Acórdão nº 603/22.2T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO SOUSA PEREIRA
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Apelante: ... Hipermercados, S.A.

Apelada: AA I – RELATÓRIO ... Hipermercados, S.A., com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, também nos autos melhor identificada, pedindo que se reconheça a existência de motivo justificativo para o despedimento com justa causa da R.

Alega para tanto, e em síntese, que a ré é sua trabalhadora, com as funções inerentes à categoria profissional de vendedora de operador-2, reportando-se a sua antiguidade a 12.06.2019.

Sucede que a ré, entre Outubro e Dezembro de 2021, praticou factos, que descreve, que constituem justa causa para o seu despedimento, tendo-lhe movido procedimento disciplinar com esse desiderato, do qual deu conhecimento à ré, sendo que esta, na resposta ao aditamento à nota de culpa, comunicou à A. que estava grávida.

Findas as diligencias instrutórias a A. remeteu à CITE o processo disciplinar da A., vindo esta comissão a comunicar ao Instrutor do processo disciplinar o seu parecer, desfavorável ao despedimento da R.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a sua conciliação.

Notificada para o efeito, a ré apresentou contestação, pugnando pela inadmissibilidade, por extemporaneidade, do aditamento à nota de culpa, pelo que “encontra-se precludida a possibilidade dos mesmos [factos] serem apreciados na presente ação”, e aceitando a existência da invocada relação laboral e, grosso modu, de lhe ter sido instaurado e a tramitação do alegado procedimento disciplinar, aceitar alguma matéria da que aí lhe é imputada mas impugnando a maior parte dos factos, apresentando uma versão diferente.

Deduziu reconvenção, em que pede: “

  1. Ser julgada improcedente, por não provada, a presente ação e, consequentemente, ser declarada a inexistência de motivo justificativo para despedimento da Ré e, dessa forma, declarado ilegal o despedimento da Ré; b) Ser a Autora condenada a pagar à Ré, em alternativa à reintegração, a indemnização calculada nos termos do artigo 292.º n.º 3, por aplicação do artigo 63.º n.º 8, ambas as normas do Código de Trabalho, bem como qualquer outro crédito que assista à Ré em virtude da inexistência de motivo justificativo para o despedimento por justa causa.

  2. Ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente, ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de € 3000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais.” A ré apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial.

    No âmbito da audiência prévia a que houve lugar foi, além do mais, proferido despacho de não admissão da reconvenção deduzida pela ré.

    Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolvo a Ré AA do pedido contra si formulado pela Autora ... Hipermercados S.A.” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “1. Pretende-se com este a reapreciação da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que à decisão da matéria de facto diz respeito, mas também quanto à solução de direito aplicada ao caso concreto.

    Quanto à impugnação da matéria de facto, 2. Salvo o devido respeito, atendendo à prova documental junta aos autos, mas também à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, o Tribunal a quo deveria ter decidido dar como não provado o ponto 77 da Contestação, e dar como provado o ponto 82 da Petição Inicial.

    3. Com a Petição Inicial a aqui Recorrente juntou como doc. n.º ... os documentos que compõe o processo disciplinar que foi movido à Recorrida.

    4. Assim, consta desse referido doc. n.º ... o auto de declarações da Sra. BB, cujo depoimento foi prestado em sede de instrução.

    5. Nesse auto de declarações, confirmado e assinado pela referida Sra. BB, consta o seguinte: “Segundo a depoente, a arguida sabia que os selos que lhe eram entregues tinham sido dados pela ex-colaboradora CC à depoente.” 6. Em sede de depoimento prestado em audiência de julgamento, a instâncias da advogada da Recorrente, questionada se a Recorrida sabia que os selos que lhe eram entregues provinham da colaboradora DD, acabou a testemunha por afirmar que “sim” (depoimento gravado da testemunha BB, através do sistema “H@bilus Média Studio”, prestado entre as 15:13:59h e as 15:37:14h, entre os minutos 00:18:38 a 00:20:42).

    7. Foi essa a resposta da testemunha sobre esse facto e é essa resposta que o Tribunal a quo não pode desconsiderar, como fez.

    8. De tal depoimento, aliás, conclui-se que: A R. sabia que os selos que lhe eram entregues pela Sra. BB provinham da colaboradora DD e, por isso; existiu, de facto, um estratagema criado entre a R. e as colegas – BB e DD - para se apropriarem dos selos da campanha S....

    9. Assim, e face ao exposto, deverá ser dado como provado o ponto 82 da Petição Inicial, e ser dado como não provado o ponto 77, referente à Contestação.

