Acórdão nº 1957/19.6TXPRT-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Data da Resolução17 de Maio de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo: 1057/19.6TXPRT-C.P1 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No âmbito do processo nº1057/19.6TXPRT-C, no âmbito do Incidente de Incumprimento (Lei 115/2009) que corre termos pelo TEP do Porto, foi proferido despacho que: - revogou o regime de execução na habitação, com vigilância electrónica, da pena de prisão em que AA foi condenado no processo 10/16.6PBBGC, do Juízo Local Criminal de Bragança e determinou que seja cumprido em Estabelecimento Prisional o remanescente de tal pena, correspondente a 1 (um) mês e 19 (dezanove) dias (tempo correspondente ao período compreendido entre 07/10/2021, data da interrupção voluntária do cumprimento da pena, e 26/11/2021, data inicialmente prevista para o termo do cumprimento).

*Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: 1.

O Despacho recorrido é nulo, desde logo porque se baseia numa promoção do MP que não foi notificada ao Arguido.

  1. Tendo sido, por isso, violado o seu direito ao contraditório nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 32º da CRP.

  2. Não tendo tido o Arguido conhecimento do conteúdo da referida promoção; 4.

    Nem lhe tendo sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre os argumentos vertidos na mesma; 5.

    Muito menos, de requerer prova a esse respeito.

  3. Pelo que, à semelhança do já decidido pela Relação de Coimbra no Acórdão de 30.09.2020 (Alcina da Costa Ribeiro), a falta de notificação da promoção do MP constitui uma nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119º do CPP; 7.

    Nulidade essa que se vai repercutir na decisão proferida, contaminando-a com a preclusão dos direitos de defesa do arguido, inutilizando-a.

  4. Devendo o Despacho recorrido ser anulado e notificado o Arguido da promoção do MP, para sobre esta se poder pronunciar e requerer o que lhe aprouver em sua defesa.

    *** 9.

    Mais ainda, a Decisão recorrida indefere a nulidade insanável arguida pela Defesa, sem se pronunciar sobre a argumentação esgrimida por esta última.

  5. Limitou-se, outrossim, a remeter para argumentação exposta pelo MP a 09.01.2023 no Despacho com a Ref.ª 5522275.

  6. Escudando a sua não-pronúncia no princípio da economia processual.

  7. E remetendo, para além disso, para um Despacho do MP da qual a Defesa não tinha conhecimento, porquanto este não lhe foi notificado.

  8. Ora, o princípio da economia processual dá poderes ao juiz de gestão processual, que incluem a possibilidade de contornar formalidades que entenda desnecessárias, com vista à celeridade e boa decisão da causa.

  9. No entanto, este princípio não é absoluto – nem pode ser usado de forma indiscriminada.

  10. Muito menos podendo ser invocado para contornar imposições legais, cuja violação a lei comina com nulidade.

  11. Tal é o caso do dever de fundamentação da sentença, previsto no n.º 2 do artigo 374º, e na al. a) do n.º 1 do artigo 379º, ambos do CPP.

  12. As referidas normas exigem que a Sentença contenha uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão – sob pena de nulidade.

  13. Sendo ainda legalmente exigido, sob pena de nulidade, que a Sentença se pronuncie sobre as questões que devesse apreciar (cfr. artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP).

  14. Ora, in casu, estes requisitos não se verificam.

  15. Pelo que a Decisão recorrida é também nula, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 374º e das als. a) e c) do n.º 1 do artigo 379º, todos do CPP.

    *** 21. Pretende o Arguido também recorrer da decisão de indeferimento da nulidade insanável por si invocada no articulado com a Ref.ª Citius 44303493.

    22 Primeiramente, porque entende que esta decisão é violadora do princípio da culpa; 23.

    Sendo o direito à audição pessoal do Arguido uma das garantias de defesa em processo penal (cfr. artigo 59º, n.º 1 do CPP); 24.

