Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2013, de 05 de Março de 2013

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2013 Proc. n.º 289/09.0TTSTB-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência) 4.ª Secção Acordam no Pleno da Secção Social do Supremo Tri- bunal de Justiça: I PORTSIMI – EMPRESA de TRABALHO TEMPO- RÁRIO, SA, transitado em julgado o acórdão proferido por esta secção em 29 de Março de 2012, no recurso de revista em que aquela era recorrente, sendo recorridos AXA PORTUGAL− COMPANHIA de SEGUROS, S.A., PAULA CRISTINA PRAZERES PINTO e SANTIAGO FILIPE PINTO JARDINHA DIAS, veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência daquele acórdão, nos termos dos artigos 763.º e 764.º do Código de Processo Civil, invocando que o mesmo se encontra em contradição com o acórdão desta 4.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2003, proferido no processo n.º 2555/2003, a que corresponde o n.º 03S2555, na Base de Dados da DGSI, referindo que aquele acórdão foi pro- ferido sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação.

Para tanto explicitou, em sede conclusiva, o seguinte: «A. Por Acórdão de 29/03/2012, decidiu esse Douto Tribunal confirmar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora a 8/11/2011, e, em consequência, res- ponsabilizar a ora Recorrente pela reparação agravada dos danos emergentes de acidente de trabalho que vitimou trabalhador da Recorrente e cedido a empresa utilizadora.

  1. Fê-lo partindo do pressuposto de que o acidente que vitimou o sinistrado proveio da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por parte de terceiros e considerando que, dado o «risco de autoridade» que sobre a ora Recorrente impende, na qualidade de entidade empregadora, sobre ela deve recair, para efeitos do n.° 1 do artigo 18.° e do n.° 2 do artigo 37.°, ambos da LAT, a responsabilidade pela reparação agravada de acidente.

  2. No que respeita à questão da responsabilização agravada da ora Recorrente, enquanto ETT, pela viola- ção de regras de segurança por parte de terceiros, esse Douto Tribunal afirmou que, face à disciplina legal que rege a relação jurídica do trabalho temporário, de acordo com a qual a empresa utilizadora exerce, por delegação, os poderes de autoridade e de direcção próprios da en- tidade empregadora, os actos daquela traduzem-se em actos da própria entidade empregadora, que a vinculam e responsabilizam.

  3. No seguimento do supra mencionado, esse Douto Tribunal veio ainda referir que, no âmbito da LAT, o vínculo obrigacional do qual emergem os direitos pre- vistos na referida lei apenas se entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade em- pregadora ou/e a seguradora, por outro, concepção que decorre das teorias do “risco económico” ou do “risco profissional”, de acordo com as quais quem beneficia da actividade prestacional do trabalhador e conforma a sua laboração, através de um vínculo − real ou potencial − de autoridade/subordinação jurídica e económica deve tam- bém assumir a responsabilidade pela reparação dos si- nistros que com ele ocorram, ainda que o acidente tenha sido causado por outros trabalhadores ou por terceiros.

  4. A decisão supra enunciada contradiz, no que res- peita à questão de saber se é admissível atribuir-se a uma empresa de trabalho temporário uma responsabilidade agravada pelos danos decorrentes de acidente de traba- lho que ocorreu sem culpa sua, mas sim de terceiros, o decidido no Acórdão de 93/12/2003, proferido pelo mesmo Douto Tribunal no Processo n.° 03S2555 e já transitado em julgado.

  5. Acórdão esse que se reporta a um caso em tudo idêntico ao do Douto Acórdão Recorrido e que foi pro- ferido no âmbito da Lei n.° 2127, a qual, quanto às disposições que ao caso interessam, continha soluções em tudo idênticas às da LAT. G. Na verdade, o mencionado Acórdão é categórico ao afastar o entendimento de que a empresa utilizadora actua como representante da empresa de trabalho tempo- rário, considerando-a antes como um terceiro em relação àquela, o qual, por efeito do contrato de utilização de trabalho temporário que com ela celebra, passa a assumir as responsabilidades da entidade empregadora no que se refere à execução do trabalho.

  6. Ainda de acordo com o mencionado Acórdão, a circunstância de a empresa de trabalho temporário se encontrar obrigada a garantir aos trabalhadores tempo- rários um seguro contra acidentes de trabalho visa tão-só garantir ao trabalhador temporário a cobertura dos riscos de acidente de trabalho que possa sofrer ao serviço do utilizador, garantia essa que cobre as situações repara- tórias provenientes de acidentes de trabalho que não ocorram por culpa do utilizador − e que envolvam, por isso, apenas uma responsabilidade objectiva.

    I. Finalmente, o referido Acórdão considera ainda absurdo que uma empresa de trabalho temporário, apenas porque cedeu um trabalhador a um dos empreiteiros encar- regados da execução da obra, passasse a ser responsável pela avaliação de riscos e adopção de medidas de segu- rança e protecção desse trabalhador, concorrendo, nesse plano, com as funções que igualmente incumbiam ao em- preiteiro relativamente ao pessoal do seu quadro efectivo.

  7. Salvo o devido respeito, andou mal esse Douto Tribunal ao não sufragar a tese anteriormente por si consagrada no Acórdão supra mencionado, pelas razões que se seguem.

  8. O artigo 11.° da RLAT, em vigor ao tempo do aci- dente, estabelece a regra geral de responsabilidade ob- jectiva da entidade empregadora, a qual consagra a regra ubi comoda, ibi incomoda, que imputa à entidade empre- gadora, beneficiária da actividade do trabalhador, o risco das vicissitudes que este possa sofrer ao seu serviço.

    L. Neste contexto, o n.° 1 do artigo 37.° da LAT, tal como o n.° 1 da Base XLIII da Lei n-° 2127, instituiu para as entidades empregadoras a obrigatoriedade legal da transferência da responsabilidade pelo risco de aci- dentes de trabalho para entidades legalmente autorizadas, M. Sendo que o artigo 5.° da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, exclui do contrato de seguro os acidentes exceptuados pela legislação aplicável, os quais, à data do acidente, se encontravam dispostos nos artigos 18.°, n.° 1, e 37.°, n.° 2, da LAT (e, à data do acidente sub judice no Acórdão de 03/12/2003, nas Bases XVII, n.°s 1 e 2, e XLIII, n.° 4, da Lei n.° 2127) e que correspondem a situações de responsabilidade subjectiva − resultantes de actuação culposa ou de inobservância de regras de segurança − da entidade empregadora.

  9. Trata-se de situações em que, pelo facto de os acidentes não decorrerem dos riscos normais inerentes à actividade da empregadora, mas de um comportamento censurável da sua parte (actuação culposa ou inobser- vância de regras de segurança), o legislador entendeu devolver-lhe a responsabilidade pela reparação que ha- via sido transferida para a seguradora.

  10. Todavia, esta alteração das regras quanto à respon- sabilidade infortunística, pela sua gravidade e consequên- cias, só pode ser admitida em situações excepcionais, não podendo extrapolar o estritamente previsto na lei.

  11. Pelo que a responsabilidade por uma reparação agravada só pode recair sobre a entidade empregadora (ETT ou não) nas situações em que essa entidade empre- gadora ou um seu representante (i) ajam culposamente ou (ii) não observem as regras de segurança, higiene e saúde no trabalho que sobre eles impendem, Q. Ficando necessariamente afastada a hipótese de, no domínio da LAT, bem como da Lei n.° 2127, sobre a entidade empregadora recair a responsabilidade pela inobservância de regras de segurança no trabalho por parte de quaisquer terceiros.

  12. Hipótese que seria absurda, injusta e ilegal, que mais não é que a transformação da mencionada responsabili- dade objectiva/pelo risco numa responsabilidade agra- vada por actuação de terceiro, sem qualquer base legal.

  13. E que não se compreende, até porque o facto de se afastar a hipótese de fazer recair sobre a entidade empregadora a responsabilidade pela inobservância de regras de segurança no trabalho por parte de quaisquer terceiros não implica qualquer desprotecção do sinis- trado ou dos seus familiares.

  14. Note-se aliás que, em caso de acidente simultaneamente de trabalho e de viação, tem sido pa- cificamente aceite pela jurisprudência que a entidade empregadora é apenas responsável pela reparação in- fortunística, isto é, pelo risco.

  15. Sendo de perguntar qual a razão pela qual, estando em causa uma ETT, esta é onerada com uma responsabili- dade agravada − resultante de acidente causado por tercei- ros − que não recai sobre outras entidades empregadoras − que, como se viu, não respondem de forma agravada por actos de terceiros, como os acima mencionados.

    V. Andou bem, portanto, esse Douto Tribunal quando, no seu Acórdão de 03/12/2003 decidiu no sentido de isentar a ETT da responsabilidade pelo acidente de tra- balho provocado por culpa de terceiro.

  16. Quanto à equiparação da empresa utilizadora a representante da ETT para efeitos do artigo 18.° da LAT, tal como da Base XVII da Lei n.° 2127, trata-se de uma interpretação que extrapola o regime legal consagrado no RJTT, no qual não se vislumbra nenhuma atribui- ção de poderes de representação, tal como definida pelo artigo 258.° do CC, da ETT à empresa utilizadora.

    X. E nem sequer a representação imprópria, nomeadamente no âmbito de uma situação de comis- são, nos termos do artigo 500.° do CC, é aceite, já que, na relação triangular que se estabelece no contrato de trabalho temporário, a ETT, não tendo qualquer conhe- cimento concreto ou técnico nem, consequentemente, qualquer possibilidade de controlo sobre o que se passa em obra, pelo que não dá nem pode dar quaisquer indi- cações à empresa utilizadora a esse respeito.

  17. Devendo portanto o conceito de representante ser entendido apenas como integrando a pessoa física que faz parte dos órgãos de direcção da entidade emprega- dora e enquanto age em seu...

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