Acórdão nº 11/20.0T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: AA APELADA: Banco 1..., S.A.

Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ...

I – RELATÓRIO AA, intentou a presente acção, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora Banco 1..., S.A, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98.º C do C.P.T e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, foi a empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do impugnante.

A entidade empregadora apresentou articulado motivador do despedimento pugnando pela improcedência da acção e manutenção da decisão de despedimento com justa causa.

Alega em resumo que o autor no exercício da sua actividade profissional de gerente, violou repetidamente o normativo interno na intervenção em contas por si tituladas ou co-tituladas, ou em contas tituladas por pessoas estreitamente consigo relacionadas, designadamente pais e cônjuge, não acautelando os conflitos de interesses em que incorreu, figurando indevidamente como gestor dessas contas, movimentando e intervindo nas mesmas contas em violação dos normativos internos e mesmo com recurso a falsificação de documentos e incumprindo o normativo aplicável em matéria de óbito de cliente, comportamentos esses integradores de infracções disciplinares culposa, graves e conscientes por violação dos deveres de zelo e diligência e de obediência às ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho.

O Trabalhador contestou suscitando a nulidade do procedimento disciplinar, por ter sido carreada para o mesmo, prova obtida mediante violação do dever de sigilo e impugnou no essencial os factos alegados pelo empregador, dando a sua versão, concluindo que os factos que constam do procedimento disciplinar não são suficientes para conduzir ao despedimento.

Por fim, formula ainda pedido reconvencional no âmbito do qual peticiona o seguinte: “(…) deve a presente acção e reconvenção ser julgada provada e procedente, e ser declarado nulo o procedimento disciplinar, e condenar-se o R.:

  1. A reintegrar o A. no seu posto de trabalho com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade; b) Ou, se essa for a opção feita até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 391 CT; c) A pagar ao A.: i. As retribuições perdidas desde o despedimento até ao presente, no valor de €5.165,22, acrescidos dos juros de mora à taxa legal; ii. As retribuições que deixar de receber desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, nomeadamente retribuição base, diuturnidades, retribuição complementar mensal, retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação isento e não isento, subsídio de estudo e SIM; d) A pagar ao A. os juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações pedidas; e) A pagar ao A. o valor de €2.500,00 a título de indemnização por danos morais; f) A suportar as custas.

    Subsidiariamente, se não se considerar como tal (o que não se aceita mas se acautela por dever de patrocínio), devem ser consideradas prescritas as alegadas infracções disciplinares supra referidas, ser declarado ilícito o despedimento do A. e condenar-se o R: g) A reintegrar o A. no seu posto de trabalho com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade; h) Ou, se essa for a opção feita até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 391 CT; i) A pagar ao A.: i. As retribuições perdidas desde o despedimento até ao presente, no valor de €5.165,22, acrescidos dos juros de mora à taxa legal; ii. As retribuições que deixar de receber desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, nomeadamente retribuição base, diuturnidades, retribuição complementar mensal, retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação isento e não isento, subsídio de estudo e SIM; j) A pagar ao A. os juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações pedidas; k) A pagar ao A. o valor de €2.500,00 a título de indemnização por danos morais; l) A suportar as custas.” A R. respondeu à contestação e à matéria da reconvenção, impugnando-a e pugnando pela sua improcedência Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova.

    Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Perante o exposto, decide-se julgar totalmente improcedentes, por não provadas, a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e a reconvenção e, em consequência, absolver a R. empregadora Banco 1..., S.A. do pedido contra si formulado pelo A. trabalhador Banco 1..., S.A.

    Custas pelo A.

    Notifique.

    Registe.

    ” Inconformado com o decidido apelou o Trabalhador para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. A sentença em crise viola os art. 338, 351, 329/1 e 330 do Código do Trabalho (CT); art. 13, 53, 58 e 59 da Constituição da República Portuguesa (CRP); cl. 79/2, 80/5 do Acordo Colectivo do Trabalho para o Sector Bancário, art. 73, 75 e 86-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

    2. Dão-se aqui como reproduzidos todos os factos dados como provados e não provados, supratranscritos.

    3. O Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, considerando os factos provados 20, 26, 27, 29, 30, 31, 33 e 39 incorrectamente julgados; e considerando os factos não provados 42, 48 e 51 incorrectamente julgados.

