Acórdão nº 536/22.2T9PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1. Por decisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (doravante IMT), à arguida A..., Lda., com os demais sinais dos autos, foi aplicada uma coima no valor de 1 300,00 € (mil e trezentos euros), pela prática de uma contra-ordenação de realização de transporte com excesso de carga igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de Julho, na sua redacção actual.

Inconformada, a arguida A..., Lda. veio impugnar judicialmente a decisão administrativa … Realizou-se audiência de julgamento, na qual foi comunicada à recorrente uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão administrativa.

Foi, então, proferida sentença na qual o tribunal decidiu julgar improcedente o recurso.

  1. A arguida A..., Lda. … interpôs recurso da sentença, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões … “A. A ora Arguida dedica-se ao transporte de compra e venda de madeiras e exploração florestal; B. No decurso da ação de fiscalização a arguida realizava transporte de madeiras; C. Labora na área há mais de 20 anos e não tem quaisquer antecedentes criminais; D. Há uma Violação do principio do Reformatio em Pejus; E. A decisão condenatória proferida pela entidade administrativa é nula, por não observância da normas legais violadas.

F. Não há prova quanto ao dolo eventual, mas apenas quanto à negligência, G. Caso seja entendimento da aplicação de alguma sanção, deverá ser uma ADMOESTAÇÃO H. Face à gravidade diminuta da contraordenação e estarmos perante uma Recorrente sem ter sido punida com qualquer sanção anterior.

  1. Mas caso seja considerada aplicação da de uma sanção deverá, pelo que o valor da coima mínima deverá ser especialmente atenuado Normas Violadas: … 3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pela improcedência e formulando as seguintes conclusões (transcrição): “1- Não foi violado o princípio do reformatio in pejus: a opção de pagamento voluntário (colocando fim ao processo) não se confunde com uma decisão de fundo. A única decisão proferida pela autoridade administrativa foi a que aplicou a coima que o tribunal a quo decidiu manter.

2- … o próprio legal representante da sociedade afirmou conhecer a legislação aplicável.

3- Não estão reunidos os pressupostos para aplicação da admoestação … 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto … emitiu parecer concordante com a posição assumida na resposta do Ministério Público da 1.ª instância … … * II – Fundamentação … Conforme decorre do preceituado no artigo 75.º, n.º 1 do RGCO, em sede contra-ordenacional como a presente o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, sem prejuízo de eventual alteração da decisão do tribunal recorrido, nos termos do n.º 2, alínea a), do referido normativo.

Contudo, mesmo limitado à matéria de direito, o tribunal de recurso conhece dos vícios decisórios indicados no artigo 410.º, n.º 2 do CPP (cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95).

… as questões a apreciar são as seguintes: - Violação da proibição da reformatio in pejus.

- Nulidades da decisão administrativa e da sentença recorrida.

- A aplicação de admoestação.

- A atenuação especial da coima.

- A redução do montante da coima.

* 2. A sentença recorrida.

2.1. Na sentença proferida pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): “1. No dia 02/04/2019, pelas 20.43 horas, na Zona Industrial – ..., em ..., a arguida realizou o transporte de mercadorias … através do conjunto de veículos, composto pelo veículo pesado, tractor de mercadorias, com a matrícula ..-..-MG, e pelo semirreboque com a matrícula L-......, conduzido por AA; 2. … o dito motorista, AA, igualmente legal representante da sociedade arguida, fazia o transporte em apreço por conta e o interesse da mesma; 3. O conjunto dos veículos identificado tem o peso bruto de conjunto de 40.000 kg e uma tara de 7.140 kg, tendo o semirreboque um peso bruto de 33.000 kg; 4. O conjunto de veículos identificado tem um peso máximo legal de 40.000 kg, (soma da tara do tractor com o peso bruto do semirreboque, com o limite de peso bruto de conjunto constante do certificado de matrícula do veículo tractor); 5. O veículo pesado de mercadorias em apreço foi submetido a pesagem em balança da marca CAPTELS ORA 10, série nº 860, composta pelas plataformas nºs 03063445 e 03063446, aprovadas pela ANSR, através do Despacho 13179/08, de 12/05/2008 e com o certificado de aprovação de modelo CE nº T6377, efectuada pelo NMI GERTIN B.V. – Holanda, em 16/02/2013, válido até 16/12/2023, e com certificado de verificação periódica nº 201.24/18.09693 Rev. 0 de 23/05/2018, efectuado pela TAP MAINTENANCE & ENGINEERING, Laboratório de Calibrações; 6. O conjunto de veículos identificado acusou um peso total em trânsito de 51.820 kg, correspondente ao valor registado de 52.120 kg, deduzido o erro máximo admissível, circulando com um excesso de carga de 11.820 kg, correspondente a 29.5%, relativamente ao peso máximo permitido para esse veículo, de 40.000 kg; 7. A balança utilizada pela entidade fiscalizadora encontrava-se devidamente aferida, aprovada e certificada para as funções desempenhadas, sendo composta por duas plataformas de pesagem e um indicador electrónico ligados entre si, tendo a instalação das plataformas sido feita em superfície horizontal, ficando as plataformas e os respectivos estrados novelados e estáveis, conforme manual do fabricante, tendo o conjunto de veículo sido pesado nas mesmas condições em que se encontrava a circular; 8. A balança foi operada por agente com formação para o efeito; 9. A arguida dedica-se à serração de madeiras e exploração industrial; 10. A arguida conhece o tipo de mercadoria transportada, bem como dos limites de carga dos veículos utilizados no desenvolvimento da sua actividade social, conhecendo os limites de carga do conjunto de veículos em concreto, sendo-lhe exigível que conforme o seu comportamento aos referidos limites; 11. Era exigível à arguida que evitasse o transporte de mercadorias em excesso, considerando a capacidade de carga do conjunto de veículos utilizado, o que esta não fez; 12. A arguida conhece as obrigações legais decorrentes da sua actividade, sendo-lhe exigível que actue de acordo com as mesmas, o que não fez, representando como como consequência possível da sua conduta, a violação de um comando legal e não se abstendo de actuar desse modo 13. Ao agir conforme supra descrito, a arguida actuou de modo livre e consciente, tendo por propósito a realização do transporte nas condições em que o veículo manifestamente apresentava, representando como consequência possível da sua conduta e conformando-se com tal representação a violação de um comando legal; Mais se provou que: 14. O condutor referido em 1, além de ser motorista da arguida/recorrente, é o seu legal representante desde a sua constituição, há mais de vinte anos; 15. Actualmente, a arguida tem apenas dois trabalhadores, a saber o seu legal representante, que desempenha igualmente funções de motorista, a esposa deste; … 20. E teve cerca de € 700,00 de lucro no último ano”.

… 2.3. E o tribunal a quo fez constar a seguinte fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (transcrição): “Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, valorada atendendo ao princípio da livre apreciação, consagrado no artigo 127º do CPP.

A medida do valor da prova prestada por depoimento, como é o caso das declarações dos arguidos/recorrentes e das informações prestadas por testemunhas mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores: Seriedade (boa motivação da testemunha para depor).

Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior).

Razão de Ciência – fonte de conhecimento dos factos.

Coerência Lógica: Interna (depoimento confrontado consigo mesmo).

Externa (depoimento confrontado com os demais).

É no âmbito da coerência lógica que podem e devem ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes).

Se a lógica pura e simples não der a resposta completa (por exemplo, um facto pode ser possível, mas de difícil verificação), aí entra a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras de experiência (artigo 127º do Código Penal).

Refira-se, ainda, que o depoimento prestado pelo arguido/recorrente, à semelhança do que sucede no processo penal, deve ser também valorado à luz dos factores de credibilidade com que se julga a prova testemunhal, embora tendo em conta as especificidades decorrentes do seu estatuto. O arguido/recorrente é também aqui, como se sabe, a “testemunha” principal do processo, pois que ele mais que outra pessoa está em posição para relatar – ou não – os factos de que vem acusado. Porém o arguido/recorrente tem um estatuto processual especial no nosso direito, não sendo obrigado a prestar declarações nem...

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