Acórdão nº 1332/22.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2023
Magistrado Responsável | MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA |
Data da Resolução | 09 de Março de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães 1. Relatório A. F..., SA, propôs acção declarativa, sob a forma comum, contra C... Seguros - Companhia de Seguros, SA, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 121.957,88, acrescida de juros, à taxa legal prevista para as dívidas comerciais, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo Riscos Industriais, titulado pela apólice n.º ...58, pelo qual transferiu para ela o risco decorrente do furto ou roubo de produtos ou matérias-primas existentes nas suas instalações.
Invocou que, entre as 15 horas do dia 18 e as 21.05 horas do dia 19 de Abril de 2020, indivíduos cuja identidade não foi apurada, introduziram-se nas suas instalações, mediante arrombamento, tendo dali retirado peças de vestuário cujo valor ascende a € 310.811,20.
Feita a participação à Ré, esta comunicou-lhe, no dia 30 de Março de 2021, ter apurado um prejuízo de € 190 046,00, o qual, por aplicação da regra contida no art. 19.º das Condições Gerais da Apólice, teria de ser reduzido a € 128 346,00, descontados os 10% da franquia contratada, perfazendo assim € 115. 511,40.
Tendo aceite os valores indicados pela Ré, insistiu com esta pelo pagamento da indemnização, o que foi recusado, peticionando, assim, que, ao valor apurado, acresçam juros de mora, contados desde o 30.º dia subsequente à participação do sinistro à Ré.
*Citada, a Ré contestou apontando, também em síntese, as suas dúvidas quanto à verificação do sinistro nos termos que lhe foram participados pela Autora, daí a razão de ter recusado o pagamento da indemnização.
Acrescentou que, em qualquer caso, ao valor da indemnização haverá sempre que subtrair o valor da mercadoria que, entretanto, foi recuperada.
*Foi proferido despacho saneador tabular, seguido da delimitação dos termos do litígio e do enunciado dos temas da prova, após o que foi realizada a audiência de discussão e julgamento, a que se seguiu a sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré, C... Seguros - Companhia de Seguros, SA, a pagar à Autora, A. F..., SA, a quantia de € 115 511,40 (cento e quinze mil quinhentos e onze euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista no art. 102, 3.º §, do Código Comercial, vencidos desde 29 de Abril de 2021 e vincendos até efectivo e integral pagamento.
*II. O Recurso Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorreções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo – documentos e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida, que abaixo melhor se especificará.
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- A sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, como infra se verá.
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- Não se conforma a ora recorrente com tal decisão, pois entende que da prova efetivamente produzida em audiência não é coincidente com a que foi dada como definitivamente assente.
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- DOS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS No que respeita aos factos provados: 9. Entre as 15 horas do dia 18 e as 21.50 horas do dia 19 de abril de 2020, indivíduos cuja identidade não foi apurada entraram nas referidas instalações da Autora.
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Para esse efeito, abriram o portão que dá acesso ao exterior.
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Após, entraram no armazém, por forma que não foi apurada, e dele retiram, sem o conhecimento e contra a vontade da Autora, 421 peças de vestuário da marca ..., no valor de € 2176,05, 230 peca̧s da marca ..., no valor de € 2 300,00, e 27 488 pelas da marca ..., no valor de € 310 811,20, cf. anexo I, que faz parte integrante desta sentenca̧. (...) 19 - Na noite do dia 19 de abril de 2020, depois das 21.50 horas, o administrador da Autora AA tomou conhecimento do sucedido e participou o furto à GNR.
5.º - Por entendermos ser essencial para apreciação do presente recurso, passemos a analisar o depoimento prestado pela testemunha BB (que integralmente se transcreveu nestas alegações), docente universitário e perito técnico, e, consequentemente, do Relatório de peritagem por si elaborado e junto aos autos.
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- Como o próprio Tribunal recorrido salienta, este ficou convencido da valia técnica do seu depoimento, no qual, de forma clara, coerente e suportada por elementos técnicos e lógicos, afirmou, de forma clara e consistente, que as dobras existentes e confirmadas dos ferrolhos, só podiam ter sido feitas com o portão aberto.
Conforme explicou a testemunha, louvando-se dos seus conhecimentos científicos e experiência, o estado em que os ferrolhos que estão nas fotografias constantes dos autos, implicaria, necessariamente, danos na folha do portão, na fechadura e respetiva fêmea e nas secções dos ferrolhos, os quais não foram reportados por nenhuma das pessoas que foram ao local logo na noite de 19 de maio e na manhã do dia 20.
Implicariam ainda vestígios no pavimento provocados pelo arrastamento do ferrolho inferior no sentido do interior para o exterior, que não existem.
O único vestígio de arrastamento do ferrolho inferior é o visível na 2.ª fotografia, que é no sentido oposto, conforme melhor se pode ver numa das fotografias 12 do relatório feito pela testemunha BB: E que concluiu o Tribunal recorrido: Perante esta dúvida concreta, não foi possível formar uma convicção positiva quanto ao facto do ponto 21.
Vejamos o que consta como não provado: 24. os indivíduos referidos em 9. introduziram-se no interior das instalações da Autora após arrombarem o portão de entrada e o portão exterior de acesso ao armazém onde era guardado o produto acabado.
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- No entanto, e apesar do assim considerado, o Tribunal recorrido considerou que apesar deste facto não provado, não conseguiu abalar a convicção da ocorrência do ato de subtração, de que existem, como referimos, elementos para a formação de uma convicção positiva: os depoimentos das testemunhas CC e DD, conjugados com os autos de apreensão de peças de vestuário.
8.º - Assim não entendemos: Toda a narrativa da Autora quanto à ocorrência do furto assente na produção de toda a prova testemunhal oferecida, assenta na concreta forma de introdução no estabelecimento – quer através da introdução na cancela de acesso, quer na introdução no armazém, afirmando, sem qualquer dúvida, ter o portão e a cancela sido forçados.
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- Ora, isso não resultou provado, o que falece toda a construção da Autora... concluindo-se que o sinistro não ocorreu conforme a versão da própria Autora.
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- Mais, resulta do depoimento da testemunha BB (cujo depoimento igualmente se transcreveu) que os danos verificados foram feitos no interior de estabelecimento e com a porta aberta o que só permite tirar uma conclusão clara: esse ato foi realizado por alguém com o intuito de fazer crer uma realidade própria e adequada.
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- Obviamente, até porque o ónus da prova é da Autora - Ora, pretendendo, no caso, a autora arrogar-se titular do direito indemnizatório que lhe assiste por via do contrato de seguro celebrado com a ré, em consequência de se ter verificado o “sinistro” participado, é indiscutível que sobre ela impende o ónus da prova da verificação do “sinistro”, por se tratar de elemento constitutivo do direito indemnizatório que se arroga titular perante a ré, isto é, desde logo, que o sinistro descrito na petição inicial, que o furto se verificou como alega e pretende provar e que se verificou e na sequência do mesmo, em resultado do mesmo, que os alegados danos se verificaram.
12.º É depois à seguradora que cabe a prova de circunstâncias capazes de afastar a prova de primeira aparência do furto feita por aquela participação.
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- Trata-se, pois, de atribuir àquela queixa de furto um valor de prova bastante que cede perante a simples dúvida que o julgador, confrontado com outros elementos de prova, tenha sobre a realidade do facto por ela em princípio provado (art. 346 CC).
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- Parece-nos que a prova produzida pela autora não é, só por si suficiente para permitir que se dê como provado o furto, dada a prova produzida pela Ré que afastou o modus faciendi do sinistro oferecido pelas testemunhas da Autora; 15.ª - Ora, não se provando que os indivíduos se introduziram no interior das instalações da Autora após arrombarem o portão de entrada e o portão exterior de acesso ao armazém onde era guardado o produto acabado, o que temos quando à forma da entrada de tais alegados indivíduos? NADA.
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- Não existiu nem foi provado qualquer vestígio de entrada de terceiros no estabelecimento.
Diga-se que, conforme as testemunhas arroladas pela Autora EE e DD referiram, o estabelecimento, ao fim de semana, fica devidamente fechado; 17.ª - Diga-se que também resultam muitas dúvidas quanto à forma como alegadamente a mercadoria foi subtraída: eram precisas duas ou três carrinhas altas, o procedimento implicaria uma logística própria e era demorada e causaria, igualmente, muito barulho e reboliço.
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- Registe-se que são peças de vestuário de criança (com alguma volumetria) e deve atentar-se também ao elevado valor do suposto furto.
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- Ora, como referem as referidas testemunhas, existem casas de habitação próximas do estabelecimento e ninguém detetou qualquer movimento anormal.
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- Da mesma forma, e como também resulta do depoimento das referidas testemunhas, não existia nem alarme nem camaras de vigilância o que facilitaria o cumprimento do ónus da prova por parte da Autora.
21.º Face ao assim dito, não se pode, com propriedade dizer que ficou provada a subtração de bens seguros contra a vontade e sem o conhecimento da Autora – rectius, das pessoas físicas que formam e exteriorizam a sua vontade; muito menos que essa subtração tenha ocorrido no período noturno, quando as instalações da Autora estavam fechadas; Se estavam fechadas, como é que...
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