Acórdão nº 164/11.8TBBCL-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução20 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA veio instaurar processo de inventário para partilha de bens comuns em consequência de divórcio, contra o seu ex-cônjuge BB, alegando, em síntese, que por sentença proferida em .../.../2011, transitada em julgado em .../.../2011, foi decretado o divórcio entre a requerente e o requerido, havendo bens comuns do ex-casal a partilhar, não existindo, no entanto, acordo quanto à sua partilha.

Nomeado o requerido para o cargo de cabeça-de-casal, veio o mesmo em 28/02/2022 apresentar a relação de bens que consta de fls. 15 e verso destes autos, na qual relaciona apenas dois créditos do extinto casal: a) um, no montante de € 49.000,00, detido sobre o próprio cabeça-de-casal, referente às construções realizadas (muros e um pavilhão) num prédio que era sua propriedade; b) outro, no montante de € 2.500,00, detido sobre CC, a título de benfeitorias realizadas num jazigo/capela pertencente à família da indicada devedora.

Em 3/03/2022 a requerente do inventário veio apresentar reclamação da relação de bens, nos termos da qual pretende que: i) sejam relacionados os bens imóveis identificados nos pontos 3. e 6. e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº. 1151/12...., que correu termos no Juízo Local Cível ... – J..., assim como a moradia de três andares, com piscina, furo artesiano, chafariz, arranjos exteriores e muros de vedação e suporte que neles edificou o extinto casal, conforme os factos provados sob os nºs 8 a 21 da dita sentença, pelo valor de € 287.670,00 (€ 40.670,00 + € 247.000,00) resultante dos factos provados sob os nºs 31 e 32 da mesma sentença; ii) seja excluído da relação de bens o crédito de € 2.500,00 detido sobre CC, por se achar extinto por compensação, ao ser deduzido à quantia do débito de € 40.670,00 fixado como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade sobre os prédios supra referidos na alínea i) como não relacionados, cujo pagamento a CC teria de ser feito por parte do extinto casal, como decidido também na referida sentença; iii) seja relacionado, como passivo, o montante de € 38.170,00 a actualizar segundo o índice de preços no consumidor (com exclusão da habitação), entre o ano de 1996 e Junho de 2016, correspondente à dívida do extinto casal a CC (mãe do cabeça-de-casal), como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade, pela via da acessão industrial imobiliária, dos prédios identificados nos pontos 3. e 6., e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº 1151/12.... do Juízo Local Cível ... - J... (cfr. fls. 41 a 43vº destes autos).

Em 4/04/2022 veio o requerido/cabeça-de-casal apresentar resposta, na qual sustenta que: a) os referidos bens imóveis, identificados nos pontos 3. e 6., e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº 1151/12.... não devem ser relacionados como bens imóveis da propriedade do extinto casal, porque não foi efectuado o pagamento a CC da quantia de € 38.170,00, devidamente actualizada, fixada na aludida sentença como condição suspensiva da aquisição desses imóveis; b) deverá ser avaliado o terreno no qual foi incorporado/melhorado o imóvel em causa para aferir o valor actual de cada m2 do mesmo, e avaliado também esse imóvel melhorado/incorporado; após tal avaliação, deverá ser calculado o valor da dívida de CC ao extinto casal, por forma a que a mesma seja relacionada como activo no presente inventário; considerando-se nesse exercício as despesas que esta vem custeando com o processo de licenciamento e legalização da obra, e com os trabalhos de manutenção e conservação dos prédios em causa, tais como a execução de um muro de suporte do terreno e a mudança de telhado, despesas essas que ascendem a mais de € 40.000,00; c) aceita a extinção do crédito de € 2.500,00, por via da compensação, detido sobre CC e que o mesmo seja, assim, excluído da relação de bens (cfr. fls. 44 a 46vº destes autos).

Após a requerente do inventário ter exercido o seu direito ao contraditório sobre os documentos que o cabeça-de-casal juntou com a resposta à reclamação e, do mesmo passo, ter pugnado pela falta de fundamento legal das avaliações aí requeridas por aquele, pois teriam por objecto factos que colidiriam frontalmente com o princípio do caso julgado, nos termos plasmados no requerimento de 13/04/2022 (refª. ...63), veio o cabeça-de-casal apresentar novo articulado em 28/04/2022, com a refª ...76, invocando que se extinguiu, por caducidade, o direito de o extinto casal adquirir, por acessão industrial imobiliária, os prédios que, segundo defende, são ainda da propriedade de CC (ou seja, os identificados nos pontos 3. e 6. e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº 1151/12....), por não ter sido paga à mencionada CC a quantia de € 38.170,00 fixada na sentença de 29/06/2016, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da mesma – pois considera que, embora a sentença não tenha fixado prazo para o pagamento daquela quantia, é aplicável subsidiariamente a solução consagrada no artº. 28º, nº. 5 do DL 385/88 de 25/10 (Lei do Arrendamento Rural) – insistindo, ainda, na realização das três avaliações que requereu na resposta à reclamação (cfr. fls. 64 a 66 destes autos).