    Especialmente porque está em causa uma decisão de executar ou não uma pena de prisão, o que implicará sempre uma restrição ao núcleo essencial do seu direito à liberdade (cfr. artigo 27º CRP); 25. E que o Arguido tem direito a ser ouvido, sob pena de violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 6º da CEDH; 26.

    Também por força das garantias constitucionais previstas nos artigo 26º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP.

  16. Mas, para além disso, o Tribunal agiu mal por não ter diligenciado de forma prática e racional para ouvir o Arguido.

  17. Este incidente iniciou-se com um alerta informático gerado pela retirada da pulseira eletrónica; 29.

    Após o qual, alegadamente, o Arguido teria deixado um bilhete dizendo que tinha fugido para Espanha.

  18. Ora, apesar de haver indícios da presença daquele no país vizinho, nunca foram alertadas as autoridades espanholas ou a EUROPOL, nem foi emitido mandado de captura internacional.

  19. Para além de que houve uma confusão dos OPC relativamente á morada para onde deveriam notificar o Arguido; 32.

    Tendo andado à procura deste, durante mais de um ano, na morada errada.

  20. Dispõe o CPP que, caso não haja informações sobre o paradeiro do Arguido, este é representado por Defensor (cfr. artigo 196º, n.º 5, al. e) do CPP); 34.

    No entanto, neste caso, o Defensor não esteve presente na audição daquele.

  21. Pelo que não se pode considerar que estivesse validamente representado em juízo.

  22. O artigo 154º, n.º 4 da CEMPL tem de ser interpretado de forma harmoniosa com os princípios instrumentais de processo penal, bem como as normas e garantias constitucionais aplicáveis.

  23. Termos em que há nestes autos uma nulidade insanável por ausência do Arguido (e Defensor), nos termos da al. c) do artigo 119º do CPP.

  24. Termos em que devem ser reconhecidas e declaradas as invocadas nulidades, ordenando-se a revogação da decisão em crise e a remessa dos autos para repetição do processado em falta.

    *O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito não suspensivo.

    *O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

    *O Exmo Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer no sentido da anulação da audição realizada sem a presença de defensor constituído ou de qualquer outro, com a consequente anulação da decisão recorrida e demais atos desta dependentes.

    *Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, após o que se procedeu ao exame preliminar e foram colhidos os vistos, seguindo o processo para conferência.

    *2.- Fundamentação É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do Código Processo Penal.

    Questões a decidir As questões a conhecer consistem em saber se a decisão que revoga o regime de permanência na habitação e determinou o cumprimento do remanescente da pena em estabelecimento prisional: - é nula por violação do princípio do contraditório (art.32º, nº5, da C.R.P.), já que o arguido alega que não teve conhecimento nem oportunidade de se pronunciar sobre a promoção que antecedeu aquela revogação a respeito da sua arguição; - é nula por falta de fundamentação da decisão que indeferiu a arguição de nulidade (previsto no n.º 2 do artigo 374º, e na al. a) do n.º 1 do artigo 379º, ambos do Código Processo Penal), ao limitar-se a remeter para a promoção do Ministério Público sobre aquela arguição, sem que lhe tivesse sequer dado conhecimento da mesma; - é nula por preterição do direito de audição pessoal do Arguido (cfr. artigo 59º, n.º 1 do CPP), especialmente quando está em causa uma decisão de executar ou não uma pena de prisão (cfr. artigo 27º CRP), sem que lhe tivesse sido nomeado defensor para o ato, atenta a falta daquele que lhe estava nomeado (artigo 154º, n.º 4 da CEMPL), o que se reconduz à nulidade insanável por ausência do Arguido (e Defensor), nos termos da al. c) do artigo 119º do CPP.

    -Delimitado o thema decidendum, importa conhecer as ocorrências processuais em que assenta a decisão recorrida: O condenado AA vinha cumprindo uma pena de 2 (dois) anos de prisão, em regime de permanência na...

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