Acórdão nº 2243/20.1T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução14 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação 2243/20.1T8CBR.C1 Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Alberto Ruço Vítor Amaral * (…) * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 12.6.2020, AA e mulher BB, intentaram a presente ação declarativa comum contra Banco 1..., S. A. (1ª Ré) e A..., S. A. (2ª Ré), pedindo que se declare que os AA. nada devem à 1ª Ré, pelo que esta não podia transmitir a 2º Ré qualquer crédito sobre aqueles, relativamente ao contrato de mútuo referido nos autos, condenando-se as Rés a reconhecer que nada lhes é devido pelos AA. no que a esse contrato se refere [a)][1] e condenando-se, ainda, a 2ª Ré a retirar a comunicação que fez à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal referida nos “documentos 11 a 17” [b)] e, as Rés, a pagar solidariamente aos AA. a indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos e a sofrer em consequência da referida comunicação e enquanto esta se mantiver, no montante de € 10 000 para cada um dos AA. [c)].

Alegaram, em síntese: no contrato junto à petição inicial (p. i.) como documento n.º 1, apenas intervieram na qualidade de avalistas em livrança entregue ao Banco como caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes desse contrato de abertura de crédito, livrança essa que o Banco já lhes devolveu e que até já destruíram, sendo também certo que qualquer obrigação derivada da mesma já se encontra prescrita pelo decurso do prazo de três anos a contar do seu vencimento e do momento em que o Banco estava autorizado ao seu preenchimento, ou seja, 01.8.2009; nada lhes pode ser exigido enquanto avalistas da referida livrança, motivo pelo qual é falsa a comunicação que a 2ª Ré tem vindo a fazer para efeitos de inclusão no ficheiro da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, situação essa – reporte indevido, inexato e falso à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal – que é suscetível de lhes causar prejuízos e já lhes causou vários danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito e que geram, para as Rés, a obrigação de os indemnizar.

As Rés contestaram, concluindo pela improcedência da ação e tendo a 1ª pedido a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 10.9.2022, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as Rés do pedido, e condenou os AA. como litigantes de má fé na multa de 3 UC.

Inconformados, os AA. apelaram formulando as seguintes conclusões: 1ª - Para fundamentar o pedido formulado na al. c) do petitório, ou seja, que os réus fossem condenados a pagar solidariamente aos autores a indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos e a sofrer em consequência da comunicação referida à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e enquanto esta se mantiver, no montante de € 10 000 para cada um dos autores, como indemnização mínima, justa, legal e equitativa de todos esses danos não patrimoniais, alegaram os autores diversos factos constantes dos artigos 30º a 37º da p. i., mas a sentença recorrida não considerou provados alguns que se provaram.

2ª - Assim, deve ser alterado o facto 23, no sentido dele constar que “Exerce desde 29.5.2019, o cargo de Presidente do Conselho de Gerência”, como resulta do depoimento da testemunha CC.

3ª - Do mesmo modo, deve ser ampliado o facto 24, no sentido de ser dado como provado que “por virtude da informação constante da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal o autor viveu ansioso, nervoso, preocupado e envergonhado por ter tido necessidade de comunicar esse facto aos gestores da sua clínica, o que levou ao seu afastamento consensual e de facto da assinatura de documentos da sociedade e das suas reuniões”, como refere a citada testemunha.

4ª - Também deve ser aditado um facto provado novo - Facto 25 -, onde seja considerado provado que “os autores eram cumpridores das suas obrigações, incluindo bancárias e eram pessoas consideradas e de respeito como cidadãos e o autor também, como profissional da área médica”, como refere a testemunha DD.

5ª - Por isso, devem ser alterados os factos 23 e 24 e aditado o facto 25, com a redação que se deixa proposta, com fundamento na prova gravada que se invoca, com a procedência da presente impugnação da matéria de facto.

