Acórdão nº 1509/20.5T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução09 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Família e Menores ..., corre termos inventário para separação de meações, em que é Requerente AA e Cabeça de Casal BB.

Os interessados foram casados em regime de comunhão de adquiridos.

O casamento foi dissolvido por divórcio em 26.9.2013.

Nas suas declarações, o cabeça de casal afirmou que o património comum do seu dissolvido casamento é actualmente constituído por bens móveis e um veículo automóvel, e que existe passivo a relacionar.

Na relação de bens que apresentou o cabeça de casal fez constar, como passivo, 4 verbas correspondendo a dívidas emergentes de contratos de crédito contraídos pelo dissolvido casal junto da Banca.

A interessada respondeu dizendo que o valor das despesas materiais feitas pelo ex-casal com as ditas obras é igualmente um bem comum do mesmo, nos termos do disposto nos arts. 1724.º, al. b) e 1733.º, n.º 2 do CC, devendo, pois, ser relacionado como crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal o montante de € 164.057,97.

Realizou-se perícia para determinar o valor do prédio em causa, bem como as obras que nele foram feitas. O relatório mostra-se junto a fls. 68 e seguintes do histórico.

Entretanto os interessados, juntando prova documental, chegaram a acordo em que o passivo do ex-casal foi todo pago e já não existe.

O cabeça de casal veio alegar que as dívidas do casal (as 4 verbas do passivo) foram integralmente pagas, em exclusivo, por si, pelo que ele passou a ser titular de um crédito, sob a Interessada AA, correspondente à metade do valor global do passivo comum, e que ascende a € 61.508,14.

E requer que o Tribunal determine que em substituição do passivo, seja relacionada uma dívida da Interessada AA ao aqui Interessado, no valor de € 61.508,14.

A interessada AA veio dizer que até .../.../2013, data do divórcio, as prestações relativas aos créditos contraídos foram sendo suportadas por ambos. E a partir dessa data o remanescente do valor dos créditos em causa (liquidado pelo requerido) não pode ser imputado à requerente, na proporção de metade ou qualquer outra, porquanto verificar-se-ia uma situação de enriquecimento sem causa. E termina dizendo que só os meios comuns serão a forma adequada para obter a decisão da causa.

Respondeu o cabeça de casal, chamando à colação Acórdão recente deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 27.01.2022 no processo n.º 4218/21...., e reafirmando que tendo o cabeça de casal, após o divórcio, pago o passivo comum mediante a alienação de bens próprios, tornou-se credor da Interessada AA pelo que pagou para além do que lhe competia, ou seja, na proporção de metade do passivo relacionado, sendo o inventário em consequência de divórcio, e não os meios comuns, o local próprio para liquidar definitivamente as responsabilidades entre os ex-cônjuges.

No dia 07.11.2022 teve lugar uma conferência de interessados, na qual, face à falta de acordo quanto à composição dos quinhões, nos termos do artigo 1113,1 do CPC, foi determinada a abertura de licitações.

Relativamente ao passivo e face à junção pela interessada de documentação bancária onde se atesta que os mútuos bancários elencados nas verbas 1 a 4 se encontram liquidados, deu-se a palavra ao cabeça de casal que reiterou a posição já vertida nos autos de que o passivo foi liquidado por si, entendendo existir neste momento um direito de crédito sobre a interessada AA.

Pelo Ilustre Mandatário da requerente foi dito que não aceita o passivo, face à absoluta inexistência de documento que suportem que o pagamento foi feito pelo cabeça de casal e que face a informação bancária da liquidação dos empréstimos deverá considerar-se que inexiste passivo, desconhecendo além do mais se o pagamento foi feito com verbas próprias ou comuns.

Pelo cabeça de casal foi referido que o pagamento dos créditos foi feito com o produto da venda do bem próprio onde foram incorporadas as benfeitorias.

Foi então proferido o seguinte despacho: “Face à informação bancária, o Tribunal verifica que o passivo relacionado se encontra liquidado.

A circunstância invocada pelo cabeça de casal de ter sido ele a liquidar os créditos é susceptível de consubstanciar um direito de crédito deste sobre a interessada, porém face à posição desta no sentido de desconhecer quem procedeu ao pagamento e, no caso de ter sido o cabeça de casal se foi com bens comuns ou próprios, estamos perante matéria controvertida que deverá ser apreciada em acção autónoma.

Com efeito os elementos constantes dos autos não nos permitem, com segurança, saber a que respeitam os créditos e que fundos foram usados para os liquidar, remetendo-se os interessados para os meios comuns a fim de discutirem tal questão, matéria que pela complexidade e prova a produzir não se compadece com caracter incidental dos presentes autos (cf. art 1106, n.º 3, do CPC, a contrario)”.

Inconformado com esta decisão, o cabeça de casal dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente em separado, com efeito suspensivo (arts. 1123º,1,2,b,3, artigo 644º,2,i e artigo 645º,2 todos do Código do Processo Civil e, nos termos do artigo 1123º,3 CPC.

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: I.

Vem o presente recurso interposto do despacho proferido na conferência de Interessados realizada no dia 07.11.2022 e que determinou a remessa dos Interessados para os meios comuns.

II.

O recurso é admissível e deverá ser atribuído efeito suspensivo ao processo nos termos conjugados da alínea b), n.º 2, e n.º 3 do art.º 1123º do CPC.

III.

O regime de recursos aplicável aos autos é o previsto no art.º 1123.º do CPC (cfr. n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro), tendo o legislador garantido o direito ao recurso autónomo das decisões interlocutórias e prevenido a uniformidade do regime de recursos.

IV.

O despacho recorrido, ao remeter os interessados para os meios comuns para dirimir o crédito do Recorrente/cabeça de casal sobre a Interessada AA, correspondente ao que aquele satisfez para além do que lhe competia satisfazer (art. 1697º, n.º 1, CC) no pagamento de dívidas da responsabilidade de ambos, constitui uma decisão de saneamento e de determinação dos bens a partilhar, pois exclui da partilha todo o passivo comum do casal, com evidente prejuízo para o Recorrente/cabeça de casal nos ulteriores termos do inventário, pois obsta a que aquele efectue, no próprio processo de inventário subsequente a divórcio, a compensação do seu crédito sobre a Interessada AA nas tornas que haveria de pagar a esta em face do resultado das licitações.

V.

É patente que a questão a apreciar e que constitui objecto do presente recurso é susceptível de afectar os ulteriores termos do processo de inventário, nomeadamente o mapa de partilha e a posição creditória ou debitória dos Interessados, pois na procedência do recurso o Recorrente/cabeça se casal passará a figurar como credor de tornas da Interessada AA, ao invés de devedor de tornas caso o processo não seja suspenso até à decisão do recurso.

VI.

Termos em que deverá ser admitido o presente recurso e ser atribuído efeito suspensivo ao processo nos termos conjugados da alínea b), n.º 2, e n.º 3 do art.º 1123º do CPC.

Por outro lado: VII.

A discordância do Recorrente/cabeça de casal incide sobre o despacho do Tribunal a quo, proferido na conferência de Interessados realizada no dia 07.11.2022, mediante a qual remeteu os Interessados para os meios comuns para discutir quem pagou o passivo da responsabilidade de ambos os cônjuges e no caso de ter sido o cabeça de casal se foi com bens comuns ou próprios, não reconhecendo no próprio processo de inventário subsequente a divórcio o direito de crédito do Recorrente sobre a Interessada AA relativamente ao pagamento das dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges.

VIII.

Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo olvidou e fez tábua rasa dos documentos e da posição das partes assumida nos autos, dos quais resulta demonstrado que foi o Recorrente/cabeça de casal quem liquidou o passivo da responsabilidade de ambos os cônjuges, e que liquidou esse passivo através de fundos próprios porque resultantes da alienação de bem imóvel próprio.

IX.

Da posição assumida pelos Interessados na tramitação transcrita na alegação e dos documentos juntos, resulta pacífico que o ex-casal composto pelo Recorrente e pela Interessada AA, na pendência do casamento contraíram os créditos relacionados sobre as verbas n.º 1 a 4 do passivo constante da relação de bens apresentada em 12.05.2016.

X.

Tanto assim é que, notificada da relação de bens, a Interessada AA apresentou a reclamação datada de 06.06.2016, na qual não só não impugnou o passivo comum relacionado, como confessou expressamente que o passivo das verbas n.º 1 a 4 da relação de bens constituía bens comuns nos termos do art. 1724º, alínea b), do CC – cfr. item 5º da reclamação contra a relação de bens de 06.06.2016.

XI.

Resulta igualmente dos autos que o Recorrente, no seu requerimento de .../.../2022 destinado a dar forma à partilha, referiu que após o divórcio (26.09.2013) continuou a pagar sozinho as prestações referentes a todas as dívidas comuns do dissolvido casal e relacionadas sob as verbas n.º 1, 2, 3 e 4 do passivo da relação de bens, alegando ainda que na pendência do processo de Inventário, concretamente em 15.06.2018, procedeu à venda do imóvel que constituía bem próprio seu e com o produto da venda procedeu ao pagamento integral do remanescente do passivo relacionado sob as verbas n.º 1, 2 e 3 da relação de bens (dívidas à Banco 1...).

XII.

Para prova do alegado o Recorrente juntou aos autos documentos, concretamente comprovativos do pagamento de todas as dívidas à Banco 1... (e que correspondem às relacionadas sob as verbas n.º 1, 2 e 3 do passivo) e escritura pública de compra e venda de bem imóvel próprio, de cuja alienação provieram os fundos utilizados para liquidar tais empréstimos comuns.

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