Acórdão nº 1077/22.3JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | CLÁUDIA RODRIGUES |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 1077/22.3JAPRT.P1 Acordam, em audiência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:*1. RELATÓRIO Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum Coletivo nº 1077/22.3JAPRT do Juízo Central Criminal de Penafiel (J5) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi proferido acórdão em 10/02/2023 no qual se proferiu a seguinte transcrita: “IV – DECISÃO Pelo exposto, delibera este tribunal coletivo o seguinte: Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível pelo artigo 152º, n.ºs 1, b) e 2, a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão; Condenar o mesmo arguido pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 26º, 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, b) do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão (absolvendo da agravante da a. e) do n.º 2 do artigo 132º CP); Condenar o mesmo arguido pela prática, em autoria material, de um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, previsto e punível pelos artigos 14º, 26º e 254º, n.º 1, a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; Condenar o arguido, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 21 anos de prisão efetiva.
Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por BB e CC, menores representados por DD e, em consequência, condenar AA: - a pagar-lhes, em conjunto, € 80.000,00 pelo dano da perda da vida de EE; - a pagar-lhes, em conjunto, € 45.000,00 pelo dano do sofrimento da vítima EE; - a pagar-lhe, a cada um dos menores, € 25.000,00, por danos não patrimoniais próprios, - valores a que acrescem juros de mora à taxa legal desde o presente acórdão.
Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por FF e, em consequência, absolver AA do mesmo.
Custas criminais pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Custas cíveis do pedido de BB e CC pelo demandado, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Custas cíveis do pedido de FF pela demandante, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
*O arguido manter-se-á sujeito à medida de coação de prisão preventiva.
(…)” Inconformado com o acórdão proferido, o arguido AA interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, finalizando as respectivas motivações com as seguintes conclusões: (transcrição) “I – O Recorrente não se conforma com o acórdão em crise, por via do qual foi condenado, entre o mais, pela prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado na pena de prisão de 19 (dezanove) anos, e, em cúmulo, na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão, e, bem assim, no pagamento ao assistente de avultadas quantias a título indemnizatório; II – O Recorrente não se conforma com o julgamento dos factos julgados provados nos pontos 66, 67, 90, 98, 99, 100, 103 e 104; III – O julgamento de tais factos como provados contraria o relatório de autópsia e os esclarecimentos prestados em audiência pelo perito médico-legal, conforme demonstrado na alegação supra, com a referência à sua inquirição na sessão do dia 04.01.2023, com a menção das concretas passagens em que se se funda a impugnação, e sua transcrição que aqui se dão por reproduzidas para efeito do disposto no n.º 4 do artigo 412.º do Código do Processo Penal.
III – Porquanto, nem o relatório da autópsia, nem os esclarecimentos do perito médico-legal foram capazes de esclarecer sobre a causa da morte, ou seja, no relatório de autópsia conclui-se pela indeterminação da causa da morte, aventando-se como possível a morte por homicídio, mas não se descartando a morte por qualquer outra causa, nomeadamente, por causa natural, o que foi reiterado, e, até, aprofundado, pelo perito.
IV - Dispõe o n.º 1 artigo 163.º do Código do Processo Penal, “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.”, dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que “Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.”, o que não sucedeu no caso vertente, porquanto, in casu, o que sucedeu foi a desconsideração da prova pericial, e a adesão a outros meios de prova.
V – Sustentando que “… o relatório pericial de autópsia não é meio único de prova da causa da morte.”, o Tribunal a quo passou o arguido a homicida porque também o condenou pela prática dos crimes de violência doméstica e de profanação de cadáver, ou seja, numa logicidade de de quem é capaz do menos também é capaz do mais! VI – Contrariou o Tribunal a quo avalizada jurisprudência, nomeadamente o acórdão do STJ de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1, que dispõe que “Qualquer insuficiência de que relatório da autópsia da ofendida possa enfermar sempre terá de ser resolvida a favor do arguido, em homenagem ao princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da CRP e o postulado “in dubio pro reo”, que lhe está associado.”.
VII – À falta de melhor prova, deveria prevalecer o princípio geral do direito penal in dubio pro reo, o qual constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, e, enquanto princípio que configura uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência contempla na primeira parte do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
VIII - Face ao exposto, é o Recorrente de entendimento que há erro de julgamento quanto aos factos supra enunciados, os quais terão que ser julgados não provados e, consequentemente, deve a condenação pela prática do crime de homicídio qualificado ser revogada, absolvendo-se o arguido da sua prática.
IX – Sem prescindir, sempre a pena concretamente aplicada ao Arguido se afigura exagerada, não tendo o Tribunal a quo atendido ao facto de que os crimes terão sido praticados num ambiente social e familiar de submundo, pautado por violência mútua, álcool e substâncias psicotrópicas, desvalor social e moral, em que apenas o arguido trabalhava, estando perfeitamente inserido profissionalmente.
X - Uma pena no caso concreto superior a metade do limite máximo constitui, com o devido respeito, uma violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, tendo este inscrito em si uma função de controlo que emerge sempre que a protecção de interesses públicos possa entrar em conflito com os direitos fundamentais e liberdades públicas do cidadão, o que no âmbito penal ocorre com frequência.
XI - Não pode, por isso, o Recorrente conformar-se com a pena concretamente aplicada, a qual viola o disposto no artigo 71.º, n.º 1, e n.º 2, alínea d), ambos do Código Penal.
XII – O acórdão recorrido violou, entre outros que Vossas Excelências doutamente suprirão, os comandos legais supra enunciados. Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, com a consequente sua absolvição pela prática do crime de homicídio qualificado, ou, assim não se entendendo, deve a pena concretamente aplicada ser reduzida nos termos sobreditos, assim se fazendo JUSTIÇA” Por despacho proferido em 17.03.2023 foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao interposto e admitido recurso, sustentando que deve ser negado provimento ao mesmo e aduziu o seguinte quadro conclusivo: “1. Não afirmando o relatório da autópsia médico-legal, de forma peremptória, que a causa de morte é natural ou violenta, e discorrendo sobre as probabilidades de uma ou outra, o Tribunal não se mostra vinculado a igual non liquet.
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O juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria, os juízos de probabilidade ou meramente opinativos.
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Quando o perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, emite uma probabilidade, uma opinião ou manifesta um estado de dúvida, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, este decide livre de qualquer restrição probatória e, portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, onde deverá ter na devida conta o princípio in dubio pro reo.
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Tendo o tribunal colectivo acolhido uma das hipóteses de causa da morte admitidas como possibilidade na prova pericial não se pode afirmar que, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art. 163º, nº 1, do Código de Processo Penal.
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A inconclusividade sobre a causa de morte da ofendida, não agrega em si um juízo pericial, mas um estado de dúvida, um juízo dubitativo que não vincula o tribunal, incumbindo-lhe esclarecer a matéria de facto em que se funda, no âmbito da sua função de julgar e superar, até onde lhe for possível, aquela dúvida.
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O Tribunal, desde logo, com base num juízo científico do Perito afasta a tese de que a vítima poderia ter falecido da queda, aventando a possibilidade muitíssimo residual de morte natural, em contraponto com a morte por asfixia perpetrada pelo arguido.
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No cumprimento do dever de esclarecer e de procura de superação da dúvida contida no juízo do perito, o Tribunal recorreu a outros meios de prova e examinou-os à luz da experiência comum.
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Não logra o arguido demonstrar nem uma violação do valor probatório pleno da prova pericial, nem a existência de erro de julgamento (por força da conjugação entre a prova pericial e a prova testemunhal conducente à demonstração da violência, agressividade, domínio, e consumos excessivos de álcool , o medo propalado pela vítima de que o arguido a matasse, as agressões severas anteriores, com recusa da prestação de assistência hospitalar, a forte pressão exercida sobre a vítima (que sempre procurou desculpabilizá-lo), toda a mise-en-scéne criada em torno do alegado desaparecimento da vítima), nem a...
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