Acórdão nº 241/21.7T8TND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução14 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - AA, interpôs acção declarativa com processo comum, contra BB, pedindo a sua condenação no reconhecimento dele, Autor, como dono e legítimo possuidor do prédio descrito no ponto 1º da Petição Inicial, e na sua desocupação, bem como no pagamento de uma indemnização diária não inferior a 50,00€, por cada dia de atraso, após trânsito em julgado da sentença condenatória, na entrega do prédio livre e devoluto.

Para tanto, alegou, em síntese, ser dono de um determinado prédio urbano, “casa de habitação com 3 pisos, anexos e logradouro”, referindo que o mesmo foi por ele mandado construir no ano de 1999, erigindo-o em dois prédios rústicos que adquiriu em 1992, e que, entre 1991 e 1993, ele e a R., ele divorciado, ela viúva, iniciaram um relacionamento amoroso, principiando a viver juntos em França, país onde os dois trabalhavam, tendo regressado a Portugal em 2000, aquando da reforma dele, e passado a viver como um casal na acima referida casa. Refere que lá, como cá, cada um ganhava o seu dinheiro, fazia as suas economias, com contas e patrimónios separados, nunca tendo a R. contribuído com qualquer dinheiro fosse para o que fosse, designadamente para a aquisição e construção da acima referida casa, sendo que ela, com as suas economias, adquiriu habitação própria em ..., de que é única proprietária, e fez o seu pé de meia, nunca tendo tido um e outro contas bancárias ou quaisquer dinheiros comuns. Porém, em 2008, vítima de AVC, limitado nos seus movimentos, a fim de poder mexer na conta bancária para o seu dia a dia, adicionou a R., como autorizada, na sua conta à ordem. Em 2015 resolveram ambos dissolver a união de facto que tinham mantido. Algum tempo depois, a R. convenceu-o a voltar, propondo-lhe ficar como sua empregada doméstica, mediante o pagamento mensal de 400,00€, continuando ambos a viver na casa acima referida. Sucede que, valendo-se do frágil estado de saúde do autor e da diferença de idades, ele com 86 anos, ela com 67, privou-o de autoridade dentro de sua própria casa, tendo saído ele de casa, passando a viver em casa dum seu sobrinho. Não obstante tê-la intimado a abandonar a casa e levar os seus pertences, recusa-se a mesma a sair, obrigando-o a intentar a presente acção.

A R . contestou e deduziu reconvenção, nesta pedindo que se reconheça que Autor e Ré viveram em condições análogas às dos cônjuges, desde, pelo menos, 1991 a 2021, e se reconheça o direito de propriedade comum sobre o prédio acima identificado e respetivo recheio/ mobiliário. Caso assim não se entenda, que se reconheça que o A. a e Ré viveram em união de facto desde o ano 1991 a 2021 e que a Ré contribuiu de igual modo (em 50%) para a obtenção do património (comum) do casal, constante do prédio acima referido e no seu recheio, condenando-se o A. a pagar á Ré metade desse património, que computa em pelo menos 90.000€, ou pelo que se vier a liquidar em execução de sentença. Caso ainda assim não se entenda, se condene o A. a pagar à Ré uma compensação a titulo de enriquecimento sem causa, pelo seu trabalho (essencialmente doméstico), e na prestação de cuidados de saúde ao A, sem contrapartida, consubstanciada em, pelo menos metade do valor do imóvel acima referido e respetivo recheio/mobiliário, que se apura desde já em, pelo menos, € 90.000,00.

Para tanto, alegou, em síntese, que no início do relacionamento (1990/91) e até à construção da acima referida casa (ano 2000), estiveram a viver no ..., numa casa da Ré, e que durante todo o seu relacionamento foi sempre ela que fez todas as despesas domésticas, alimentação, água, gaz, luz da casa, compra de roupa, calçado, medicamentos, tendo sido ela quem confecionava as refeições, quem lavava e limpava a casa, as camas, e demais lide doméstica, acrescendo que nos últimos anos, com o agravar da doença do Autor, dificuldade de andar, de ouvir e demência, era ela quem tinha que sair com ele, de o amparar, de o vestir, calçar, dar banho. Refere ainda que o Autor aforrava toda a sua reforma, tendo sido muitas as discussões por causa disso durante a constância da união de facto, ao passo que a R. gastava toda a sua pensão, tendo sido criada do Autor, para todo o serviço. Acentua que os terrenos onde a casa foi edificada, esta, e o respetivo recheio, decorreram de dinheiro dos dois, pelo que o património que hoje têm, não obstante a casa ter sido inscrita somente em nome do A., - o que sucedeu por uma questão formal, uma vez que o terreno onde o mesmo foi implantado se encontrava em nome dele - adveio de contribuições iguais de um e de outro.

Teve lugar audiência prévia, em que foi admitido o pedido reconvencional, tendo sido identificado o objecto do litigio e enunciados os temas de prova.

Teve lugar a realização de perícia ao imóvel em causa na acção.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, tendo declarado o Autor titular do direito de propriedade do prédio urbano constituído por casa de habitação com 3 pisos, anexos e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ..., ..., a confrontar de norte e nascente com herdeiros de CC, do sul com DD e do poente com estrada, inscrito na matriz sob o art.º ...33.º, e descrito na Cód.Reg. Predial a seu favor, com o número ...25 e condenado a Ré no reconhecimento desse direito de propriedade, bem como na entrega ao Autor, no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, do referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, com excepção dos que sejam da propriedade deste, bem como a condená-la no ao Autor da quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na ordenada entrega do imóvel descrito em A. E julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pela R., absolvendo o Autor desse pedido.

II – Do assim decidido, apelou a Ré, que concluiu as respectivas alegações, do seguinte modo: 1. Foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto constantes da sentença recorrida: 2. Pontos 9.12 dos Factos Provados, que nenhuma prova se fez, e pelo contrário mostra-se em contradição com os factos dados como não provados sob os números 13.

7. Como decorre do depoimento da testemunha EE, que o Tribunal, sem qualquer razão aparente teima em não dar credibilidade. Por ser filha da Ré??!! A ser assim todas as testemunhas que o autor indicou são também seus familiares, cfr. acta de audiência de discussão e julgamento, das 15:01:00 às 15:13:06, cujos depoimentos se iniciam, respectivamente aos minutos 10.30 a 11.50.

[1] 8. Resultando provado no ponto 4 dos factos provados que o A. desde ao ano de 1991 até meados de 2016, viveram em união de facto, passando a partilhar cama, mesa e habitação, e que 9º A partir de 2016, até o ano de 2020, apenas partilharam mesa e habitação, facto provado sob nº 9, e que 10º Desde 1991 (inicio da relação até 2016, foi sempre a Ré reconvinte quem tratou de todas as lides domésticas da residência do casal, assim como as roupas do AA, sem qualquer compensação económica por parte deste.., (facto provado sob nº 11).

11º É certo que em 2016, a Réu lhe exigiu uma quantia em dinheiro, para continuar a tratar dele e da lide doméstica, mas esse valor era para ela custear as compras para casa (alimentação, produtos de higiene)… entendimento que o tribunal não colheu, deu outra interpretação…(entendeu que esse dinheiro era para seu proveito).

12º O tribunal interpretou esse valor como sendo uma compensação para a Ré….isto ofende o comum dos mortais, então trabalho doméstico da Ré, apenas valia 300 euros por mês, tal como o tribunal o entende.??!.. Não 13º E, finalmente o tribunal equivale a prestação que o A. vinha prestando, como pagando todas as despesas domésticas mais água e luz, com o trabalho da Ré reconvinte… Não..

14º O Trabalho da ré reconvinte tem um valor muitíssimo superior à prestação do Autor.., devendo por isso mesmo ser compensada..

15º Tal com afirma Menezes Cordeiro, uma parte significativa da jurisprudência nacional tem entendido que, aquando da cessação da união de facto, a causa justificativa em que se baseavam as atribuições patrimoniais dos conviventes se, extingue pelo que, nos termos da segunda parte do nº 2 do artigo 473º do CC deve recorrer-se ao instituto do enriquecimento sem causa na modalidade de “causa finita”, ou seja, de um enriquecimento em virtude de uma causa que deixou de existir.

16º Também a nossa jurisprudência maioritária têm vindo a considerar o trabalho doméstico prestado por um dos cônjuges, como uma contribuição para a vida em comum e portanto deverá ser compensado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, em causa de cessação da vida em comum, ou seja, 17ºNa esteira do que é defendido pela maioria da doutrina, o instituto que melhor se adequa à compensação do trabalho doméstico, e por isso, não remunerado, é o do enriquecimento sem causa, nos termos já explicitados supra, na medida em que, este regime permite, efetivamente, apurar qual a vantagem conferida com aquela prestação, a quem dela usufrui. Portanto, Apesar de na maioria das vezes o trabalho doméstico prestado no lar por um dos conviventes ser, de alguma forma, compensado através do sustento económico garantido pelo outro, tal situação não implica o afastamento do enriquecimento sem causa, funcionando, apenas como limitador do montante a restituir.

Assim decidiu o Acórdão do STJ de 14.01.2021 que, “ A prestação de trabalho doméstico, assim como a prestação de cuidados……exclusivamente ou essencialmente por um dos membros da união de facto sem contrapartida, resulta num verdadeiro empobrecimento deste, e a correspetiva libertação do outro membro da união da realização dessas tarefas, um enriquecimento uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades, sem custos ou contributos”, e continua o dito Acórdão, “Assim verificando-se nessas situações, um manifesto desequilíbrio na repartição dessa tarefas, não é possível considerar que a realização...

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