    Quanto à solução de direito aplicável, 10. Na sentença proferida pelo Tribunal a quo, e a propósito dos factos imputados à Recorrida na nota de culpa, julgaram-se provados descritos sob os pontos 1, 13, 23, 24, 25, 27, 55, 56, 59, 60, 61 e 62 na Sentença proferida.

    Ora, 11. Conforme resultado do exposto, o Tribunal a quo deu como provado que, enquanto colaboradora da Recorrente, a Recorrida sabia e não podia desconhecer – como acontece aliás com todos os colaboradores da Recorrente – que estava proibida de receber gratificações de clientes, seja em dinheiro ou qualquer outro género, no tempo e local de trabalho.

    12. Ou seja, era do perfeito conhecimento da Recorrida – trabalhadora da Recorrente – que não podia aceitar os selos.

    13. Selos esses que a Recorrida não tinha direito a receber, porquanto não realizou – nem mesmo as suas colegas - compras no montante que lhe atribuía o direito a receber tais selos.

    14. Atente-se que, a apropriação dos referidos selos equivale à apropriação de um crédito que a aqui Recorrente concede aos seus clientes, em função das suas compras, atribuindo-lhes um ganho.

    15. Além disso, a Recorrida tinha conhecimento que tais selos que lhe eram entregues provinham da colaboradora DD, 16. Pelo que, dúvidas não subsistem que a Recorrida, juntamente com as suas colegas de trabalho (DD e BB), criou um estratagema que permitia à Recorrida locupletar-se às custas da Recorrente, apropriando-se de selos que deveriam ter sido entregues aos clientes ou, então devolvidos à loja.

    17. Assim, e atendendo à matéria de facto dada como provado pelo Tribunal a quo, bem como o facto 82 da Petição Inicial que deverá ser julgado como provado, dúvidas não subsistem que o comportamento da Recorrida foi culposo, 18. Mas, mais do que isso, tratou-se de um comportamento intencional e premeditado, e não um comportamento negligente como o Tribunal a quo concluiu. Aliás, 19. É absolutamente inacreditável que, a este propósito, o Tribunal conclua que “É certo que a Ré, como qualquer colaborador da A., estava proibido de receber gratificações de clientes e que a oferta dos selos poderia incluir-se nessa categoria. Contudo, essa proibição está limitada ao tempo e local de trabalho e não consta da acusação/nota de culpa e relatório final que a R. recebesse os selos no local e tempo de trabalho”.

    20. O dever de lealdade e de honestidade não se circunscreve ao horário nem ao local de trabalho.

    21. A propósito da apropriação de selos, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3481/17....: “Estamos perante justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que é operadora de caixa e disso se aproveita no âmbito de uma campanha de fidelização de clientes para se apropriar de selos a entregar aos clientes da empregadora aquando o pagamento de produtos que adquiriam e os utiliza em benefício próprio.” 22. Estamos perante um comportamento que inegávelmente colocou em causa a confiança que a Recorrente vinha depositando na Recorrida e, por isso, era inexigível impor à Recorrente que mantivesse quaisquer expectativas quanto à idoneidade futura dos comportamentos da R..

    Continuando, 23. A propósito dos factos imputados à Recorrida no aditamento à nota de culpa, julgou o Tribunal a quo como provados, entre outros, os seguintes factos descritos nos pontos 63, 64, 67, 68, 70 e 71 da respetiva Sentença.

    24. No entanto, e apesar de ter considerado tais factos como provados, concluiu o Tribunal a quo que “…os factos revelam uma infracção de reduzida gravidade e uma culpa diminuta da trabalhadora, a par de não se ter provado qualquer prejuízo patrimonial 25. efectivo para a empregadora A.”.

    Ora, 26. Salvo o devido respeito, o facto de não ter existido prejuízo patrimonial efetivo para a Recorrente, não implica que não haja justa causa para o despedimento.

    27. A este propósito, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 477/11.9TTVRL.G1.S1 (in www.dgsi.pt) “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes, bastando que o comportamento do trabalhador seja apto a gerar no empregador a dúvida sobre a idoneidade da sua conduta futura (…) no âmbito da sua relação laboral o trabalhador está vinculado a vários deveres, com destaque, no que aqui releva, para os deveres de lealdade, de transparência e de boa fé, como forma de garantir, proteger e conservar a situação de confiança mútua indispensável à manutenção dessa relação contratual.” 28. E ainda no mesmo acórdão “a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes, bastando que o comportamento do trabalhador seja apto a gerar no empregador...

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