Acórdão nº 16/21.3GAAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO PIRES SALPICO
Data da Resolução19 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.16/21.3GAAVR.P1X X XAcordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo que correu termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal da Comarca de Aveiro, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferido acórdão, julgando do seguinte modo: “a) condenar o arguido, AA, como autor material de um crime de violência doméstica agravado, p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, als. a) e c) e n.º 2 al. a) do CP, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; b) condenar o arguido, AA, como autor material de um crime de violação agravada, p.p. pelo artigo 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1 al. b), do CP, na pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; c) condenar o arguido, AA como autor material em concurso efectivo dos crimes identificados nas al. a) e b) supra, na pena única, em cúmulo jurídico, de 4 (quatro) anos e 10 (meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita: - à condição do arguido proceder ao pagamento da quantia arbitrada infra à ofendida até ao termo do prazo da suspensão (cf. art. 51.º, n.º 1 al. a) do CP); - à proibição do arguido contactar ou se aproximar da ofendida, da sua residência e do seu \ * d) condenar o arguido, AA na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, prevista no art. 152.º, n.º 4 e 5 do CP, pelo período de 5 anos; * e) condenar o arguido, AA no pagamento da quantia de € 2.500,00 à ofendida BB, a título da reparação prevista no art. 82.º-A do CPP; * f) condenar o arguido, AA no pagamento das custas criminais e demais encargos a que a sua actividade processual tenha dado lugar, fixando a taxa de justiça criminal em 4 UC (cf. 513.º, n.º 1, 514.º e 523.º do CPP e art. 8.º do RCProcessuais), sem prejuízo do apoio judiciário a que tenha direito.

”*Não se conformando com a sentença o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação: Posto isto, previamente e para podermos aferir do bom ou mau julgamento que condenou o arguido, temos que nos debruçar sobre a prova que, no fim da Audiência de Julgamento, tinha sido produzida, quanto à matéria dos factos dada como provada em prejuízo do arguido. Assim:

  1. Das declarações prestadas pelo arguido não resultaram qualquer indício da prática de factos criminosos por aquele, sendo que o arguido não tem de convencer o tribunal de que não cometeu o crime, ao contrário do que refere o acórdão “as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento não convenceram minimamente o Tribunal, na medida em que o mesmo se limitou a negar de forma apócrifa, genérica e pouco convicta e convincente os factos que lhe eram imputados, não logrando sequer apresentar qualquer justificação lógica e plausível”.

  2. Resta - como única prova- para a imputação para a prática dos factos ao aqui recorrente resulta o depoimento da assistente, uma vez que é a “única com razão de ciência directa sobre a toda a factualidade em causa” c) O tribunal valorou os depoimentos indiretos das testemunhas CC (filha do casal), DD e EE (casal de amigos da assistente), que relataram que o aquilo que sabem resulta somente do que era contado pela assistente, não tendo nunca assistido a nenhum episódio de violência física ou verbal.

  3. Aos autos não foi junto nenhum relatório médico, imagens, vídeo ou gravação áudio que sustente o alegado pela assistente.

  4. O Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente aos factos suscetíveis de consubstanciar a prática crimes de violação, agravados, previstos e punidos pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 3 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, dizendo: “(…)Contudo, tais factos mostram-se insuficientes para atestar a prática dos aludidos factos. Primeiro, porque a ofendida não recorreu a assistência médica de onde se pudesse constatar a existência de lesões compatíveis com o por si alegado. Segundo, porque as suas filhas apenas têm um conhecimento genérico e indireto dos factos. Terceiro, porque a testemunha DD, embora tenha ouvido expressões e barulhos que corroboram tais suspeitas, desconhece a dinâmica dos mesmos.

    Quarto e decisivo, porque a própria vítima não logrou descrever as condutas (…).

    O acórdão ora recorrido “vive” do depoimento daquelas testemunhas e das declarações prestadas, pela ofendida/assistente que “se revelaram, aos olhos do Tribunal, absolutamente sinceras e objectivas”. Refere o acórdão, no que toca às declarações da assistente, que “a resposta de não provado dada à factualidade assim julgada supra decorreu do facto da própria assistente ter negado a sua ocorrência nos termos que constavam da acusação”, contudo, não valorou e não considerou: 1. O facto de o Ministério Público ter liminarmente desconsiderado factos por insuficiência de prova e depois os mesmos elementos serem considerados como suficientes no acórdão com base na mesma prova.

    1. não existirem outros meios de prova, nomeadamente testemunhas com conhecimento direto dos factos, relatórios médicos ou vídeo e áudio (o arguido vem acusado de factos que ocorreram durante mais de 10 anos); 3. o fato de durante pelo menos 10 anos a assistente manter igual postura quando o arguido vinha a Portugal (duas vezes por ano), partilhando cama, os convívios, a gestão normal da vida com ele, sem mudar os seus hábitos, sem se refugiar em casa de amigos, sem nunca ter apresentado queixa ou falar com familiares.

    2. o facto de não concretizar o dia e ano do episódio da violação, mas recorda-se que o arguido foi embora no dia 2, um sábado. Refere que “foi depois do natal, antes da passagem de ano”(…) “acho que foi a seguir à passagem de ano, dia 2 se não me engano, sei que foi a um sábado, acho que foi a um sábado” (min. 47:00 a 47:50); 5. o facto de DD, testemunha e amigo da assistente, assistir via telefone aos episódios de violência e violação durante anos e nunca ter apresentado queixa ou gravado áudio ou até mesmo partilhado os episódios a que tinha assistido com EE, sua esposa e testemunha no processo.

    3. como improvável e incoerente o facto de DD ouvir e acompanhar as agressões por chamada telefónica porque era a assistente que lhe ligava antes dos episódios de violação e depois desligava no decorrer do ato (sem o arguido nunca se aperceber), tendo o mesmo afirmado que desconhecia a sua dinâmica (fundamento utilizado no despacho de arquivamento pelo Ministério Público).

    Passemos, então, ao que de relevante se extrai daquelas testemunhas, cujas declarações estão gravadas em suporte digital e que correspondem ao ficheiro informático 20220712101427_4152408_2870450.

    Quanto à Testemunha CC (Filha) (inquirição consignada em ata de 12/07/2022) com início às 12:00:03 e terminus às 12:27:42, delas resulta, em síntese, e na parte relevante: a) “Nunca assisti a nenhuma agressão física” “Nunca vi marcas de agressão” (min. 02:55 a 03:10); b) Em casa “sempre se disseram muitos palavrões, usualmente, (…) eu é que estou aqui a fazer o rewind a ver se realmente como dizia também se, tanto de uma parte como da outra, estão a entender?”, apesar de ter sido interrompida no seu discurso pelo meritíssimo juiz, a mesma refere que acontecia tanto de uma parte como da outra; (min. 06:34 a 07:05); c) Ministério Público: “Alguma vez se apercebeu de alguma violência sexual entre os seus pais?” CC: “Nunca me apercebi” (min. 11:00 a 11:15); d) O que sabe era porque a mãe lhe contava “relativamente a essas confidencias dessas situações, a minha mãe falava-me” (min. 13:30 a 13:36); e) O pai costuma ingerir bebidas alcoólicas, sendo que com álcool “até ficava mais alegre” (min. 21:40 a 21:47); f) No natal em que ocorreu o episódio de violação CC não se apercebeu de nada, Dra. FF: “no natal, na altura do Covid, estavam os 3, passaram os 3 juntos?” CC: “sim, exatamente” Dra. FF: “a CC apercebeu-se de alguma coisa?” CC: “nesse natal não, foi o nosso último natal juntos” (min. 26:25 a 26:36); Relativamente à testemunha EE (amiga e esposa de DD) (inquirição consignada em ata de 12/07/2022), com início às 12:29:35 e terminus às 12:39:43, delas resulta, em síntese, e na parte relevante:

  5. Nunca viu ou ouviu o arguido a agredir ou insultar a assistente, sendo que também nunca a viu com marcas (min. 01:53 a 02:13) Ministério Público: “Alguma vez viu ou ouviu o Sr. AA a agredir fisicamente, insultar, agarrar?” EE: “Nunca, não” Ministério Público: “Nem ouviu por telefone alguma conversa menos agradável?” EE: “Não” Ministério Público: “Alguma vez viu marcas?” EE: “Com marcas também não” b) Nunca ouviu conversas telefónicas (min. 04:05 a 04:08) Ministério Público: “Volto a perguntar, conversas telefónicas nunca ouvir?” EE: “Não, não, não, não” c) Ministério Público: “Relativamente ao Sr. AA, tem alguma situação que queira contar ao tribunal? EE: “Não, nunca vi nada” (min. 04:15 a 04:21) d) O sr. DD (marido da EE) nunca comentou nada, nem referiu que ouvia via telefone as agressões sexuais (min. 05:02 a 05:10) Dra. FF: “O sr. DD nunca lhe disse que assistia às agressões sexuais via telefone?” EE: “Não, não” No que tange à Testemunha DD (amigo e marido de EE) (inquirição consignada em ata de 06/09/2022), com início às 14:22:13 e terminus às 14:41:27, delas resulta, em síntese, e na parte relevante: a) Não conhece o arguido.

  6. Nunca foi à polícia (min. 07:46 a 08:10); Ministério Público: “Alguma vez foi dar conta disso à polícia?” DD: “Quem? Eu não! A pessoas que está lesada é que tem de o fazer, não seria eu. A lesada era ela não era eu” Ministério Público: “Sim, mas todos nós temos deveres enquanto cidadãos” DD: “Sim, e eu tenho. Eu tenho, mas não quis fazer nem me querer meter nisso” c) Nunca presenciou discussões (min. 09:52 a 10:00) Ministério Público: “Não, que o sr. tenha presenciado” DD: “Não” Ministério Público: “Nunca, nunca presenciou discussões?” DD: “Não” d) Sabe das coisas porque a assistente lhe conta (min. 10:10 a 10:15) Ministério Público: “Sabe dessas...

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