Acórdão nº 5216/21.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO PORTISOL – CONSTRUÇÃO CIVIL E IMOBILIÁRIA, LDA.

intentou a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra BANCO MONTEPIO, S.A.

pedindo seja o Réu condenado: - a pagar à Autora “a quantia de € 28.800,00 (vinte e oito mil e oitocentos euros), relativa a gastos inerentes suportados pela Autora durante mais de 12 anos”; - a pagar à Autora “a quantia de € 114.000,00 (cento e catorze mil euros), relativa à contrapartida devida pelo uso da loja da Autora durante 12 anos e 8 meses”; - “a retirar a máquina ATM da loja da Autora”.

Alega, para tanto, e em síntese, que entre as partes foi acordada, em 2007, a instalação de um equipamento ATM em loja da Autora, tendo o Réu ficado de preparar um contrato escrito, nomeadamente com o valor mensal a pagar, o que nunca chegou a ser feito, nunca tendo sido paga qualquer contrapartida, nomeadamente pelas despesas inerentes à sua utilização, suportadas pela Autora. O contrato foi, entretanto, denunciado pelo Réu mas a Autora transmitiu que só autorizava a retirada da máquina contra o pagamento do valor relativo às despesas inerentes ao uso, a que atribuiu um valor total de 28.800,00. A Autora tem ainda direito a receber do Réu “pela utilização da loja com a máquina ATM” o valor mensal de € 950,00, correspondente à última verba mensal pela qual a loja da Autora esteve arrendada.

* Citado para contestar, o Réu fê-lo, invocando, no essencial, que a vontade das partes aquando da instalação do equipamento foi a de não estipular uma comparticipação já que a mesma estaria no benefício “evidente” que a Autora retirava daquela; o montante pedido pela Autora além de não ser devido é manifestamente desproporcionado, não existindo qualquer culpa ou ilicitude no comportamento do Réu para que lhe possa ser imputada qualquer responsabilidade ou o pagamento de qualquer montante indemnizatório, concluindo pela improcedência da ação.

* Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e agendada a audiência final.

* Procedeu-se a julgamento, vindo, a final, a ser proferida sentença cm o seguinte dispositivo “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar o Réu a: a) retirar, a expensas suas, o equipamento ATM da fachada da loja da Autora, correspondente ao R/Chão Esquerdo, com entrada pelo nº 28-C e 28-D, do prédio urbano sito na Av. ..., na ..., repondo-a no seu estado anterior; b) pagar à Autora a quantia de € 18.300,00, a título de (contra)prestação devida pelo tempo em que o dito equipamento esteve instalado e em funcionamento na dita fachada, absolvendo-a do mais peticionado.

Custas pela Autora e pelo Réu, na proporção do respetivo decaimento.

”.

Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação, vindo a Relação de Lisboa, em acórdão, a “julgar procedente a apelação, revogando o ponto b) da sentença recorrida, mantendo-se a mesma no demais.”.

** Por sua vez inconformada, vem a Autora PORTISOL – CONSTRUÇÃO CIVIL E IMOBILIÁRIA, LDA interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1.

Salvo melhor opinião, consideramos que o Acórdão, que decidiu que os presentes autos não consubstanciam uma situação de indeterminação do objeto do negócio que leve à aplicação do artigo 400.º do CC, incorreu em violação delei substantiva, razão pela qual vem a Autora, ora Recorrente, interpor o presente Recurso de Revisão.

  1. Cumprido que está o disposto nos artigos 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 3 do CPC, não existem obstáculos à admissibilidade do presente Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, motivo pelo qual deverá o mesmo ser admitido.

  2. Decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 12 do Acórdão, pela revogação do ponto b) da decisão recorrida, que consiste no pagamento à Recorrente da quantia de €18.300,00, a título de (contra)prestação devida pelo tempo de 12 anos e 8 meses em que o equipamento ATM do Réu Banco Montepio, S.A./ora Recorrido esteve instalado e em funcionamento na fachada da loja da Recorrente, situada junto à Estação da CP ....

  3. Considerou a Relação, a fls. 12, que “(…) os autos não contêm matéria de facto suficiente para concluir qual tenha sido o efectivo acordo celebrado entre as partes no que diz respeito ao pagamento de quantias, seja a que título for,” situação que, segundo este Tribunal, “(…) determina a impossibilidade de condenar o R.

    em qualquer quantia nessa qualidade (…)”.

  4. Estando aqui em causa uma questão de direito, é nossa convicção que a Relação esteve mal quando decidiu que o artigo 400.º do CC não tem aplicabilidade no caso dos autos e, que, mesmo que assim fosse, não existem elementos que possibilitem o recurso à equidade.

  5. Trata-se, assim, de saber se a (contra) prestação correspondente ao pagamento de uma verba mensal pelo Recorrido à Recorrente, que não se encontra determinada pelas partes é, ainda assim, determinável.

