onze cheques, por parte do arguido recorrente, em repre- sentação da sociedade “Carlos Teixeira da Silva & Filho, Lda.”, e a favor de “Mário Batista - Importação e Expor- tação, SA”, como forma de pagamento de mercadorias recebidas.

    O arguido, no entanto, comunicou por escrito, em seis modelos próprios do “Finibanco” (entidade bancária sa- cada), o extravio dos mencionados cheques, “agradecendo” que nenhum dos cheques mencionados fosse pago.

    Todos os cheques, devolvidos por extravio, foram en- tregues à ofendida em datas anteriores à neles apostas, e portanto, segundo o acórdão recorrido, tendo em conta o disposto no nº 3 do art. 11.º do DL 454/91, de 28 de de- zembro, não estavam abrangidos na área de tutela típica do crime de emissão de cheque sem provisão, tendo o arguido sido absolvido desse crime.

    No entanto, porque se verificaram os pressupostos do crime de falsificação de documento, o recorrente constituiu-se autor material desse crime e por ele foi condenado.

    O recorrente indicou como acórdão fundamento o acór- dão do Tribunal da Relação de Coimbra (e não do Porto, como por lapso refere), proferido no Pº 156/06.9TAACN. C1, a 25/6/2008, onde estava em causa, também, a ordem de revogação de quatro cheques, tendo sido alegado o extravio de um e o furto dos outros três, pelo sacador, declaração corporizada em cartas enviadas ao banco.

    No referido acórdão fundamento foi entendido que a al.

    b), do nº 1, do art. 11.º citado, previa de forma mais específica a conduta do arguido, e que, assim sendo, a imputação do crime de falsificação “afrontaria, de forma grosseira, os princípios da especialidade e do ne bis in idem”. Argumentou-se depois com o facto de “o documento (cheque) não incorporar qualquer declaração falsa”, e ainda com o facto da declaração falsa incorporada nos es- critos, para impedir o pagamento do cheque, não constituir falsificação de documento, para efeitos do art. 256.º do CP. A conduta poderia ser incriminada de modo equivalente à previsão dos art.s 359.º e 360.º do CP, mas o que é certo é que não foi.

    E assim, no acórdão fundamento, o arguido foi absolvido.

    A - O RECURSO 1. As conclusões da motivação, do recurso de fixação de jurisprudência, interposto pelo arguido, foram: “A. O Acórdão proferido pelo Venerando Co- lendo do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 691/07.1TA0AZ.P1 está em manifesta oposição com os Acórdãos proferidos quer pelo mesmo Tribunal da Relação do Porto nos processos 156/06.0TAACN.C1, quer pelo proferido pelo Tribunal da Relação de Coim- bra, no processo n.º 228/07.2TAVGS-A.C.1. B. 0 Acórdão da Relação do Porto proferido no pro- cesso 156/06.0TAACN.C1 pode ser consultado através do sítio da internet acessível pelo endereço: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/c706a4c06dfa05d6802- 574c800368cef?OpenDocument C. O Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 228/07.2TAVGS - A.C.1 pode ser consul- tado através do sitio da internet acessível pelo endereço: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3b530030ealc6180256- 8d9005cd5bb/la570d28ff228da98025766a005614- 6f?OpenDo cument D. Anexa-se à presente cópia do Acórdão proferido pelo Venerando Colendo do Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 691/07.1TA0AZ.P1 E. Nos acórdãos proferidos nos aludidos processos vieram aquelas Relações considerar, de forma inequí- voca que: “(...) Significa isto que a mentirosa comunicação à instituição sacada, de extravio ou furto do cheque, faz hoje parte da incriminação do cheque sem provisão, desde que verificados os demais elementos constituti- vos.

    Ora no caso vertente é pacífico que, tratando-se de cheques pós-datados, a sua incriminação como tal está desde logo afastada, atento o disposto no artº 11º nº 3 do Dec.

