Acórdão nº 5142/21.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023
Magistrado Responsável | FERNANDO MONTEIRO |
Data da Resolução | 14 de Março de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: AA intentou ação contra BB, pedindo a nulidade ou, se assim não se entender, a anulação do testamento de CC, lavrado a 28 de fevereiro de 2020.
Para tanto, o Autor alega, em síntese: Desde cedo o testador demonstrou sinais de demência, sendo esta reconhecida por sentença transitada em julgado em 30 de julho de 2021, que fixou que o referido estado provinha de maio de 2015.
O testamento não exprime a real vontade do testador por o mesmo se encontrar impedido de entender o sentido da sua declaração.
O Réu contestou e deduziu pedido reconvencional, alegando, em síntese, que, a aceitar-se que o falecido padecia de doença, o seu quadro clínico foi evolutivo e com agravamento progressivo, não se aceitando que a sua capacidade cognitiva, mesmo que de modo acidental, estivesse comprometida em 28 de fevereiro de 2020, data da realização do testamento.
O Réu pede que se julgue a validade do testamento.
Realizado o julgamento, foi proferida a seguinte sentença: Decide-se em julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e a Reconvenção improcedente, por não provada e, em consequência: Absolver o Réu BB do pedido de declaração de nulidade do testamento de CC, lavrado a 28 de fevereiro de 2020, no Cartório Notarial em ... de DD, formulado pelo Autor AA; Julgar procedente o pedido subsidiário deduzido pelo Autor AA e, consequentemente, anular-se o testamento outorgado por CC, lavrado a 28 de fevereiro de 2020, no Cartório Notarial em ... de DD, testamento esse mediante o qual o Réu BB foi instituído único e universal herdeiro do aludido testador; Absolver o Autor do pedido formulado pelo Réu.
* Inconformado, o Réu recorreu e apresenta as seguintes conclusões: 1. O Recorrente considera que foram incorretamente julgados como provados alguns factos pelo Tribunal a quo.
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Os factos que ora se impugnam são os que infra se transcrevem: “5. Sucede que, o testador desde cedo demonstrou sinais de demência, sendo notória a qualquer pessoa que com ele convivesse (artigo 5º da petição inicial); 6. Nessa sequência, o Autor, porque sempre manteve o contacto, mesmo residindo no Luxemburgo, testemunhou uma rápida evolução da demência do testador, verificando que o mesmo se encontrava cada vez mais afetado a nível cognitivo e a nível comportamental. (artigo 6º da petição inicial); 14. À data da celebração do testamento, já o testador padecia de demência de alzheimer, remontando esta a, pelo menos maio de 2015. (artigo 18º da petição inicial); 15. À data do testamento, a saúde mental do testador já se encontrava bastante deteriorada, (artigo 21º da petição inicial); 16. O testamento não exprime a real vontade do testador, por o mesmo se encontrar impedido de entender o sentido da sua declaração. (artigo 22º da petição inicial); 17. O testador já possuía um discurso confuso, com falhas de memória associadas e alterações comportamentais adjacentes à progressão da demência de alzheimer. (artigo 23º da petição inicial); 18. O Réu bem sabia que, à data do testamento, o testador já não se encontrava em plenas capacidades mentais. (artigo 24º da petição inicial); 21. Bem sabia o Réu que o testador tinha uma relação bastante próxima com o Autor, nutrindo um grande carinho pelo mesmo. (artigo 27º da petição inicial); 22. O Réu, não mantinham uma relação sólida, mas antes uma relação meramente circunstancial que apenas ocorreu após o falecimento da mãe do Autor. (artigo 28.º da petição inicial); 29. O testador não estava a expressar a sua vontade livremente no momento da celebração do testamento. (artigo 35.º da petição inicial); 31. Nunca o testador, em perfeito juízo, iria beneficiar o Réu. (artigo 40.º da petição inicial); 34. Fazia o Autor questão de manter o contacto telefónico com o testador para o acompanhar (artigo 45º da petição inicial); 35. Viu-se privado de o fazer em janeiro de 2020, o Autor, por diversas vezes tentou contactar telefonicamente o testador, como sempre fazia, para inclusivamente o parabenizar pelo seu aniversário. (artigo 46º da petição inicial).” 3. Com o devido respeito, que é muito, fazendo-se a subsunção da matéria de facto considerada provada à prova produzida em sede de audiência final, parece ao Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não foi a mais justa.
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Começa a decisão por considerar provado que o testador, desde cedo, demonstrou sinais de demência (facto provado com o n.º 5).
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A decisão ora recorrida deu como provada a demência de Alzheimer do testador desde maio de 2015. Para tal, teve em consideração o relatório médico-legal, realizado pelo IML – Delegação do Centro, junto aos autos de Processo n.º 247/20...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... e que decretou a medida de acompanhamento ao testador (sentença transitada em julgado a 30.07.2021).
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No entanto, tal não resulta do depoimento das testemunhas que com ele conviviam que fosse notório qualquer sinal de demência por parte do testador.
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Nesta senda, despôs a testemunha EE, onde afirmou que o Autor do testamento e o Recorrente tinham uma relação próxima e de verdadeira amizade e que, por diversas vezes, almoçava com os mesmos.
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Asseverou que o falecido CC tinha um discurso coerente não havendo evidências de ter um discurso ilógico.
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No seu depoimento, a testemunha disse ter encontrado o testador pela última vez, aproximadamente há dois anos atrás (altura que remonta à celebração do testamento, que foi feito a 28.02.2020) e que, aparentemente, o mesmo encontrava-se bem de saúde e sem qualquer sinal de demência (gravação de 00:01:33 – 00:13:17).
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Também não foi tido em linha de conta o atestado médico, junto como Documento n.º 3 da Contestação, emitido a .../.../2019 pelo Dr. FF, onde não identificou qualquer sinal de demência sofrida por CC que obstasse à revalidação da carta de condução do testador.
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No seu depoimento, FF, médico reformado, que exerceu funções numa Clínica Privada, emitindo atestados para a revalidação de cartas de condução, admitiu que se fossem notórios sinais de demência não teria emitido o referido atestado onde consta que o testador preenchia as condições clínicas para que a sua carta de condução fosse revalidada.
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A testemunha foi perentória ao asseverar que se resultasse do seu diagnóstico que o utente padecia da doença de Alzheimer tal seria um impedimento intransponível para a emissão do referido atestado (gravação 00:08:01 a 00:08:30) 13. Considerou o Tribunal a quo como provado que o atestado não resulta de uma observação sumária e superficial feita pelo médico e que, caso fosse notório que o condutor não estivesse apto para a condução o médico poderia solicitar uma avaliação psicológica o que não o fez pelo que, é admitido pelo Tribunal de 1.ª Instância o rigor feito nesta avaliação.
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Aliás, o médico quando confrontando com o facto de o testador alegadamente sofrer de doença de Alzheimer, pelo menos, desde 2015, manifestou espanto porquanto, caso chegasse a essa conclusão não emitiria o atestado (gravação 00:13:14 – 00:14:59).
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Pelo que, uma vez mais, resulta do depoimento desta testemunha que o testador não padecia da doença de Alzheimer desde 2015 e, a considerar-se a alegada enfermidade, é notório que o mesmo tinha momentos de total lucidez como afirmado no depoimento das testemunhas tendo, o testamento sido celebrado em circunstâncias de total lucidez como foi corroborado pelas testemunhas presentes no ato da sua celebração.
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Com o devido respeito, parece também não terem sido devidamente considerados os depoimentos das testemunhas que estiveram presentes no ato de celebração do testamento sendo que estas tiveram oportunidade de avaliar se o Sr. CC estava lúcido e se eram notórios alguns sinais de demência ou limitação à sua capacidade volitiva aquando a manifestação de vontade em celebrar o testamento.
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Afirmou a testemunha GG - testemunha do testamento – que o Sr. CC lhe pareceu normal e quando comentou com o testador que o seu irmão estaria doente o mesmo ficou comovido, pelo que se conclui que estava ciente da gravidade da doença do seu amigo caso contrário, não teria tido essa reação (gravação 00:08:13 – 00:10:15).
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Também a testemunha Dra. HH, testemunha no ato solene de testamento afirmou que o testador CC, lhe aparentava estar normal (gravação 00:08:41 – 00:10:54).
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A Sr.ª Notária, que celebrou o testamento, prestou o seu depoimento afirmando recordar-se do testador e de ter conversado com o mesmo.
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Asseverou que a conversa foi mais ou menos longa. Recorda-se que o mesmo, no dia da celebração do testamento se encontrava triste, mas que, de nenhuma forma, lhe pareceu nervoso, pressionado ou com a sua capacidade de lucidez afetada.
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Mais referiu que fez algumas questões ao testador, facto que também foi corroborado pela testemunha HH e que, pese embora, não se recordar das perguntas concretas que fez não lhe restou qualquer dúvida de que o testador estava lúcido (gravação 00:08:00 – 00:12:43).
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Pelo que, as testemunhas que estiveram presentes no ato notarial do testamento todas elas indicaram, que o testador naquele dia aparentava estar lúcido não sendo notório qualquer sinal de que estava pressionado ou que limitasse a sua capacidade volitiva.
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Ainda que o Tribunal a quo considerasse que o testador padecia da doença de Alzheimer, o que levanta reservas ao Recorrente, todas as testemunhas afirmaram que o testador, no momento da celebração do testamento, encontrava-se normal, não havendo dúvidas quanto à lucidez do testador.
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De frisar que o processo de acompanhamento de maior só foi instaurado pelo Recorrido após o mesmo ter conhecimento do referido testamento.
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Resultou provado que entre o Recorrente e o testador existia uma relação de verdadeira amizade, não sendo esta meramente circunstancial.
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Assim asseverou a testemunha II acrescentando que o testador não apresentava sinais de qualquer doença dizendo conhecer o Recorrente e o testador por irem ao estabelecimento...
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