  6. Para tal, importa ter em conta os factos considerados provados na douta Sentença e mantidos na “Fundamentação de Facto” do Acórdão, a fls. 5 e 6, dos quais se salientam os factos 5, 7, 8, 12, 13, 14 e 15, que relevam para a apreciação da questão de direito em causa na presente revista.

  7. Porque se trata de um Recurso de Revisão, importa, desde logo, ressalvar que, sendo da exclusiva competência das instâncias a indagação da real intenção dos contraentes, tanto no ato de vinculação negocial como no desenvolvimento ou execução do negócio propriamente dito, na medida em que constitui matéria de facto, encontrando-se, no entanto, “(…) em causa a interpretação (efetuada pelas instâncias) de uma declaração negocial segundo (ou por aplicação de) critérios normativos (…) a questão passa a ser de direito, como tal já podendo e devendo ser conhecida pelo Supremo.”, cfr. Ac. do STJ.

  8. Impõe-se discordar da apreciação da Relação quando considera que o artigo 400.º do CC não tem aplicabilidade in casu, porquanto não só ficou provado o compromisso de pagamento de uma (contra)prestação mensal por parte do Recorrido pela instalação da máquina ATM na loja da Recorrente, como existem nos autos critérios para se proceder à sua determinação, nomeadamente os valores avançados pelo Recorrido e pela Recorrente, respetivamente €50,00 e €200,00.

  9. Aliás, se não existisse um acordo no sentido do pagamento de uma (contra)prestação pelo Recorrido relativa à instalação da máquina ATM, não faria sentido a proposta por este realizada, em maio de 2016, de pagamento da verba mensal de €50,00 à Recorrente.

  10. Não colocando a Relação dúvidas relativamente à qualificação efetuada pela 1ª Instância sobre a existência do contrato celebrado – apesar de não ter sido reduzido a escrito – importa salientar que, nos termos dos artigos 397.º e 398.º do CC, a prestação constitui o objeto da obrigação e as partes têm a faculdade de determinar o seu conteúdo dentro dos limites da lei, Cfr. refere Menezes Leitão.

  11. Tendo e conta que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja indeterminável, cfr, art. 280.º do CC, importaesclarecer devidamente – segundo Menezes Leitão – que “(…) indeterminável não deve ser confundido com indeterminado, já que a obrigação pode constituir-se estando ainda a prestação indeterminada, desde que ela seja determinável.”, aplicando-se assim o artigo 400.

  12. Quando aquela disposição legal se refere a “juízos de equidade”, que é sinónimo de “juízos de razoabilidade”, salienta Vaz Serra a propósito da análise da prestação enquanto objeto da obrigação, que “(…) para essa equitativa determinação deve existir uma base objetiva a que se possa atender, como seja a contraprestação, o fim da obrigação, os usos e outras circunstâncias.” 14.

    In casu, foi o próprio Recorrido que em 2007 transmitiu à Recorrente que iria preparar um contrato para ser assinado, nomeadamente com o valor mensal da (contra)prestação a pagar, tendo em 2016 avançado com o valor mensal de €50,00 e a Recorrente com o valor mensal de € 200,00, cfr. factos provados 5, 8 e 14.

  13. Pelo que esteve bem a 1.ª Instância quando decidiu que destes factos resultava que as partes equacionaram a existência de uma (contra)prestação, indeterminada, mas determinável nos termos do artigo 400.º do CC.

  14. Está assim em causa a interpretação efetuada pela Relação da declaração negocial segundo critérios normativos – tendo em conta a teoria da impressão do destinatário, acolhida no n.º 1, do artigo 236.º do CC – quando considerou que os autos não contêm matéria suficiente para concluir qual tenha sido o efetivo acordo celebrado entre as partes no que diz respeito ao pagamento de quantias.

  15. O funcionário do Recorrido, AA, responsável pelos assuntos relativos à instalação de equipamentos ATM, disse claramente no seu depoimento que: (i) em situações mais antigas – como a dos autos, aliás – é frequente que a instalação do equipamento ATM seja feita sem contrato escrito; (ii) habitualmente é feito um cálculo para apurar um valor de compensação a pagar pelo banco; (iii) é frequente haver um período de carência antes deser determinado o valor de compensação a pagar.

  16. Pelo que a Relação deveria, à semelhança do decidido doutamente pela 1.ª Instância, ter interpretado o contrato com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição concreta o entenderia, considerando, nomeadamente, que à época era prática comum nestas situações as partes não determinarem ab initio a (contra)prestação devida à Recorrente pela instalação do equipamento ATM.

  17. Acresce referir que a posição vertida no Acórdão, implica a consideração da gratuidade do contrato em causa, o que não se apresenta coerente, até porque os sujeitos em lide são ambos comerciantes (sociedades comerciais), na aceção do artigo 13.º do Código Comercial.

  18. Esta interpretação da declaração negocial – tendo em conta o fim deste tipo de obrigação/contrato e os usos relativos a estas práticas bancárias – segundo...

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