Acórdão nº 22/20.5JALRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelROSA PINTO
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* A – Relatório 1. Nos presentes autos de instrução que correm na Comarca de Leiria (Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz 3), em que é assistente AA, foi proferida decisão instrutória, a 9.6.2022, decidindo-se não pronunciar o arguido BB, pelos factos e pela prática de um crime de burla informática e nas comunicações, previsto e punido pelo artigo 221º, nº 1, do Código Penal, que lhe foram imputados no requerimento de abertura de instrução.

  1. Inconformado com o despacho de não pronúncia, veio o assistente interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões: “1) O Assistente apresentou requerimento de abertura de instrução, em virtude do despacho de arquivamento do Ministério Público … 2) Por despacho proferido e notificado ao Assistente em 14-01-2022, veio a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, decidir rejeitar por inadmissibilidade legal o requerimento apresentado pelo Assistente para a abertura de instrução; 3) Por não concordar com tal decisão, o Assistente interpôs recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra, formulando as conclusões acima reproduzidas; 4) Na sequência do qual foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Assistente … … 6) Realizado o debate instrutório, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo proferiu o despacho, ora recorrido, e acima reproduzido, indeferindo as diligências requeridas e não pronunciando o arguido; … 8) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo limitou-se a declarar aberta a instrução e a designar a data do debate instrutório, indeferindo as diligências requeridas no Requerimento de Abertura de Instrução (RAI); 9) É certo que a abertura de instrução tem como finalidade a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (vide art. 286º n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP)); 10) Porém, para requerer a abertura de instrução, para além de dever indicar, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, em face do arquivamento do inquérito, pode indicar os atos de instrução que pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros se espera provar – vide art. 287º, n.º 2, do CPP); 11) Foi o que o Assistente fez ao pedir no final do RAI, a realização das seguintes diligências: → Que seja notificado o consulado português na Suiça, para que forneça aos autos a morada de CC, mãe do Denunciado BB, na qual este se encontra atualmente a viver, para que seja posteriormente notificado para prestar declarações no âmbito dos presentes autos; → Que seja notificado o Banco 1..., para que este forneça aos autos todos os dados relativos ao MB WAY utilizado nos movimentos eletrónicos de levantamentos de dinheiro e pagamento de compras da conta titulada por AA, desde o dia 03-01-2020 até ao dia 07-01-2020 inclusive e acima discriminados, designadamente o(s) número(s) de telemóvel utilizado(s) nessa aplicação.

    → Que seja notificado a A..., para fornecer aos autos cópia da fatura ou talão de compra emitidos na sequência das operações de compra efetuados nos dias 4/01/2020, 05/01/2020 e 06/01/2020 através do MBWAY e acima discriminados, e fornecer igualmente a informação se tais compras foram feitas na loja física ou online.

    - Caso as mesmas tenham sido feitas online, deverá também fornecer aos autos a identificação da pessoa e a morada onde os artigos foram entregues; - E caso as mesmas tenham sido feitas na loja física dizer se existem registos de vídeo desses dias em que foram efetuadas as compras e caso existam que sejam fornecidas aos autos.

    → Que sejam notificadas as entidades bancárias que gerem as caixas multibanco existentes na Av. ..., ..., na Av. ..., ..., na ..., todas em ..., para que venham juntar aos autos as imagens de vídeo referentes aos levantamentos ocorridos naquelas caixas multibanco nos dias 03-01-2020 04-01-2020 e 07-01-2020 e acima discriminados.

    12) Entendeu a Meritíssima Juiz a quo, que o Assistente, em vez de requerer a abertura de instrução deveria ter optado por suscitar a intervenção hierárquica requerendo que a investigação prosseguisse, indicando as diligências a efetuar, nos termos do disposto no artigo 278º, n.º 1, do Código de Processo Penal; 13) Por não usar de tal faculdade, optando por requerer a abertura de instrução, solicitando do Tribunal a realização de diligências, designadamente com vista a determinar o eventual paradeiro do arguido no estrangeiro (Suiça), entendeu, mal, na nossa modesta opinião, indeferir a realização das diligências requeridas por tal extravasar do âmbito da fase da instrução; 14) O Assistente não estava impedido de requerer a abertura de instrução requerendo que se procedesse à realização das diligências requeridas, conforme dispõe o citado artigo 287º, n.º 2, do CPP; 15) Parece ao Recorrente que a decisão de indeferir a realização das diligências requeridas é nula, por ser ilegal e por não se encontrar devidamente fundamentada de facto e de direito, pelo que foi violado o disposto no artigo 374º, n.º 2, do CPP – vide artigo 379º, n.º 1, al. a), do CPP; 16) Acresce ainda que a determinação do paradeiro do arguido poderia ser relevante para a prova dos factos, sendo necessária para o regular prosseguimento (procedimento) dos autos; … 18) A mera conjetura de que o mesmo poderia não prestar declarações, remetendo-se ao silêncio, não é fundamento bastante para que se não proceda à localização do arguido, tal como foi requerido pelo Assistente; 19) Sendo certo que o Assistente forneceu aos autos informações concretas onde o arguido poderia ser encontrado: “Na Suíça, em casa da mãe, de nome CC, para onde o arguido teria ido viver”; … 21) E pedindo o Assistente que fosse notificado o consulado Português na Suíça, para que fornecesse a morada de CC, mãe do arguido; 22) Pelo que o requerido a este respeito pelo Assistente não era desprovido de utilidade, antes pelo contrário; 23) Obtendo-se o paradeiro do arguido, para além de o poder notificar para ser ouvido na qualidade de arguido, este teria conhecimento da acusação que sobre si impendia e a que tem direito, podendo ou não prestar declarações que de alguma forma o indiciassem do crime que lhe é imputado no RAI; 24) A notificação do arguido seria sempre necessária, quer para efeitos de ser constituído arguido e prestar, pelo menos, termo de identidade e residência, quer para ser notificado de todos os atos processuais e para poder comparecer nas diligências que lhe digam diretamente respeito; … 26) Sendo que a não comparência do arguido no debate instrutório constitui uma nulidade insanável, que ora desde já se invoca, com todas as consequências legais daí resultantes; 27) A Meritíssima Juiz entendeu também, tal como a Digna Magistrada do Ministério Público, não existirem indícios que levem a fundamentar as suspeitas que recaem sobre o arguido BB; 28) Porém, todos os elementos carreados para o processo – extrato do Banco 1... dos levantamentos e compras feitas através do MB WAY (doc. 1), informação do Banco 1... (doc.2), contrato de venda de veículo e Declaração (doc.s 3 e 4), letras (doc.s 5 e 6) extrato do Banco 1... – Movimentos (doc. 7) – conjugados com as declarações do Assistente, não podem deixar de constituir fortes indícios da prática pelo arguido dos factos de que vinha acusado pelo Assistente no RAI; 29) As demais diligências requeridas, para além da localização do arguido, seriam precisamente para comprovar de forma inquestionável a autoria do arguido na prática dos factos descritos no RAI; 30) Ao indeferir-se a realização das diligências requeridas no RAI, tal decisão configura insuficiência de instrução, o que constitui uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 118º e 119º do CPP; 31) O despacho de não pronúncia constitui um ato decisório, nos termos do disposto no artigo 97º, n.º 1, al. b), do CPP; 32) Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão – vide art. 97º, n.º 5, do CPP; 33) O despacho de não pronúncia recorrido, não descreveu nem especificou os factos do RAI, que considerou não suficientemente indiciados; 34) O despacho não respeitou os artigos 205º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 97º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, 308º, n.º 2, 283º e 287º, n.º 2 do CPP, sendo nulo, ou pelo menos irregular, nos termos do artigo 118º, 119º, 120º e 123º do CPP, tornando a decisão inválida, nos termos do disposto no art. 122º, n.º 1 do CPP; 35) Violou ainda o Despacho recorrido o princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20º, n.º 5, da CRP, o qual dispõe: “Para defesa dos direitos liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”; 36) Ora, neste caso, essa circunstância não se verifica; … 41) Acresce que o Despacho recorrido viola o disposto nos artigos 374º, 375º e 377º do CPP; 42) Por tudo o que acima se disse, interpretando e aplicando deficientemente os elementos constantes do requerimento de abertura de instrução; 43) O Despacho recorrido é nulo, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou; … 3. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo assistente, pugnando pelo não provimento do mesmo … 4. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência parcial do mesmo e do reenvio do processo à 1ª instância para que sejam efectuadas as diligências requeridas pelo assistente … 5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de...

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