Não tendo sido requerida a produção de quaisquer outras provas para além dos documentos oferecidos pelas partes, nem se afigurando necessário ao Tribunal de 1ª instância ordená-las oficiosamente, em 13/10/2022 foi proferida decisão sobre o incidente de reclamação contra a relação de bens nos seguintes termos: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela parcial procedência da reclamação, decido que sejam aditados pelo cabeça-de-casal à relação de bens: a) Como activo do património comum, a moradia de três andares, com piscina, furo artesiano, chafariz, arranjos exteriores e muros de vedação e suporte implantados pelo extinto casal nos prédios da mãe do cabeça-de-casal, tal como descritos nos factos dados como provados nos pontos 8., 10., 12., 13., 14., 15. e 21. na sentença proferida no processo que correu termos sob o nº. 1151/12.... pelo Juízo Local Cível ... – J...; b) Como passivo do património comum, a dívida a CC no valor de € 38.170,00, a actualizar segundo o índice de preços no consumidor (com exclusão da habitação), entre o ano de 1996 e Junho de 2016, fixada como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade dos prédios identificados nos pontos 3. e 6., e 4. e 7. dos factos dados como provados na mencionada sentença.

*Custas do incidente pela reclamante e pelo cabeça-de-casal na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respectivamente (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).» Inconformado com tal sentença, o requerido/cabeça-de-casal BB dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: A.

O Apelante, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discorda da douta decisão no incidente de reclamação ora recorrida, no que concerne à parcial procedência dos pedidos; B.

Designadamente a integrar como património ativo comum, a moradia de três andares, com piscina, furo artesiano, chafariz, arranjos exteriores e muros de vedação e suporte nos prédios da mãe do cabeça de casal; C.

Bem como integrar como passivo do património comum a dívida a CC no valor de 38.170,00€, fixada como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade dos prédios da mãe do cabeça de casal.

D.

Fundamenta o tribunal “a quo” a sua decisão na tese de aquisição imobiliária de aquisição do direito de propriedade.

E.

Na decisão da ação que correu termos pelo Juízo Local Cível ... – J... sob o nº 1151/12...., ficou decidido que: “a) declarar adquirido pelo extinto casal formado por AA e BB, o direito de propriedade que a ré CC detinha sobre a casa referida em 3) e 6) e sobre o prédio rústico indicado em 4) e 7) dos factos provados, por via da acessão industrial imobiliária, condenando-se a ré no reconhecimento desse facto; b) declarar que assiste ao extinto casal formado por AA e BB um crédito sobre a ré CC, no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), a título de benfeitorias realizadas no bem descrito em 34) dos factos provados, condenando se esta a reconhecer este mesmo facto; c) fixar, como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade mencionado em a), o pagamento à ré CC, por parte de AA e BB, da quantia de 40.670,00€ (quarenta mil seiscentos e setenta euros), deduzida do crédito referido em b), por efeito da invocada compensação, o que totaliza o valor líquido de 38.170,00€ (trinta e oito mil cento e setenta euros), a atualizar segundo os índices de preços no consumidor (com exclusão da habitação), entre o ano de 1996 e Junho de 2016 (data da presente decisão).” F.

Acessão - causa de aquisição originária da propriedade (1316º do Código Civil) – dá-se quando à coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia (artigo 1325º do CC); G.

Quando por facto do homem ocorre a confusão entre objetos de natureza imobiliária pertencentes a diversos donos, designa-se à faculdade de resolver o conflito entre estes através da aquisição da propriedade nos termos e com os requisitos previstos nos artigos 1339º e segs. do CC “acessão industrial imobiliária” (artigo 1326º do CC); H.

Perante a ocorrência de uma sobreposição de duas propriedades distintas, não suportada por um direito de superfície validamente, a lei vem arbitrar o possível conflito daí emergente, mediante a fixação abstrata de um critério de prevalência; I.

O legislador faz depender, nesta situação em concreto, o direito à aquisição do direito de propriedade do prédio no qual foi construída obra por terceiro não proprietário do mesmo como requisitos substantivos e de forma cumulativa: a boa-fé, o valor da obra realizada e a incorporação da obra no terreno alheio; J.

É ainda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT