Acórdão nº 1831/12.4TXLSB-V.C1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução09 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 1831/12.4TXLSB-V.C1-A Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência * Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1.

O arguido AA, inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-11-2022, proferido no proc. n.º 1831/12.4TXLSB-V.C1, transitado em julgado, vem interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o Supremo Tribunal de Justiça, por entender que aquele acórdão se encontra em oposição com o decidido no acórdão do mesmo Tribunal da Relação, de 09-12-2009, prolatado no âmbito do processo n.º 108/06.9TXCBR-A.C1, publicado em www.dgsi.pt.

  1. São do seguinte teor as conclusões que o arguido AA, extrai da motivação do recurso que apresentou (transcrição): “1. AA, condenado/arguido nos autos de processo em epígrafe referenciados, não se conformando com o Acórdão que lhe negou a liberdade condicional, e por o mesmo se encontrar em oposição com outro acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, vem interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do Acórdão proferido em último lugar, ou seja, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação Coimbra - 4ª Secção – no âmbito do processo n.º 1831/12.4TXLSB-V.C1., ao abrigo do disposto no artigo 437 n. º2 do Código de Processo Penal, art. 240º, 241º, al. b), e 243º e 244º todos do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, por o Acórdão recorrido estar em oposição com outro Acórdão da Relação de Coimbra, nomeadamente com o Acórdão de 09-12-2009 prolatado no âmbito do processo n.º 108/06.9TXCBR-A.C1 cujo relator foi Exmo. Sr.º Juiz Desembargador Paulo Valério, disponível em www.dgsi.pt.

  2. Foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra o Acórdão de 09-12-2009, no âmbito do processo n.º 108/06.9TXCBR-A.C1, cujo relator foi o Exmo. Sr.º Juiz Desembargador Paulo Valério, disponível em www.dgsi.pt.

  3. E em 09-11-2022, mas apenas transitado em julgado em 25-11-2022, foi também proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra o Acórdão, de que ora se recorre, no âmbito do processo 1831/12.4TXLSB-V.C1, cuja relatora foi a Exma. Sr.ª Juíza Desembargadora BB.

  4. O acórdão recorrido, proferido no âmbito do processo 1831/12.4TXLSB-V.C1, acima melhor identificado, encontra-se em clara oposição com o Acórdão de 09-12-2009, prolatado no âmbito do processo n.º 108/06.9TXCBR-A.C1, melhor identificado supra.

  5. Os acórdãos identificados, proferidos pelo mesmo Tribunal da Relação, encontram-se em clara oposição e originam um conflito de jurisprudência.

  6. Ambos os Acórdãos versam sobre a aplicação do artigo 61º n.º 2 al. a) do Código Penal, concretamente se é suscetível de valoração (negativa) pelo Tribunal, para a concessão ou não da liberdade condicional ao condenado quando este já cumpriu 2/3 da pena, o facto de este ter processos crime pendentes a correr contra si, sendo manifestamente oposta e contraditória a decisão do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento de 09-12-2009 prolatado no âmbito do processo n.º 108/06.9TXCBR-A.C1, quanto à admissibilidade de valoração de tal facto.

  7. No Acórdão fundamento supra identificado (de 09-12-2009), decidiu-se que: “a não concessão da liberdade condicional com base no facto da situação jurídica processual do arguido estar ainda indefinida, viola o princípio da presunção de inocência.” 8. Fundamentou-se tal decisão, da seguinte forma: “No caso em apreço, importa dizer desde logo que o facto de o recorrente não ter a sua situação processual criminal (dois processos crime pendentes) resolvida não lhe é imputável, e nem se pode presumir que nesses processos será condenado.

    Ora, consta dos autos e da decisão recorrida que desde 2008 o recorrente tem tido um comportamento prisional adequado, tem o apoio da família tem trabalho prometido uma vez em liberdade, está agora a ser acompanhado pelo CRI de ..., denotando motivação para a sua continuidade.

    Estas circunstâncias, nesta fase de cumprimento da pena, não impõem, de um ponto de vista de prevenção especial (desconsiderando naturalmente os dois processos pendentes, pelas razões já referidas) um especial receio de ver o recorrente a cair na reincidência (em sentido geral), antes suportam uma esperança de que a ameaça da revogação da liberdade condicional será bastante para o fazer pensar na conduta futura.

    (…)” 9.

    Por sua vez, no acórdão recorrido foi decidido que: “A existência deste processo foi considerada apenas por integrar factos ocorridos durante o cumprimento da pena, factos cuja ocorrência, aliás, o arguido aceita e por cuja prática se mostrou contristado.

