Acórdão nº 397/21.9PAOVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelPAULA GUERREIRO
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 397/21.9PAOVR.P1 1. Relatório Nos autos de processo comum com julgamento perante tribunal singular nº 397/21.9PAOVR do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Ovar, foi em 3/11/2022 depositada sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público contra AA e, em consequência, condenou o arguido pela prática de um crime de maus tratos de animal de companhia, p. p. pelo artigo 387 nº3 do Código Penal na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 500,00 (quinhentos euros), e absolveu o mesmo da prática de cinco crimes de maus tratos de animal de companhia, p. p. pelo artigo 387 nº3 do Código Penal.

Inconformado com a decisão veio o arguido interpor o presente recurso de cujas conclusões se retiram, em síntese, os seguintes argumentos: O recorrente pretende analisar o enquadramento jurídico dos factos.

Considera o recorrente que o art. 387 do CP é materialmente inconstitucional pelas seguintes razões: a) não se encontrar, na ordem axiológica jurídico-constitucional, uma imposição ou uma necessidade de tutela (penal) do bem-estar animal, à luz do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em termos que possa justificar a restrição de direitos fundamentais que lhe vem impregnada, conforme resulta n.º 2 do art. 18 da CRP; b) violar o princípio da legalidade penal, expresso pelo brocardo latino “nullum crimen, nulla poena, sine lege stricta”, a que se reporta o n.º 1 do art. 29 da CRP.

No ilícito típico do crime de maus tratos de animal de companhia, seja pela respetiva conformação descritiva, seja, ainda, pela sua inserção sistemática, não se evidencia o bem jurídico que visa proteger.

A descrição típica do ilícito de maus tratos a animal de companhia apresenta um nível de indeterminação que é incompatível com o princípio da legalidade penal.

A indeterminação do que possa cogitar-se serem quaisquer outros maus tratos físicos e a não menor indeterminação do que seja o próprio objeto da infração, (animal de companhia), põe em causa o disposto no art. 29, n.º 1 da CRP.

A sentença recorrida ao condenar pelo crime previsto no art. 387 do CP violou os artigos 18 nº2, 27 e 29 nº1 todos da CRP.

Conclui pedindo que na procedência do presente recurso seja o arguido absolvido do crime que lhe foi imputado nos autos.

O recurso foi admitido por despacho proferido nos autos em 12/12/2022.

Em primeira instância o MP veio responder ao recurso considerando que o quadro de valores constitucionais constitui para o legislador ordinário, o quadro referencial dos valores suscetíveis de terem proteção penal e que , tendo o direito penal a função primordial de tutelar os bens jurídicos fundamentais, isto é, os valores individuais e comunitários essenciais à realização pessoal e à convivência social num Estado de Direito - como impõe o art. 1º da CRP -, não restam dúvidas que a preservação da integridade física, do bem estar e da vida dos animais por que intimamente ligada à proteção das condições essenciais necessárias à sobrevivência do homem, faz parte dos valores constitucionalmente protegidos, dignos de tutela penal.

Defende a posição de que a norma legal que configura o crime em apreço não é materialmente inconstitucional e pugna pela improcedência do recurso.

Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto considera que do conceito de dignidade da pessoa humana se pode retirar como princípio jurisgenético, o reconhecimento do estatuto dos animais enquanto seres vivos dotados de sensibilidade e a consequente relevância constitucional dos interesses que estes tenham em virtude da sua natureza.

Mais entende que a norma incriminatória em causa, embora recorra a conceitos de manifesta amplitude, que podem levar a uma também alargada, (e mesmo subjetiva) amplitude interpretativa, não viola ainda assim o princípio da tipicidade penal.

Conclui afirmando que crê que é compatível com a CRP o facto de se tutelarem penalmente bens jurídicos que não constem expressamente do catálogo constitucional, como ocorre na norma pela qual o arguido/recorrente foi condenado e emite parecer no sentido do não provimento do presente recurso.

Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.

  1. Fundamentação A – Circunstâncias com interesse para a decisão Pelo seu inequívoco interesse passamos a transcrever a decisão recorrida no que respeita aos seus fundamentos de facto e de direito, na parte que releva para a decisão a proferir: «II. Fundamentação De Facto Com relevo para a decisão da causa, resultaram os seguintes: Factos Provados: 1º No dia 1 de Novembro de 2021, pelas 18:10h, verificando que no quintal da sua residência sita no nº... da Rua ... em Ovar se encontravam seis crias de gato, recém-nascidas, removeu-as do local, colocou-as dentro de um saco plástico e foi depositá-las no contentor do lixo, existente nas proximidades da sua residência, naquela Rua ....

    1. O arguido agiu do modo descrito de forma livre, voluntária e consciente, depositando no contentor, dentro do saco as crias de gato recém-nascidas, cuja fragilidade conhecia, deixando-as à sua sorte, ciente que dessa forma lhes infligia dor e sofrimento, como aconteceu.

    2. O arguido sabia que praticava factos ilícitos e criminalmente punidos.

    3. O arguido confessou os factos.

    4. Está arrependido.

    5. O arguido tem outros gatos, dos quais trata.

    6. Actuou da forma descrita em 1º por terem as crias sido abandonadas pela mãe e não conseguir que as mesmas se alimentassem.

    7. O arguido está desempregado, auferindo RSI no valor de cerca de € 125,00.

    8. Reside com a mãe em casa desta.

    9. Tem uma filha a qual já está autonomizada.

    10. O arguido não tem antecedentes criminais.

    Factos não provados Não resultaram factos não provados, com relevo para a boa decisão da causa.

    Motivação da decisão de facto: A decisão de facto teve por base a prova produzida em audiência, globalmente considerada, que consistiu no seguinte: O tribunal considerou essencialmente a confissão dos factos pelo arguido, o qual acaba por assumir a sua conduta, percebendo-se que o mesmo compreende o desvalor da sua actuação. Na verdade, ainda que procurando explicar-se, dizendo que atuou por os animais terem sido abandonados pela mãe e não comerem, percebe-se que o arguido compreendeu o sofrimento a que votou os animais que colocou num saco plástico e dentro do contentor do lixo. Na verdade, decorre das regras da experiência comum que 6 gatos recém-nascidos colocados dentro de um saco, dentro de um contentor são incapazes de subsistir, por falta de comida, água e ar e, instintivamente, sentem sofrimento. Não colhe, obviamente, a alegação de que o arguido esperava que alguém pegasse nos gatos, pois...

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