Acórdão nº 571/22.0T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelPIRES ROBALO
Data da Resolução14 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Proc.º n.º 571/22.0T8GRD.C1 1.-Relatório 1.1.-O Autor AA, interpôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Réu Estado Português.

Pede que o Réu seja condenado a pagar-lhe as quantias de: - 55.200,00 euros a titulo de danos não patrimoniais; - 27.136,69 euros a titulo de danos patrimoniais; e - 25.830,00 euros relativo a ganhos futuros não auferidos.

Para tanto, em síntese e com relevo, o Autor alega que foi arguido no Processo Comum Colectivo nº 266/16...., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., da comarca ... e que, no Inquérito, foi-lhe aplicada, em 18 de Março de 2019, a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância e foi pronunciado, e posteriormente julgado, pela alegada prática, em co-autoria com seu pai, BB, de dois crimes de escravidão e dois crimes de tráfico de pessoas, tendo ainda, a título individual e singular, sido também pronunciado pela alegada prática de um crime de abuso de confiança e, submetido a julgamento foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados, por acórdão de 19 de Dezembro de 2019, data em que foi-lhe revogada a medida de coacção e restituído à liberdade.

Mais alega que o Acórdão foi objecto de recurso, interposto pelo assistente do processo, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra negado provimento ao recurso.

E, segundo o Autor, a absolvição adveio de se haver comprovado que não praticou os crimes de que era acusado, não se estando, perante uma absolvição com base no princípio “in dubio pro reo”.

Relativamente aos danos não patrimoniais, alega que sofreu privação da liberdade durante 276 dias, o que acarretou-lhe um sentimento de profunda tristeza e inconformismo e, em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa; sempre fora, até à sua detenção, considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, e tido em consideração pela generalidade das pessoas, tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia ..., sendo que, após tal conhecimento passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo, o que lhe causou sentimento de desgosto e ainda afecta a sua imagem social; e andou preocupado por ter sido afectada a sua actividade profissional – sofreu de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir – deve ser fixada a indemnização em 200,00 euros diários.

Quanto aos danos patrimoniais, alega que tinha um rebanho composto por 252 animais adultos e a falta de assistência e acompanhamento, no período da sua detenção (e de seu pai), fez com que, por causas naturais (acidentes e ataques de predadores) tivessem desaparecido 107 ovelhas, sendo o prejuízo de 16.050,00 euros, porque cada animal tinha o valor de, pelo menos, 150,00 euros – desaparecimentos que aconteceram apesar de ter contratado uma pessoa para os trabalhos necessários ao manejo do rebanho e com quem despendeu a quantia de 2.460,00 euros, que não gastaria se tivesse liberdade para pessoalmente fazer tais trabalhos e a contratação não foi suficiente para garantir o manejo do gado; perdeu ainda 35 borregos (18 machos e 17 fêmeas) dos nascidos durante o período da privação da liberdade, perda essa resultante da acção de predadores – tendo um prejuízo de 2.960,00 euros e fi obrigado a devolver ao IFAP 2.625,69 euros; Alega igualmente o Autor que se viu impedido de colher/enfardar aveia e centeio, que semeia, e do feno dos seus lameiros tendo necessidade, de recorrer aos serviços de um conhecido para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção, gastando 791,00 euros e teve que comprar 1.500 fardos, com o custo total de 4.500,00 euros, sendo o seu prejuízo de 2.250,00 euros, correspondente à parte que destinou ao seu gado; e deixou de vender 5.000 fardos de feno, sendo o seu lucro cessante de 10.000,00 euros, porque o custo de produção é de 1/3 do valor de cada fardo; esteve ainda impedido produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas, tendo um lucro cessante de, respectivamente, 1.500,00 euros e 3.450,00 euros.

Por último, com a perda de produção das 107 ovelhas que pereceram, o rebanho deixou de produzir 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando de ganhar 10.880,00 euros.

*** 1.2. – Citado contestou o Réu Estado Português, defende-se por excepção inominada – autoridade do caso julgado, impugna os factos alegados pelo Autor e pede que o mesmo seja condenado por litigar com má-fé.

*** 1.3. - Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e fixados o valor da causa, o objecto do litígio, findo depois a ser realizada audiência de discussão, e prolação de sentença, onde se decidiu, julgar a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência:

  1. Absolver o Réu Estado Português, dos pedidos formulados pelo Autor AA.

  2. Condenar o Autor AA como litigante da má-fé na multa que se fixa em 10 (dez) unidades de conta.

* Valor da acção: 108.166,69 euros.