    Lei 454/91. Perante um cenário de afastamento desse crime, será então possível integrar ainda essa conduta no crime de falsificação de documento? Parece-nos que tal possi- bilidade, a ser admitida, afrontaria, de forma grosseira, os princípios da especialidade e do ne bis in idem, por- quanto é a referida alínea

  3. do nº 1 do artº 11º, que de forma mais específica e como vimos anteriormente, prevê a conduta do arguido.» F. SENDO QUE, no Acórdão proferido pela Relação do Porto, no processo nº 691/07.1TA0AZ.P1, veio o Venerando Colendo considerar que: « ... O principio da especialidade não pode aqui fun- cionar uma vez que não há qualquer concurso aparente de crimes; é que a conduta dada como provada apenas pode integrar (tanto mais que se verificam os respetivos pressupostos) a prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento p. e p. à data dos factos no artigo 256.º, n.º 1, alínea

    b), do CP e atualmente (após a reforma de 2007) p. e p. na alínea

  4. do n.º 1 do mesmo artigo (o que aliás o recorrente acaba indiretamente por aceitar quando invoca, embora erradamente, o principio da especialidade, considerando que prevalece o crime de emissão de cheque sem provisão - que não existe - pre- visto em lei especial em relação ao crime de falsificação de documento previsto em lei penal geral). O mesmo se diga em relação ao princípio da con- sumpção, visto que não existe qualquer concurso apa- rente de normas ou crimes.

    Tão pouco se pode falar em violação do princípio ne bis in idem ou em “dupla punição” porque precisamente a conduta do arguido dada como provada não integra o crime de emissão de cheque sem provisão, por apli- cação do elemento típico negativo contido no art. 11.º, n.º 3, do DL n.º 454/91, na redação do DL n.º 316/97 (diferente seria se o arguido tivesse sido condenado simultaneamente pelos crimes de emissão de cheque sem provisão e de falsificação de documento, o que não sucedeu). ...» G. O que, com a devida vénia que é muita, é preci- samente o oposto ao sustentado nos anteriores Arestos.

    1. Mais se diga que é com base nessas argumen- tação e conclusão que veio o Colendo do Tribunal da Relação do Porto sustentar que « ... não se verificando os pressupostos do crime de emissão de cheque sem provisão (sendo certo que o arguido também não foi acusado, nem pronunciado, por tal crime) nada impede que, preenchidos que estão os respetivos tipos objetivo e subjetivo do crime de falsificação de documento, o recorrente seja condenado por este último crime, tal como sucedeu no caso dos autos e foi bem explicado na sentença sob recurso.» I. Concluindo, então, o Colendo da Relação do Porto que « ... não mereça censura o enquadramento jurídi- co-penal constante da sentença sob recurso.» J. Estando pois, este e aqueles Arestos em absoluta contradição no que tange à questão sub judce, em tudo idêntica, nos referidos processos.

    2. Sendo que, no muito modesto entendimento do aqui Arguido e ora Recorrente, se deverá pugnar pela fixação de jurisprudência no sentido vertido nos pri- meiros dois arestos, sob pena de violarmos, de forma grosseira, os princípios da especialidade e do non bis in idem.” 2. O arguido considerou haver oposição de julgados quanto à mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação.

    A oposição ressaltava, a seu ver, entre a tese perfilhada nos presentes autos quanto à questão de direito em apreciação, e a posição que sobre a mesma questão fora acolhida, tanto no acórdão de 25/6/2008 proferido no Pº 156/06.0TAACN.C1, como no acórdão de 14/10/2009 lavrado no Pº 228/07.2TAVGS-A.C.1, ambos do Tribunal da Relação de Coimbra.

    O Mº Pº junto do Tribunal da Relação do Porto, na resposta que apresentou ao abrigo do art. 439.º, nºs 1 e 2, do CPP, defendeu a rejeição do presente recurso por terem sido indicados mais de um acórdão fundamento, posição que viria a ser reiterada, já no STJ, em parecer do Mº Pº proferido nos termos do art. 440.º, nº 1 do CPP. No entanto, em despacho do relator de fls. 192 dos au- tos, a posição tomada foi a de que, “Sem se desconhecer a jurisprudência deste STJ, no sentido da imediata rejeição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, face à indicação de mais de um acórdão fundamento, a revisão do CPP operada em 2007 veio dar um sinal de menor rigidez, nas exigências formais da interposição de recurso ordinário, no art. 417.º, nº 3 do CPP. Entendo que a orientação é transponível para o caso presente, e tal como já o fizéramos antes, notifique o re- corrente para indicar um único acórdão fundamento, e dar cumprimento cabal ao nº 2 do art. 438.º do CPP. Junte cópia do douto parecer que antecede”. Já se viu que o arguido veio aos autos eleger como acór- dão fundamento o acórdão proferido no Pº 156/06.0TA- ACN.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra, em re- curso interposto da sentença de 1ª instância do Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena, em instrumento com a transcrição da motivação antes apresentada, na parte em que confrontava o constante do acórdão que foi escolhido como acórdão fundamento com a posição do acórdão re-...

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