    4. Os factos provados e não provados incorrectamente julgados, e descritos em 3, devem ser alterados por força dos documentos juntos aos autos, que supra se referem e para os quais se remete e aqui se deixam transcritos para os devidos efeitos legais, bem como pelos depoimentos de BB, CD, (sessão de 29/11/2021), minuto 00:30:16 a 00:32:25; AA, CD, (sessão de 29/11/2021), minuto 00:31:45 a 00:36:13; CC, CD, (sessão de 06/12/2021), minuto 00:30:16 a 00:32:45; e de DD, CD, (sessão de 20/01/2022), minuto 00:29:20 a 00:29:45; (sessão de 04/01/2022), minuto 00:07:45 a 00:08:37.

    5. A sentença em crise enferma de nulidade, vícios e incorrecções, que deverão ser superiormente corrigidas pelo Tribunal ad quem: a. nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 615/1/al. d) do CPC) b. abuso de direito; c. nulidade do processo disciplinar; d. prescrição; e. erro de julgamento, na medida em que faz uma errada subsunção dos factos provados ao direito; f. impugnação da matéria de facto dos factos provados 20, 26, 27, 29, 30, 31, 33, 39; g. impugnação da matéria de facto dos factos não provados 42, 48, 51, 131; h. litigância de má-fé; i. desproporcionalidade da sanção aplicada – ilicitude do despedimento; j. indemnização por danos morais.

    6. A sentença é nula, por omissão de pronúncia (art. 615/1/al. d) do CPC).

    7. O Recorrente alegou, nos art. 54 a 56 da contestação-reconvenção que o Recorrido, ao colocar-se na situação de não ter mecanismos organizacionais que mitiguem ou evitem conflitos de interesses, organizando-se de forma a que o sistema informático possa aleatoriamente atribuir a gestão de contas bancárias a trabalhadores que são titulares das mesmas ou são familiares dos seus titulares, não só não mitiga ou evita o risco de conflito de interesses, como cria condições anómalas e contra legem para que as mesmas se verifiquem.

    8. Por esse motivo, ao ter censurado disciplinarmente o Recorrente, fê-lo em abuso de direito, agindo “num verdadeiro venire contra factum proprium, uma vez que censura a conduta do trabalhador por situações que o Banco ajudou a criar”.

    9. Observada a decisão em crise, o Tribunal a quo demitiu-se do dever de se pronunciar quanto ao abuso de direito invocado, resultando nula a sentença por omissão de pronúncia, nos termos dos art. 615/1/al d) e 616 do CPC.

    10. Razão pela qual deverá ser considerada nula a sentença, com as demais consequências legais.

    11. O Recorrido pune disciplinarmente o Recorrente, despedindo-o com justa causa, cujo despedimento é validado pela sentença em crise, em dois blocos de actuação onde age claramente em abuso de direito: i) no facto do Recorrente ter alegadamente incumprido com o normativo de participação de óbito de cliente (no caso, o seu pai); e ii) no facto de o Recorrente ter figurado indevidamente como gestor de conta de familiares.

    12. Em ambas as situações, age o Recorrente em claro abuso de direito, não só na modalidade de venire contra factum proprium, como em outras modalidades de abuso de direito, que são as da inalegabilidade e supressio.

    13. O Recorrido, ao agir como agiu, despedindo o Recorrente com justa causa pelos factos que alega, fê-lo em claro abuso de direito.

    14. E fê-lo, honra lhe seja feita, em três modalidades: i) venire contra factum proprium; e ii) Inalegabilidade; e iii) supressio: a. Venire contra factum proprium, na medida em que o Recorrido possui um sistema informático que propicia a distribuição das carteiras de clientes de forma aleatória, sabendo que o encarteiramento pode muito bem resultar em diversas situações onde um trabalhador passa a ser gestor de contas bancárias onde é ele o cliente, ou familiares, cria esse risco nos seus trabalhadores, e posteriormente pune os mesmos quando a culpa objectiva de tal ter sucedido repousa na entidade patronal; b. Inalegabilidade, porque ao agir como age, pretende o Recorrido deitar mão de um expediente que sabia de antemão ser ilícito, guardando tal expediente “como trunfo”, para quando lhe conviesse, de forma...

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