Acórdão nº 133/21.0GBPRD-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelLILIANA DE PÁRIS DIAS
Data da Resolução17 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 133/21.0GBPRD-B.P1 Recurso Penal Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I – Relatório No processo comum supra identificado, por sentença transitada em julgado em 24/11/2022, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, nº 1, alínea d), e nº 2, alínea a), do CP, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, com obrigação da frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos dos artigos 50º, nºs 1 e 3 e 53º, nºs 1 e 2, do CP, e do disposto no artigo 34.º- B, da Lei 112/2009, de 16/9, e imposição do afastamento da vítima, sua mãe, da sua residência e local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão; bem como, ao abrigo do disposto no art.º 52.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do CP, obtido o consentimento prévio, a sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, da sua dependência do consumo de estupefacientes.

Paralelamente, foi-lhe aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 9 meses, bem como a pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 6 meses, ao abrigo do disposto no art.º 152º, nºs 4 e 5, do CP.

Por despacho de 13/2/2023, ao abrigo do disposto no art.º 56º, n.º 1, alínea a), do C. Penal, foi revogada a suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão a que o arguido AA havia sido condenado.

Notificado de tal despacho, e com ele não se conformando, veio o arguido recorrer da revogação da suspensão que, consequentemente, após trânsito, determinava o cumprimento da pena de prisão.

Baseia-se o recurso nos fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]: «1) O presente recurso tem por objeto a matéria de facto e a matéria de direito constantes da sentença condenatória proferida nos autos em epígrafe a fls. ... .

2) No entanto não ficaram provados os seguintes factos, porque houve uma alteração superveniente no comportamento do Arguido AA desde a sua detenção, onde passou a noite nos calabouços da GNR antes ser presente ao JIC para o processo nº 38/23.0GBPRD.

3) Porquanto é necessário referir e em abono da verdade, por ser favorável ao Arguido Recorrente, que este assinou um contrato de trabalho a começar no próximo dia 1 de março, alterou a sua residência para a seguinte morada: - Rua ..., ... ..., Paredes; 4) Encetou recentemente consultas de psicologia que lhe tem trazido bastantes benefícios psicológicos, também retornou às consultas conforme tinham já sido delineadas. Cf. documentos.

5) Efetivamente toda a situação não está favorável para o Arguido AA, no entanto sempre se haverá de dizer que a sua força de retornar do mundo infernal das drogas que tem vivido nestes últimos tempos, bem como a ameaça de ter de cumprir pena efetiva num estabelecimento prisional tem forçado ao Arguido a um comportamento totalmente diferente e com uma força interior até há pouco tempo inexistente mas hoje reforçada, também pelo acompanhamento psicológico do Dr. BB, que lhe está a proporcionar uma terapêutica essencial neste tipo de dependência de estupefacientes.

6) Não é novo que este tipo de violência doméstica é originária da dependência de estupefacientes que colocam os indivíduos em estado de alucinação, que sem os devidos tratamentos e sem antes a real necessidade por parte dos dependentes de quererem o devido tratamento.

7) Na verdade, só agora a real necessidade e a vontade de se querer tratar surgiu ao Arguido Recorrente muito recentemente (a partir do processo 38/23.0GBPRD), mas o importante é que surgiu essa vontade, e o propósito sério e comprometedor de se curar da sua dependência.

8) O Arguido Recorrente tem total consciência que o que fez é errado, imoral e não quer voltar a reproduzi-lo, por isso e pela primeira vez recorreu ao seu psicólogo para o ajudar nesse propósito e conjuntamente têm realizado terapêuticas que efetivamente tem ajudado o Arguido Recorrente.

9) Ora, nesse sentido, não será a pena de privação da liberdade que o irá ajudar neste processo muito pelo contrário poderá haver um retrocesso neste novo caminho que delineou para si, e que hoje já vê um futuro promissor, com a sua família, com o seu trabalho e está a esforçar-se para que socialmente seja aceite.

10) A sua mãe com as queixas que sempre realizou apenas pretendia ajuda para o seu filho (como testemunhou no JIC neste mesmo processo), pretendia ajuda médica e/ou internamento e NUNCA a sua privação de liberdade, pedia uma cura para as drogas do seu filho, no entanto também se conformou com esta possibilidade, no entanto nunca foi esse o seu propósito antes um tratamento médico e digno para o seu filho.

11) Assim, a ressocialização do agente do crime é o abandono da ideia de punir pelo punir, retirando-se à pena uma ideia de instrumento de vingança por o agente do crime fazer parte de quem não estabiliza a norma jurídica.

“A ideia de ressocialização do agente, ou seja, de orientação pela via da pena para a aproximação à liberdade, (…) mantém-se (...) fiel à ideia de que a pena tem uma função pragmática de proteção dos bens jurídicos e de reinserção social do agente (art.º 40.º, n.º 1 do CP), nele não se desenvolvendo um hiperpunitivismo” (cf. André Lamas Leite, in Execução da Pena Privativa de Liberdade e a Ressocialização em Portugal, Revista de Criminologia e Ciências Penitenciárias, págs. 5, 6 e 7).

12) Deste modo, a pena terá por fundamento um juízo de censura sobre uma determinada conduta tipificada como crime (art.º 70.º do C.P.), mas, para ter um efeito dissuasor e simultaneamente moralizador e cumpridor da sua finalidade, terá ainda de ser adequada, proporcional e equilibrada (art.º 40.º do C.P.), só assim garantindo a completa reintegração do agente na sociedade.

13) Ressalvado o respeito devido, não pode hoje o arguido Recorrente conformar-se com esta condenação 14) As necessidades de prevenção geral afiguram-se compreensivelmente elevadas, contudo, as exigências de prevenção especial serão, in casu, forçosamente diminutas.

15) Com efeito, o arguido encontra-se inserido profissional e socialmente.

16) Ante tudo quanto se expôs, mormente, a culpa, o grau de ilicitude e as condições pessoais do arguido, bem como à conduta anterior e posterior à conduta criminógena, excederam as necessidades de prevenção geral e especial, prejudicando as perspetivas de manutenção da boa inserção social do Recorrente.

18) Deste modo, no caso concreto é possível formular um juízo não apenas de prognose favorável, mas também já de certeza quanto ao futuro comportamento do arguido, razão pela qual a simples censura do facto e, muito especialmente, a ameaça daquela pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde que acompanhadas de regime de prova (n.ºs 1, 2 e 5 do art.º 50.º do C.P.).

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, sempre com o douto suprimento de V.as Ex.as, e, por via dele, ser o despacho recorrido substituído por outra pena que não seja privativa da sua, ou, assim não se entendendo, ser-lhe aplicada pena com pulseira eletrónica, nos termos e com os fundamentos sobreditos, como é de Direito e de JUSTIÇA!»*O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado dos autos principais, tendo efeito suspensivo da decisão recorrida.

*O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, defendendo a manutenção do despacho recorrido, com os fundamentos constantes do respetivo articulado e, que em síntese, aqui se reproduzem: “É manifesto que o arguido demonstrou que não ter interiorizado o desvalor das suas condutas, tendo frustrado as expectativas que o Tribunal nele depositou e ignorado a solene advertência bem expressa ao suspender-se-lhe a pena, sinal mais que evidente de que poderia não lhe ser concedida outra oportunidade se não cumprisse o regime de prova.

  1. Nesta conformidade, afigura-se-nos manifesto que não obstante a presente condenação em pena de prisão suspensa, com condições, o arguido persiste na sua conduta delituosa, não tendo a intervenção do tribunal servido para o levar a uma vida conforme o direito, violando grosseira e repetidamente o núcleo essencial da condição de suspensão da pena que lhe foi aplicada.

  2. Assim sendo, afigura-se-nos que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena de prisão não foram, de todo, alcançadas, uma vez que o prognóstico relativamente ao comportamento do arguido é bastante desfavorável.

  3. Assim, atendendo às circunstâncias do facto, o juízo de prognose mostra-se, como se referiu, negativo, havendo sérias razões para crer que o condenado não interiorizou de forma adequada as finalidades subjacentes à punição, não adotando um comportamento conforme ao direito.

  4. A douta decisão recorrida fez, pois, uma correta interpretação dos normativos legais, não tendo violado qualquer disposição legal. […]”.

*Neste Tribunal da...

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