* Custas: pelo Autor (cfr. artigo 527º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

* Registe-se e notifique-se *** 1.4. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. - AA -, tendo terminado a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1ª – Pelas razões explanadas nos pontos 3 a 7 das presentes alegações (que aqui, por óbvias razões de economia processual, se dão por reproduzidas) deverão ser retirados dos “Factos Provados”, os aí referidos sob os nºs 41, 58, 59 e 60, pois que não se provaram.

  1. – O mesmo devendo suceder aos com os nºs 53, 56 e 57, atento o constante dos pontos 8 a 10 desta alegação; e 3ª – Ainda, os fixados sob os nºs 61 a 64, atentos os considerandos dos pontos 44 a 50 desta motivação.

  2. – Já no que concerne aos factos considerados não provados na decisão recorrida, entende-se que terão de considerar-se provados os que elencamos nos pontos 17, 19, 23 e 25, de acordo o aí alegado e face à prova produzida em audiência.

  3. – Uma vez que o recorrente, como dos autos resulta, esteve privado da liberdade durante 276 dias em virtude da medida coactiva que lhe foi aplicada no processo penal supra identificada, no qual veio a ser absolvido, 6ª – Absolvição essa resultante de se ter demonstrado que o arguido não praticou os crimes que lhe eram imputados, 7ª – Verificam-se os pressupostos previstos no artº 225º, nº 1, c), do C. P. Penal para que o recorrente tenha direito a ser indemnizado pelos danos, quer morais, quer patrimoniais, sofridos em virtude de tal privação, já que existe nexo de causalidade entre aquela privação e estes danos.

  4. – Ao afastar, no caso em apreço, tal direito, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o referido normativo.

  5. – Sendo, inclusive e nessa parte, tal decisão inconstitucional, porquanto violadora ainda dos artºs 13º, nº 1 e 32º, nº 2, da Constituição.

  6. – Devendo, consequentemente, ser tal decisão revogada, condenando-se o Réu Estado Português a indemnizar o Autor nos termos peticionados.

  7. – Absolvendo-se o mesmo A., aqui recorrente, da condenação como litigante de má-fé, pois que, como se demonstrou e é evidente, não deduziu ele pretensão contra legem nem alterou ou omitiu dolosa e conscientemente a verdade dos factos.

  8. – Sendo certo que o A. não logrou provar integralmente os factos alegados, no concernente aos danos patrimoniais cuja indemnização pretende, não é menos certo que resulta do processo e do julgamento que ele teve prejuízos na sua actividade agro-pecuária em resultado da privação da liberdade.

  9. – Por isso se concita aqui a aplicação da regra do artº 609º, nº 2, do C. P. Civil, devendo ser o R. condenado, quanto aos danos patrimoniais, a satisfazer ao A. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Assim decidindo farão, Vossas Excelências JUSTIÇA” *** 1.5. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu o M.P. terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1º. A fixação dos factos provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e a livre convicção que o Tribunal formou sobre a mesma, partindo das regras de experiência, assim como da prova escrita e oral que foi produzida, aferindo-se quanto a esta o conhecimento de causa e isenção de cada um dos depoimentos prestados.

2º. Os factos 41, 53, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64 resultaram provados em virtude desde logo da confissão do Autor (facto 41.º), dos diversos documentos juntos aos autos pelo Réu Estado, sendo inequívoco que a medida de coacção que lhe foi imposta no âmbito do processo n.º 266/..., não impediu o Autor de assegurar, por si ou através de terceiros, os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais, e que foram ainda garantidos pelo Veterinário Municipal e DGV (factos 58, 59 e 60).

3º. Tais factos encontram-se ainda suportados nas declarações prestadas pelas testemunhas CC, DD, EE , FF e BB; 4º. Não se verifica qualquer contradição entre os factos dados como provados em 58 e 24, sendo notório que uma pessoa não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado (aliás conforme é referido no documento de fls. Fls. 101, datado de 10 de Julho de 2019 e subscrito pelo Médico Veterinário Municipal de ...), o que não significa que não tenha sido possível às diversas pessoas que foram sendo contratadas pelo Autor, juntamente com os seus familiares e amigos, bem como com as diversas autorizações que foram sendo concedidas ao Autor e ao seu pai, vir a assegurar os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais.

5º. Quanto ao facto dado como provado em 59, ao contrário do que é alegado recorrente, o Tribunal considerou demonstrado que os cuidados aos...

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