    Tratando-se de um conflito ocorrido durante a reclusão teria, necessariamente, que ser considerado, precisamente por se tratar de um episódio significativo.

    E sendo considerado tinha que relevar negativamente, por respeitar ao comportamento do arguido.

    (…) O relevo conferido a uma e outra situações foi semelhante.

    E deste modo, não foi violado o princípio da presunção de inocência do arguido, nem foi cometida qualquer ilegalidade decorrente da consideração da pendência do referido processo.” 10. Do confronto da factologia de ambos os acórdãos, verificamos a identidade da situação de facto subjacente aos dois acórdãos em conflito.

  8. Em ambos os acórdãos, fundamento e recorrido, os condenados tinham um percurso prisional favorável indicativo do bom comportamento futuro, apesar de terem pareceres desfavoráveis dos Conselhos Técnicos devido à existência da pendência de processos crime, tendo, a primeira instância, considerado que o facto de os condenados terem processos-crime pendentes a correr contra si lhes era desfavorável e impedia que fosse efectuado um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento posterior, considerando, assim, ser de valorar contra o condenado tal circunstância.

  9. Em ambas as situações os condenados recorreram da decisão da primeira instância. E, em sede de recurso, no acórdão fundamento foi considerado que o facto de o condenado ter contra si processos-crime pendentes não podia ser valorado contra o condenado em sede de verificação dos requisitos do artigo 61º n.º2 al. a) do CP, ou seja, para atribuição ou não da liberdade condicional, porquanto tal constituiria uma violação ao princípio da presunção de inocência já que, o condenado não tem culpa de o outro processo estar ainda pendente e ainda não existir uma condenação, sendo que esta não se pode presumir.

  10. Decidiu-se assim, no Acórdão Fundamento, que não podia valorar negativamente, isto é, contra o condenado a existência desse processo pendente, e que tal nunca poderia interferir na decisão de concessão da liberdade condicional daquele.

  11. Ao verificar o preenchimento dos requisitos para a concessão da liberdade condicional, excluindo obviamente o processo pendente, decidiu que face ao comportamento do condenando lhe deveria ser concedida a mesma.

  12. No acórdão recorrido considerou-se, por sua vez, que o facto de o condenado ter um processo-crime pendente contra si podia ser valorado negativamente no juízo de prognose a ser efetuado, e que podia ter relevância aquando da aferição dos requisitos do artigo 61 n.2 a a) do CP, aplicável por remissão do art.61.º n.º 3 do mesmo diploma legal, ou seja, para a concessão da liberdade condicional, 16. Do texto dos Acórdãos identificados (Fundamento e Recorrido), resulta à evidência que os mesmos estão em clara contradição, pois enquanto o Acórdão Fundamento (Acórdão de 09-12-2009) decidiu que “a não concessão da liberdade condicional com base no facto da situação jurídica processual do arguido estar ainda indefinida, viola o princípio da presunção de inocência.

    ”, o Acórdão recorrido decidiu exatamente o oposto, ou seja, que “não foi violado o princípio da presunção de inocência do arguido, nem foi cometida qualquer ilegalidade decorrente da consideração da pendência do referido processo” para a não concessão da liberdade condicional, sendo esta oposição que origina o conflito de jurisprudência.

  13. Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, porquanto não houve alteração legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida, mantendo-se o texto e interpretação dos artigos em causa inalterados e actuais.

  14. A resolução de tal conflito assume uma importância extrema na medida em que os condenados devem ser tratados de forma igualitária e os requisitos para a concessão da liberdade condicional devem ser interpretados de forma também igualitária sob pena de se criarem situações (injustas e desiguais).

  15. Tal situação é claramente violadora do princípio da igualdade constitucionalmente garantido pelo artigo 13º da Constituição da República portuguesa.

  16. Deve ser garantido aos condenados, que a avaliação dos requisitos para concessão da liberdade condicional seja efetuada de forma igual para todos e que os critérios atinentes à avaliação da prevenção especial sejam unânimes.

  17. A figura da liberdade condicional constituiu uma resposta de natureza política criminal delineada como forma de reagir ao aumento de reincidência que se verificava sobretudo aquando do cumprimento de penas longas ou de média duração.

  18. Esta é tida como uma fase de transição da reclusão para a liberdade definitiva, servindo a finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, visando minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra apartado.

  19. Quando o condenado já cumpriu dois terços da pena o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.

  20. Assim, aos dois terços da pena temos apenas como requisito a expectativa de que o condenado/a em liberdade, conduzirá a...

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