6ª - A decisão de direito, tem antes de mais de ser limitada pelo pedido formulado e esse pedido não é o que foi formulado na p. i., mas sim o que resultou da redução do pedido feito pelos autores no seu requerimento de 18.11.2021, com a redução do pedido da alínea a), pelo que o objeto da presente ação corresponde ao seguinte petitório: a) Declarar-se que os autores nada devem ao 1º Réu, a título de avalistas de uma livrança em branco subscrita por EE para garantia de um contrato de abertura de crédito por conta corrente, por ela celebrada em 1 de Agosto de 2006 com o 1º Réu, pelo que este não podia transmitir ao 2º Réu qualquer crédito sobre os autores, relativamente ao referido contrato de mútuo constante do documento 1 junto com a presente petição, condenando-se ambos os réus a reconhecer que nada lhes é devido pelos autores no que ao aval dado nesse contrato se refere, sendo que a referida redução do pedido foi admitida conforme consta da sentença ora recorrida.

7ª - Além disso, conforme consta de requerimento apresentado pela Ré A..., em 19.02.2021 foi informado nos autos que “cessou a comunicação do saldo referente aos Autores à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, bem como procedeu à eliminação do histórico de comunicações” e este requerimento/informação corresponde à satisfação do pedido formulado na alínea b) do petitório desde a p. i., que corresponde à confissão desse pedido pela Ré A..., mas não existe a mais leve referência na sentença final.

8ª - Nessa parte ação procedeu com a confissão do pedido.

9ª - Quanto ao pedido da al. a), entendem os AA. que a sua responsabilidade como avalistas na garantia do crédito concedido pelo 1º Réu a sua Tia EE e titulado pelo CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO POR CONTA CORRENTE, com o limite de € 80 000 e destinado pela mutuária a apoio de tesouraria (facto provado n.º 1) já cessou.

10ª - Desse contrato é relevante, por um lado, que os AA. intervieram como garantes, por meio de caução, nos termos definidos na cláusula 8ª desse contrato (facto provado n.º 2), como consta da citada cláusula 8ª (facto provado n.º 3) que “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes da presente abertura de crédito, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, BENEFICIÁRIO e GARANTES, respetivamente, subscreve e avalizam uma livrança em branco, a qual desde já autorizam o seu preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas.” 11ª - A referida cláusula 8ª contém o acordo de entrega ao banco credor da livrança e a autorização para o seu preenchimento e a primeira conclusão a extrair desta cláusula é a de que a garantia dos AA. era apenas de aval da livrança e não qualquer fiança à dívida contratada, como resulta do teor da mesma, onde expressamente se refere que “para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes da presente abertura de crédito, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, BENEFICIÁRIO e GARANTES, respetivamente, subscreve (no singular) e avalizam (no plural) uma livrança em branco.

” 12ª - “Havendo pacto de preenchimento, tal pacto deve ser objecto de interpretação à luz dos critérios previstos no artigo 236º e seg. do Código Civil” e qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, como os AA., só podiam deduzir do comportamento do declarante e do texto da cláusula que os mesmos AA., apenas eram garantes através da avalização da letra entregue.

13ª - Relativamente ao preenchimento da livrança em branco, especialmente quando devia ser preenchida e qual o prazo de vencimento da mesma a ser nela inscrito, deve ser por interpretação dessa cláusula, segundo os mesmos critérios do art.º 236º, n.º 1 do Código Civil (CC), que deve ser encontrada a resposta e nessa cláusula 8ª consta que a beneficiária e os avalistas “desde já autorizam o seu preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas as mesmas não foram integralmente pagas.” 14ª - Do texto referido na alínea anterior resulta que existe a obrigação para o Banco de proceder ao seu imediato preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento, na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas, pois da declaração constante do contrato resulta para um declaratário normal que o Banco assume a obrigação de preenchimento imediato da livrança com a falta de pagamento de qualquer das prestações convencionadas, ao mesmo tempo que é acordado que a data relevante para esse pagamento é a data de vencimento dessas prestações não pagas tempestivamente.

15ª - Não resulta dos autos, qualquer outra interpretação e é possível retirar do contexto em que o acordo de preenchimento é celebrado - e, sobretudo, da sua remissão para o evento que legitima o portador a completar o título - um limite temporal, que uma vez ultrapassado, tome o preenchimento abusivo porque desconforme à vontade objetivamente manifestada pelo subscritor em branco.

16ª - O ponto nevrálgico da solução a adotar é fornecido pelo evento – tipicamente, o incumprimento e/ou a resolução do contrato fundamental -, cuja superveniência legitima o portador a preencher o título, sendo que da Lei Uniforme de Letras e...

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