Acórdão nº 3140/21.9T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Fevereiro de 2023
Magistrado Responsável | HELENA BOLIEIRO |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1. Por decisão do Senhor Comandante Distrital da Polícia da Segurança Pública de ..., proferida no processo de contra-ordenação n.º ..., no uso das competências subdelegadas pelo Senhor Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, foi aplicada à arguida P..., S.A., uma coima no valor de 500,00 € (quinhentos euros), pela prática de uma infracção ao disposto no artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, conjugado com o artigo 7.º, n.os 1 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros 88-A/2020, de 14 de Outubro.
Por decisão da mesma entidade, proferida no processo de contra-ordenação n.º ..., foi também aplicada à arguida P..., S.A., uma coima no valor de 500,00 € (quinhentos euros), pela prática de uma infracção ao disposto no artigo 2.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho, conjugado com o artigo 7.º, n.os 1 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros 88-A/2020, de 14 de Outubro.
Inconformada, a arguida P..., S.A., veio impugnar judicialmente as referidas decisões administrativas.
Os recursos de contra-ordenação foram recebidos, de harmonia com o disposto nos artigos 59.º e 63.º, n.º 1, a contrario, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro [doravante RGCO].
Foi determinado que aos presentes autos fosse apensando o recurso de contra-ordenação n.º ...1..., relativo ao processo n.º ..., com o fundamento em razões de conexão processual (a mesma recorrente, factos idênticos e ambos os autos na mesma fase processual).
As partes não se opuseram à decisão da causa por despacho judicial, sem audiência de julgamento.
O Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., proferiu, então, decisão na qual julgou improcedentes as impugnações judiciais e consequentemente: - Manteve as decisões recorridas … - Fixou a coima única no montante de 700,00 € (setecentos euros): artigo 19.º do RGCO.
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Inconformada, a arguida P..., S.A., interpôs recurso da sentença, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões … «… 2. Olhando aos processos apensados se verificará que as notificações ao abrigo do art. 50.º do RGCO, extrapolam o objecto e fim da mesma notificação, sendo inválidas e atentatórias da Constituição por violarem os mais básicos direitos de defesa do arguido em direito sancionatório.
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As notificações/decisões em apreço apresentavam-se, nos termos do art. 50.º do RGCO, fazendo enquadramento factual sumário e remetendo para auto de notícia, conferindo à Arguida o prazo para, querendo, se pronunciar, porém, equacionando a ausência de apresentação de defesa ou pronúncia pela Arguida, proferiam, no imediato, decisão condenatória.
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Decisões essas que afirmavam que no silêncio da Arguida (…) considera-se, face aos elementos já recolhidos, que o arguido cometeu a infração que lhe vem imputada, a título de negligência … 5. Tais notificações e consequentemente todo o procedimento contra-ordenacional mostra-se inválido, sendo atentatório dos direitos constitucionais de defesa do arguido em processo sancionatório, concluindo-se pela existência para a entidade notificante de um pré-conceito ou uma presunção de culpabilidade do arguido … 6. Ao decidir antecipadamente ao exercício de direito de defesa verifica-se a subtracção do mesmo direito. A este propósito afirma a douta sentença que não se mostra violado o direito de defesa e que tal procedimento encontra paralelo nos processos sumaríssimos previstos em Processo Penal, entendimento que não deverá ser acolhido, porque o processo sumaríssimo assume a forma de processo especial, encontrando-se impedida, por princípio, a analogia em direito penal.
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Acresce que o processo sumaríssimo pressupõe a concordância do arguido, importando, além do mais, a aceitação da factualidade pelo mesmo. Não se afigurando, sequer similitude de situações entre o processo contra-ordenacional e a sua tramitação e o processo penal. Não se vislumbrando nestas decisões a procura de concordância da Recorrente.
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O procedimento e notificações recebidas no âmbito dos processos em apreço, apresentam-se incompatíveis com o Estado de Direito e com todo o sistema legislativo nacional, porquanto importam a subtracção da presunção de inocência constitucionalmente prevista no art. 32.º, retirando qualquer significado ao exercício de pronúncia e defesa do Arguido, reduzindo-o a mera sequência formal enxertada em procedimento administrativo.
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As decisões proferidas incorrem ainda em nulidade, porquanto valoram o silêncio em contravenção ao disposto no art. 61º do CPP e ao disposto no art. 32.º da Constituição que determina que todo o arguido se presume inocente.
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Falha-se em alcançar em que medida o silêncio da Arguida pode ser valorado como evidência de culpa 11. A inclusão de decisão em sede de notificação para exercício de direito de defesa é violadora do art. 50º do RGCO … 12. Fazer constar da notificação para defesa a decisão condenatória, presumindo a negligência, no silêncio do Arguido é manifestamente violador de todas as garantias constitucionais de defesa.
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Ao declarar a validade de tal notificação crê-se, muito respeitosamente, incorreu o douto Tribunal a quo em erro na aplicação do Direito, mormente da Constituição, assumindo-se assim a douta sentença recorrida como nula … 14. As decisões condenatórias proferidas pela entidade autuante não procederam a qualquer apreciação das defesas apresentadas pela Arguida, limitando-se, de forma sintéctica, a mencionar que a Arguida apresentou defesa na qual alegou a nulidade da notificação.
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As entidades com poder sancionatório encontram-se legalmente vinculadas ao dever de fundamentação, o qual inclui a análise, ainda que para eventual afastamento dos argumentos, da defesa, sendo que analisando as decisões impugnadas crê-se forçoso concluir que não foi efectuada qualquer análise dos fundamentos das defesas, sequer para os afastar.
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Omitindo o seu dever de fundamentação, o que gera invalidade, sob a forma de nulidade da decisão proferida, tanto mais que ao omitir a fundamentação, se afigura agravada a invalidade por decisão prévia à audição do arguido, resumindo o direito de audição a mera formalidade enxertada no procedimento.
…».
* 3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pela improcedência … 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto … emitiu parecer em que partilha do entendimento do Ministério Público na 1ª instância … … * II – Fundamentação … atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada … as questões a apreciar são as de saber se: - Nulidade das notificações efectuadas para os efeitos do disposto no artigo 50.º RGCO e consequente invalidade de todo o procedimento contra-ordenacional, por violação dos direitos constitucionais de defesa do arguido em processo sancionatório.
- Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.
* 2. A sentença recorrida.
Na sentença recorrida, a 1.ª instância entendeu que das decisões administrativas impugnadas resulta assente, para além do mais … «No RCO n.º 3141/21....: » No dia 21.10.2020 pelas 15h40m, no estabelecimento de supermercado, denominado «P...», sito na Quinta ..., Lote ... (Loja ...96) ... ..., explorado pela recorrente, aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo pela PSP, foi verificado que era inexistente qualquer pessoa e ou sistema de controlo e de acesso do público e contagem de pessoas que por ali se encontravam e entravam; igualmente não havia informação acerca da lotação máxima de pessoas no local.
RCO n.º 3140/21....: » No dia 27.10.2020 pelas 15h05m, no estabelecimento de supermercado, denominado «P...», sito na Quinta ..., Lote ... (Loja ...96) ... ..., explorado pela recorrente, aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo pela PSP, foi verificado que o vigilante que presta serviço inerente à sua atividade de vigilância faz a contagem e o registo no seu telemóvel da entrada e saída de pessoas/clientes para o supermercado não se encontrava...
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