Acórdão nº 1067/19.3PVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO AFONSO LUCAS
Data da Resolução19 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1067/19.3PIVNG.P1 Referência : 16828154 Tribunal de origem: Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 15 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) nº 1067/19.3PIVNG que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 15, em 17/11/2021 foi proferido Acórdão, cujo dispositivo é do seguinte teor : «7 - Dispositivo Nestes termos julga-se parcialmente procedente por provada a douta acusação pública, e, os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo decidem: Após convolação, condenar o arguido AA:

  1. Pela prática em relação a BB de: - um crime de de coacção sexual agravada, previsto e punido pelos arts. 163.º, n.º 2 e 177.º, n.º1, b), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

    - um crime de de coacção sexual agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos arts.23º, 163.º, n.º 2 e 177.º, n.º1, b), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

  2. Pela prática em relação a CC de: - 21 (vinte e um) crimes de de coacção sexual agravada, previsto e punido pelos arts. 163.º, n.º 2 e 177.º, n.º1, b), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles; - um crime de importunação sexual agravado, previsto e punido pelo art.170º nº1 e art.177.º, n.º1, b) todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

    Bem como absolvendo da instância o arguido dos crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art.170º do Código Penal, pelo qual deveria ser condenado, após convolação dos crimes de coacção sexual, p. e p. pelo art.163º nº2 do Código Penal, atenta a ausência de queixa tempestiva relativamente aos mesmos.

  3. Passando agora ao cúmulo das penas parcelares, ora impostas ao arguido AA, atento o disposto no art.77º nº2 Código Penal, condena-se o mesmo na pena unitária de 4 (quatro) anos de prisão; D) Decreta-se a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido AA pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos do disposto no art.50º do C. Penal, mediante a imposição dos deveres e regras de conduta indicados; E) Vai, ainda, o arguido condenado no pagamento das custas processuais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida.

    .

    » Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 19/12/2022, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões : 1) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Mmo. Tribunal a quo o qual julgou “parcialmente por provada a douta acusação pública, e, os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo, decidem: (…)” 2) A acusação formulada pelo Ministério Público não refere, quanto à alegadamente Ofendida BB, os concretos crimes que são imputados ao ora Recorrente nos arts. 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º da acusação, porquanto limita-se a referir “um crime”, sem mencionar o concreto crime imputado ao arguido.

    3) A mesma acusação refere “1 crime” sem mencionar sequer o correspectivo artigo da acusação e, muito menos, o correspondente artigo do Código Penal, cuja previsão hipoteticamente estaria em causa.

    4) Esta situação repete-se quanto à alegadamente Ofendida CC, uma vez que a acusação do Ministério Público também não refere, quanto a esta, os hipotéticos crimes que são imputados ao ora Recorrente nos arts. 32º, 33º, 34º, 35º, 35º (menção repetida na acusação, sem qualquer explicação plausível) e 37º da acusação, limitando-se a referir “1 crime”.

    5) Como anteriormente, refere “1 crime” sem fazer qualquer alusão, quer ao hipotético artigo da acusação, quer ao artigo do Código Penal que, em tese, estaria em causa.

    6) A acusação deduzida pelo Ministério Público é nula, em virtude de não obedecer aos requisitos legais plasmados no art. 283º do Código de Processo Penal (no caso concreto, por não indicar as disposições legais aplicáveis a cada concreta conduta atribuída ao Recorrente).

    7) Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 19º do Código de Processo Penal e art. 118º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, o tribunal competente para apreciação do presente processo é o Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, atendendo a que os factos imputados ao Recorrente terão (teriam) ocorrido em Vila Nova de Gaia.

    8) A preterição das regras da competência territorial determina a nulidade de todo o processado, por violação do disposto na 1ª parte do nº 1 do art. 32º do Código de Processo Penal.

    (…) 54) O crime de coação sexual, previsto e punido no art. 163º do Código Penal, remete para o conceito indeterminado de acto sexual de relevo, sobre o qual a doutrina se tem debruçado, concretamente: Figueiredo Dias define acto sexual de relevo como “todo o comportamento activo (só muito excepcionalmente omissivo) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica.” In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 447.

    55) Também a jurisprudência tem prestado particular atenção a este conceito, destacando-se o douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação nº TRP_0610510 de 21.06.2006 in bdjur.almedina.net: “Quis-se depurar dos chamados crimes sexuais de referências éticas e assentando-se na ideia de que a sexualidade é uma manifestação de auto-realização pessoal, na concreta dimensão da autodeterminação sexual.

    Assim, sem deixar de se reconhecer a dificuldade de definir a noção do que sejam “actos sexuais de relevo”, tem-se dito que são aqueles que constituam uma ofenda séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano. [M. Leal Henriques e M. Simas Santos, C. P. Anotado, 2ª ed., 1996] E, ainda, que como tal só pode ser considerado o acto que tem relação com o sexo (relação objectiva) e em que, além disso, haja por parte do seu autor a intenção de satisfazer petites sexuais. [Maia Gonçalves, C. P. Anot., 8ª ed., p. 624]”.

    e “Buscando jurisprudência entretanto publicada, destacam-se dela as seguintes referências: “O conceito de acto sexual de relevo não é dado pela lei. O conceito de «atentado ao pudor» era-nos dado pelo nº 3 do art. 205º do Código, antes da última revisão. Já nas actas de revisão daquele diploma consta que o autor do Projecto referiu que «a intenção foi limitar a aplicação deste artigo (então era o 247º) a actos que ofendam em grau elevado os sentimentos gerais de pudor e de moralidade sexual. Ficam de fora atitudes anódinas, como, por exemplo, um simples beijo, que não tem dignidade criminal».

    E dentro dos modernos conceitos de criminalidade sexual, «há que erradicar do direito criminal todo o dogmatismo moral, ficando no âmbito dele somente condutas sexuais que ofendam bens jurídicos fundamentais das pessoas no que concerne à sua livre expressão do sexo», como anota Maia Gonçalves. [No C. P. anotado, 8ª edição].”.

    56) Neste Acórdão, este Venerando Tribunal considera expressamente que um simples beijo não tem dignidade criminal.

    57) E tal é assim, porque porque entende-se que certas zonas do corpo humano não têm conotação sexual (não são consideradas zonas erógenas), mas apenas conotação afectiva e carinhosa (p. ex., face, mãos, cabeça), pelo que são sexualmente inócuas.

    58) Embora o Recorrente negue a prática das condutas que lhe são atribuídas, pugnando pela sua absolvição no presente recurso, considerando a hipótese de a posição deste Venerando Tribunal ser outra, não pode deixar de referir (nesse pressuposto) que os elementos constitutivos do tipo legal do crime de coação sexual não se verificaram no caso da Sra. BB.

    59) Basta atentar em que não está relatado o uso de qualquer forma de violência (não foi provada e nem sequer invocada), nem qualquer ameaça grave (a alegadamente Ofendida BB passa a trabalhadora efectiva em Maio de 2018 e a lavadeira, em 01.02.20219 - como resulta do doc. junto aos autos).

    60) No Natal de 2018, a Sra. BB é vista a sentar-se por sua iniciativa no colo do Recorrente com total à-vontade e sem qualquer constrangimento – a este propósito, depoimento da testemunha DD prestado na sessão de 13.06.2022, de 00:01:52 a 00:02:27.

    61) Não se descortina no caso concreto (no pressuposto da validação dos factos provados 10º e 15º) a verificação dos pressupostos processuais do tipo legal de crime de coação sexual.

    62) Nos termos do disposto no art. 178º do Código Penal, o procedimento criminal pelos crimes previstos no art. 163º do mesmo normativo depende de queixa – ora, os factos imputados ao Recorrente nos arts. 10º e 15 dos factos provados não mencionam a data da sua ocorrência, mas mesmo que consideremos as datas de Julho de 2017 (facto provado 9º) e de Agosto de 2017 (facto provado 14º), respectivamente, certo é que quando a queixa foi apresentada (05.12.2019) o prazo de 6 meses para apresentação de queixa havia expirado há muito (art. 115º do Código Penal).

    63) Mantendo-se o pressuposto da validação dos factos provados relativos à Sra. BB, é manifesto que o Recorrente deve ser absolvido, por o Ministério Público carecer de legitimidade para actuar relativamente aos factos provados referidos (como o douto Acórdão reconheceu em relação aos restantes), porquanto falta um pressuposto processual fundamental – o exercício tempestivo do direito de queixa.

    64) Quanto à Sra. CC, o douto Acórdão condena o Recorrente pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelo art. 170º do Código Penal e 21 crimes de coacção sexual, p. e p. pelo art. 163º/nº 2 do Código Penal, com a agravação prevista no art. 177º/nº 1 – b) do mesmo diploma legal.

    65) No que ao crime de importunação sexual se reporta, não se descortina do elenco dos factos provados, a qual se refere o douto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT