Acórdão nº 397/16.0GAMMV-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelALCINA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatora: Alcina Ribeiro 1.º Adjunta: Cristina Pego Branco 2.º Adjunta: Maria Alexandra Guiné * … I. RELATÓRIO 1. Por sentença transitada em julgada em 28 de dezembro de 2017, foi AA condenado pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeito a regime de prova e ao dever de proibição de contactos com a vitima, com excepção das questões que se relacionem com os filhos de ambos e, ainda, na condição de pagar à vitima a quantia de 2 500,00€.

  1. Por decisão proferia em 29 de março de 2019, foi revogada a suspensão da execução da prisão do arguido, determinando o cumprimento da pena de um ano de prisão em que foi condenado, decisão essa que transitou em julgado no dia 8 de março de 2022.

  2. Detido o arguido, na sequência dos mandados de detenção emitidos para cumprimento da pena de prisão, veio o condenado, arguir a nulidade do despacho que decretou a revogação da suspensão da execução da prisão, com fundamento na preterição do seu direito de audição e violação do principio do contraditório.

  3. Por despacho proferido de 5 de dezembro de 2022 foi indeferida a nulidade inovada pelo Recorrente.

  4. Notificado desta decisão, interpõe o condenado o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: a) Foi o facto de o Recorrente se encontrar a trabalhar em Espanha que inviabilizou a sua notificação … b) O Tribunal, antes de revogar a suspensão da pena, não ouviu pessoalmente o arguido acompanhado do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão, como impõe o artº 495º, nº 2 do CPP.

  1. Independentemente de se terem frustrado as tentativas do Tribunal para ouvir o arguido antes da revogação da suspensão da pena, estava impedido de o fazer sem a sua audição presencial, como impõe a norma processual atrás referida.

  2. A não audição prévia do arguido do arguido, constitui uma nulidade insanável que é do conhecimento oficioso do Tribunal artº 119º, al. c) do CPP.

  3. Acresce que a falta de audição prévia constitui uma clara violação do princípio do contraditório consagrado no artº 32º da Constituição.

  4. O princípio do contraditório tem uma dimensão de garantia essencial da defesa e por isso não pode deixar de abranger todos os atos suscetíveis de afetar a posição do arguido no processo, nomeadamente neste caso concreto do despacho decisório que revoga a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, ao aplicar, por sua vez, a pena efetiva de prisão, equivale, em termos práticos e de relevância jurídica, à determinação de uma sentença.

  5. Neste sentido, ver o Ac. do Tribunal Constitucional nº 491/2021 de 08/07 que julgou inconstitucional a norma interpretativamente extraída do artigo 495.º, n.º 2, e do artigo 119.º, ambos do Código de Processo Penal, que permite a revogação da suspensão da pena de prisão não sujeita a condições ou acompanhada de regime de prova, com dispensa de audição presencial do arguido/condenado e sem que lhe tenha sido previamente dada a oportunidade de sobre a mesma se pronunciar, por esta preterição redundar em mera irregularidade.

… 6. A Ex.ma Senhora Procuradora na primeira instância defende a manutenção da decisão recorrida … 7. Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto defende o não provimento do recurso.

… II. A DECISÃO RECORRIDA O despacho sindicado tem o seguinte teor: «1. No âmbito dos presentes autos, por sentença proferida a 24-11-2017 e transitada em julgado a 28-12-2017, decidiu-se condenar o arguido «pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; 7.2. Suspender a execução da pena de prisão fixada em 7.1 durante o período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses: 7.2.1. sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social a incidir nas vertentes mais convenientes para a ressocialização do arguido … 7.2.2. subordinada ao cumprimento pelo arguido do dever de pagar (ou garantir o pagamento por meio de caução idónea), dentro do prazo de suspensão, a indemnização de 2.500,00 Euros … 7.2.3. subordinada à observância pelo arguido da regra de conduta de proibição de contactos com a vítima, por qualquer meio, com excepção das questões que se relacionem com os filhos de ambos …)».

Posteriormente, por decisão de 29-03-2019, decidiu-se «revogar a suspensão da execução da pena de prisão e, em consequência, determinar o cumprimento efectivo da pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão a que o arguido AA foi condenado nos presentes autos».

Após trânsito em julgado daquela decisão, foram emitidos mandados de detenção europeus para cumprimento daquela pena por parte do arguido, sendo que, na sequência do cumprimento daqueles mandados, por requerimento de 30-10-2022, veio o arguido «requerer a (…) anulação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena dado nos presentes autos porque a sua prolação, sem audição prévia do arguido, constitui uma nulidade insanável ao abrigo da al. c) do artº 119º do CPP e com os efeitos que essa nulidade produz nos termos do nº 1 do artº 122º do CPP, como também porque o mesmo viola o principio do contraditório consagrado nos nºs 1 e 5 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa».

… 2. O artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, determina que constitui nulidade insanável, a ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a «ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».

A nulidade insanável é, entre as formas de invalidade de actos processuais, a mais gravosa e, por isso, está reservada a situações de afronta a princípios fundamentais do processo penal português … Ora, um dos princípios fundamentais do processo penal português é o princípio do contraditório, consagrando o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» e o n.º 6, que «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento».

Destes comandos derivam, desde logo, alguns dos direitos do arguido expressamente consagrados na lei ordinária, concretamente no artigo 61.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, entre os quais se encontra o direito a: - estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito - alínea a); - e a ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte – alínea b).

De harmonia com estes direitos, que, como se disse, são expressão do direito ao contraditório, princípio fundamental do nosso processo penal, constitui nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.

De todo o modo, daqui não resulta ocorrer nulidade em todo e qualquer caso em que o arguido e/ou defensor não estão presentes numa diligência em que a lei prevê a sua presença … No caso em apreço, após a homologação do PRS e da informação da DGRSP de que o arguido apenas teria ido a uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT