Acórdão nº 5541/21.3T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Março de 2023
Magistrado Responsável | ANTERO VEIGA |
Data da Resolução | 02 de Março de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
AA, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra “C..., S.A.”.
A ré veio apresentar articulado de motivação do despedimento, pugnando pela licitude do mesmo, juntando o procedimento disciplinar.
O Autor contestou, suscitando a invalidade da decisão disciplinar e negando a prática dos factos que lhe são imputados, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento, ordenando-se a sua reintegração e condenando-se a entidade patronal ao pagamento de todas as remunerações intercalares na liquidadas desde a decisão de despedimento.
Subsidiariamente, peticionou que se considere a sanção aplicada como excessiva e desproporcionada e a sua substituição por outra menos gravosa.
*A Ré respondeu, pugnando pela licitude do despedimento e pela validade do processo disciplinar. Mais pugnou, para o caso de se concluir pela ilicitude do despedimento e reintegração do Autor, pela dedução aos salários intercalares de eventuais salários ou outras prestações retributivas ou compensatórias por trabalho ou serviços prestados pelo Autor entre a cessação do contrato e a data da prolação da decisão que transite em julgado; subsídios de desemprego que o Autor tenha auferido nesse mesmo período; e, ainda, a retribuição proporcional a quaisquer períodos em que o Autor tenha ficado em situação de isolamento ou quarentena obrigatórios, no âmbito das normas de combate à proliferação do vírus SARS CoV-2 (períodos durante os quais não é devido o pagamento de retribuição).
Realizado o julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos: “ Face ao exposto, julga-se improcedente o pedido formulado, e, em consequência, declara-se lícito o despedimento do Autor AA promovido pela Ré “C..., S.A.”…” Inconformado o autor interpôs recurso apresentado as seguintes conclusões: … II. As questões que o Recorrente suscita são as seguintes: - Verifica-se erro notório na apreciação das provas, que determinou incorreta decisão de facto e, consequentemente, do decisório, no que concerne aos Pontos B; D c); K; N; P; F; AA dos Factos Provados e 3; 6 e 7 dos Factos Não Provados: - DA FALTA de preenchimento dos pressupostos para o despedimento com justa causa, conforme exigidos pelo O artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho (CT) III. Na douta sentença a quo - com o devido e merecido respeito que, ademais, é muito - andou muito mal o Digno Tribunal ao dar como provados os factos supra B; D c); K; N; P; F; W; AA e como não provados os factos 3; 6 e 7, em clara contradição com a prova produzida em sede de audiência de julgamento e a documental junta aos autos.
IV. Desde logo se acrescentando que há uma clara e notória contradição entre os pontos K e N com o HH dos factos provados e entre o ponto P e o EE, também dos factos provados, sendo contraditórios entre si! V. Produzindo uma sentença incompreensível, justificando o despedimento de um trabalhador sem lhe imputar UM ÚNICO comportamento! VI. Importa referir que a relação laboral entre recorrente e recorrida remonta ao ano de 2000 e não 2020 como incorretamente indicado no ponto B dos factos provados.
VII. Trata-se, seguramente, de um lapso de escrita pois o ano resulta cabalmente de todas as provas documentais juntas aos autos e do acordo entre as partes, pelo que importa retificar o ponto B, corrigindo o ano; VIII. Resultando, assim, que a relação laboral se estendeu por mais de VINTE ANOS (20 anos)! IX. Erro crucial, notório e incompreensível verifica-se na decisão de considerar como provado que uma das funções do trabalhador, enquanto “Online”, era “retirar amostras de borracha e reamostragens para serem efetuadas análises no laboratório” – ponto D, alínea c) dos factos provados.
X. Quem tinha a função de retirar amostras das paletes de borracha era o operador da maquina de “paletização”; XI. A função do trabalhador/recorrente era recolher as amostras retiradas pelo operador e coloca-las na “máquina” de testes, designada por reómetro! XII. Tal resulta inequívoco do depoimento das testemunhas BB, CC e DD funcionários da entidade patronal, com as mesmas funções do recorrente; XIII. E mesmo do depoimento de EE, funcionário da entidade patronal, Supervisor dos “Onlines”.
XIV. Do depoimento de FF, funcionário da entidade patronal, exercendo funções de “operador”, obtém-se a confirmação de tudo quanto supra declarado pelas demais testemunhas, que são os operadores que retiram as amostras da borracha colocada nas paletes.
XV. Conclusão não pode ser outra que NÃO É FUNÇÃO DO TRABALHADOR retirar amostras de borracha e reamostragens para serem efetuadas análises de laboratório.
XVI. Logo, ainda que os resultados dos testes vertidos no ponto O, alíneas a) a d), sejam considerados anómalos, não é possível imputar ao trabalhador/recorrente qualquer comportamento conducente aos mesmos – porque não é tarefa dele recolher as amostras que vão ser testadas! XVII. Ainda que, excecionalmente, os onlines – incluindo o trabalhador/recorrente - possam recolher amostras, NINGUÉM verificou/testemunhou que as amostras submetidas a análise com os resultados vertidos no Ponto O, alíneas a) a d) foram recolhidas pelo trabalhador/recorrente! XVIII. Verifica-se, tal facto, do depoimento das testemunhas GG, HH, da testemunha EE e ainda da testemunha BB “online”.
XIX. Diga-se, em abono da verdade, se o trabalhador não retira as amostras, se as mesmas são retiradas pelos operadores, se não ficou provado quem retirou as amostras que resultaram no facto provado O e respetivas alíneas, XX. NENHUM COMPORTAMENTO – LICÍTIO OU ILICITO – É APONTADO AO TRABALHADOR XXI. Mais, só é possível concluir que, pelas regras da experiência e de acordo com as funções de cada trabalhador, que as amostras foram retiradas por um operador e, qualquer erro ou vício de procedimento tem de ser imputado a este e NUNCA ao trabalhador recorrente; XXII. Que se limita a colocar no reómetro as amostras que lhe dão!! XXIII. Quanto aos pontos K e N dos factos provados, o Tribunal “a quo”, baseou-se no depoimento das testemunhas HH, GG e EE.
XXIV. Nos dois pontos, o Tribunal estabelece que foram efetuados vários testes à mesma amostra.
XXV. Contudo, corretamente, no ponto HH, considera provado que a “amostra individual, após inserção na máquina de testagem, fica absolutamente inutilizada, não podendo voltar a ser utilizada para em novo teste” XXVI. Ora, não pode, o Tribunal, considerar provado um facto e o seu oposto.
XXVII. Pelo que, inequivocamente, os pontos K e N têm de ser considerados não provados.
XXVIII. Efetivamente, “ex novo”, em sede de audiência e discussão de julgamento, pelas testemunhas HH e EE é trazido um facto novo nunca alegado, quer na nota de culpa, na decisão final de despedimento, quer na petição de motivação do despedimento – uma suposta amostra maior, tipo A4, da qual teriam sido retiradas diversas amostras.
XXIX. Nos termos do art.º 357.º, n.º 3, do Código do Trabalho, é estatuído que na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
XXX. O que não estiver inicialmente descrito na nota de culpa, não poderá ser acrescentado depois.
XXXI. Em tribunal, terá de se repetir toda a prova e não produzir nova prova.
XXXII. A acrescer, em sede de decisão final do procedimento disciplinar, nos autos a fls..., é concluído – ponto 14 – que o trabalhador arguido, “(...) de modo continuado e premeditado, adulterava o processo de testagem, não efetuando os testes, mas registando os resultados como se os tivesse efetuado” XXXIII. Ora, em sede de audiência de julgamento – quiçá pela produção de prova por inspeção no local ou reconhecimento da ausência de alicerces da “condenação” – a “tese” da entidade patronal é que, efetivamente, realizou os testes, mas sem cumprir os procedimentos ou – nova tese – que os realizou retirando uma amostra de maiores dimensões.
XXXIV. O processo judicial visa a validação do procedimento disciplinar e não produção de nova prova, alegação de nova tese ou descoberta de novos factos ausentes da nota de culpa ou da decisão final do procedimento.
XXXV. Assim, muito mal andou o Tribunal “a quo” em valorar factos “novos” para, inicialmente, dar como provados os pontos K e N e, ainda, motivar a sua decisão final.
XXXVI. Ferindo de nulidade a sentença ora em crise, o que expressamente se argui e cujo reconhecimento se requer.
XXXVII. Na verdade, dos depoimentos de GG e de II resulta que não sabe que comportamentos o trabalhador adotou ou não adotou que resultaram nos resultados dos testes obtidos XXXVIII. O Tribunal “a quo”, em sede de motivação, repetidamente, indica a “opinião” das testemunhas para fundamentar os factos provados.
XXXIX. O próprio Tribunal “a quo”, não ignora que nenhuma prova há contra o trabalhador/recorrente, reconhecendo, em sede de motivação, que nenhuma testemunha viu o trabalhador a fazer o que quer que seja! XL. Em defesa dos princípios da segurança jurídica, descoberta da verdade material e da boa decisão da causa, as decisões judiciais têm de ser devidamente fundamentadas e as suas conclusões têm de ser lógicas e claras para os recetores da mesma; XLI. O Tribunal não pode decidir com base em “opiniões” ou “suposições” sem qualquer suporte...
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