Acórdão nº 078/21.3BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A..., S.A.

, melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada proferida 31 de maio de 2022, a qual julgou a presente impugnação judicial improcedente por ela deduzida, visando o acto de liquidação da taxa municipal de ocupação de subsolo (TOS), no montante de 29.477,61 €, incluída na factura n.º 11200000431905, relativa ao período de fornecimento de gás de 1.10.2020 a 31.10.2020, emitida pela B..., S.A.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 1003 a 1052 do SITAF: A. A partir de 1 de Janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida.

  1. Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

  2. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º 11200000431905, emitida em 5 de novembro de 2020 pela B..., e na qual foi incluída a TOS no montante de € 29.477,61.

  3. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 4 de dezembro de 2020, ao pagamento da fatura e da TOS.

  4. A Recorrente instaurou ação contra a comercializadora (a B...), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída naquela fatura, por violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso.

  5. Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo, no qual o Mma. Juíza a quo decidiu pela improcedência da impugnação judicial.

  6. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito, uma vez que a LOE 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.

  7. No essencial, e quanto a este segmento, o Mma. Juíza a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos.

    I. Com efeito, em particular aduz-se, na sentença sob recurso, que “[c]om efeito, nem o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.

    Conclui-se, assim, que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, atendendo a que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, de modo a que produza os seus efeitos jurídicos.” J. Um raciocínio inaceitável, tendo em conta que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.

  8. Com efeito, determina o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).

    L. Assim, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 – e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional – a repercussão legal da TOS no consumidor final passou a ser ilegal.

  9. Em todo o caso, sem prejuízo da ilegalidade da repercussão, esta continuou a ser efetuada à Recorrente, que é consumidora final, nos mesmos termos em que era efetuada antes da entrada em vigor do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

  10. O que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, repercussão essa que é ilegal e proibida, mas que continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017.

  11. O incómodo, injustiça ou ilegalidade da situação em que a ora Recorrida ou demais comercializadoras possam estar colocadas por força dessa proibição não é imputável à (nem repercutível sobre a) Recorrente, mas ao Estado.

  12. Com efeito, se à entidade demandada, aqui Recorrida, se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrida insurgir-se e acionar o Estado como entender, designadamente em sede de responsabilidade civil.

  13. O que a Recorrida não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida.

  14. Entender de outro modo – como entendeu o Mma. Juíza a quo na douta sentença sob recurso – é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República, condicionando a eficácia de diplomas aprovados pelo órgão legislativo soberano no sistema português ao facto de tais diplomas ou normas serem, ou não, convenientes à atividade dos sujeitos a quem essa legislação se dirige, ao arrepio do princípio do primado da Assembleia da República que se infere do nosso sistema constitucional de reserva de competências, consagrado em particular nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º da Lei Fundamental! S. Ou seja – refira-se com toda a transparência – a interpretação que logrou obter vencimento na sentença sob recurso não é uma interpretação conforme à Constituição, porque resulta da Constituição que um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode limitar a vigência de uma Lei do Orçamento.

  15. No Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e Ministro do Ambiente e da Ação Climática, o governo português reconhece (i) que a proibição de repercussão da TOS foi determinada pelo artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017; (ii) que as entidades do setor não estão a cumprir com essa determinação (razão pela qual se almeja “o fim da repercussão”; e, (iii) que e é necessária uma alteração legislativa MAS – e esta é a parte relevante – tal alteração servirá para que a incidência passe a assentar na efetiva ocupação do subsolo, nada tendo a ver com a possibilidade de repercussão sobre os consumidores.

  16. De resto, já na LOE de 2019 se havia previsto, no respetivo artigo 246.º, com a epígrafe “Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo”, que “1 — O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores [o que só pode interpretar-se como sendo uma abertura à revisão da proibição criada em 2017, por força dos resultados que a mesma tivesse tido no equilíbrio contratual dos operadores do setor]; 2 — A alteração legislativa prevista no número anterior deve [fazer] assentar a incidência [da TOS] na efetiva ocupação do subsolo […]” V. Respondendo diretamente à questão colocada na sentença sobre o “sentido” que fazem estas sucessivas referências ao tema na legislação aprovada a partir de 2017, o sentido é este: estando ciente do incumprimento das operadoras/comercializadoras, o Governo pretendeu asseverar aos agentes económicos que o seu objetivo não seria alterado nem reduzido pelo ilegal comportamento destas entidades.

  17. Não há dúvidas de que a necessidade de alterações e de revisão legislativas mencionadas no artigo 70.º do Decreto-Lei de execução orçamental relativo a 2017, na LOE de 2019, na LOE de 2021 e no Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, se relacionam com os operadores de energia e com o modo como a TOS recai sobre estes e é calculada.

    X. Mas também é de cristalina evidência de que nada nessas normas e Despacho contende com a posição jurídica subjetiva em que o artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017 envolveu a Recorrente e nos termos da qual a TOS deixou de poder ser-lhe exigida.

  18. In casu, a Recorrente é um consumidor final e a lei diz, expressamente, que “[a] taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” – cit., artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 (destaques nossos).

  19. O segmento final da norma acabada de citar é imediatamente constitutivo de direitos para os consumidores, não carecendo, para ser eficaz, de qualquer densificação legislativa ou regulamentar adicional.

    AA. Estes direitos são independentes do que suceda a montante, i.e., da solução dada à questão de saber sobre quem deva recair, entre Operadores e Comercializadores, o encargo da TOS, ou a jusante, i.e. da atitude que operadores e comercializadores queiram tomar relativamente ao Estado, que lhes exige um pagamento que não pode – e não pode por determinação legal - ser repercutido nos seus clientes.

    BB. Por força dessa determinação legal o encargo não pode ser suportado pelo consumidor, máxime pela ora Recorrente, que é um terceiro face às relações estabelecidas entre o Estado, Operadoras e Comercializadoras. CC. É esta clareza que deve assistir à tomada de decisão relativamente a este caso: a. A LEI atribui um direito ao consumidor (v.g. à Recorrente), qual seja, o de não suportar a taxa de ocupação do subsolo; b. Esse direito cria uma obrigação simétrica na esfera da Recorrida: a proibição de cobrar o montante da TOS à Recorrente.

    c. A questão de saber quem deve suportar a TOS é irrelevante para o consumidor e deve ser dirimida em sede própria, se os visados assim entenderem; DD. Tanto vale...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT